Observador Isento (Unbiased Observer)

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Friday, November 11, 2005

Licença para mentir?

Temos assistido com justificada perplexidade um fenômeno que talvez não tenha existido e nem venha a existir jamais em qualquer outro país do mundo. Trata-se dos tais habeas corpus preventivos concedidos pelo Supremo Tribunal Federal a pessoas, principalmente membros do govêrno, do seu partido ou assemelhados, convocados para depor nas diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) em andamento.
Escudados por esses habeas corpus preventivos, os depoentes respondem às perguntas que lhes são feitas com mentiras mais do que evidentes, - porquê não dizer deslavadas? – criando uma espécie de espetáculo de comédia incompatível com a seriedade dos assuntos sendo tratados, conforme, aliás, amplamente comenta e noticia toda a imprensa escrita, falada e televisiva.
Não sou jurista, mas tanto quanto entendo um habeas corpus preventivo não pode ser considerado uma licença para mentir. Mentira continua sendo mentira com habeas corpus ou sem habeas corpus. Mentira é a negação da verdade, com o objetivo de enganar, de impedir que se conheça a realidade, de obstruir as investigações, de iludir, de desnortear não apenas os membros das Comissões, mas todo o povo brasileiro como um todo. Mentira é, no caso, e salvo melhor juizo, um verdadeiro ato de traição contra o país.
Eu entenderia um habeas corpus preventivo para evitar, por exemplo, uma prisão em flagrante devido a alguma informação dada pelo depoente que possa incriminá-lo: defender-se contra a auto-incriminação poderia ser considerado um direito legítimo. Pode acontecer de um depoente revelar-se envolvido em algum ilícito de que tenha participado direta ou indiretamente ao relatar os fatos. O habeas corpus preventivo teria então utilidade para possibilitar que os fatos sejam revelados sem que o depoente tenha que temer represálias imediatas, como uma prisão em flagrante, ao mesmo tempo que sua colaboração para o esclarecimento dos fatos possa ser levada em conta como atenuante no caso de vir a ser posteriormente processado em função dessas revelações.
Entenderia também o direito do depoente de silenciar, de não responder a perguntas cujas respostas possam levar a uma auto-incriminação. Essa atitude deixaria aos investigadores a tarefa de tentar obter a informação de alguma outra forma, já que o depoente deixou de dá-la a fim de evitar a auto-incriminação, - muito embora o depoente fique, a meu ver, sujeito às penas da lei caso os fatos venham a incriminá-lo mais adiante se chegarem a ser apurados.
Mas silenciar é muito diferente de mentir. Mentir é ato vil. Mentir sob juramento é perjúrio, que se não me engano é crime.
Caberia perguntar se os habeas corpus preventivos que vêm sendo concedidos têm realmente o objetivo de permitir a mentira, - e, mais do que isso, a mentira deslavada. Custa-me crer que seja esse o espírito da lei e da instituição do habeas corpus. Não estaria havendo algum engano por parte dos membros das Comissões Parlamentares de Inquérito ao deixarem de reagir diante de mentiras flagrantes ditas pelos depoentes? Estaria eventualmente sendo feito mau uso, uso malicioso, ou cumplicidade no uso indevido dos habeas corpus preventivos por parte dos depoentes e dos inquiridores? Ou estaria mesmo o mais alto tribunal da nação, o Supremo Tribunal Federal, emitindo licenças para mentir?

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