Observador Isento (Unbiased Observer)

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Wednesday, February 11, 2009

Colombo foi o último

Luiz A. Góes

Quando me meti a escrever, há alguns anos, dois ensaios sôbre o descobrimento do Brasil, o primeiro deles analisando o episódio do descobrimento e as circunstâncias que o antecederam e que o envolveram, e o segundo procurando compreender mais amplamento o texto integral da carta de Caminha, pensei que estivesse sozinho em minha crença de que Colombo não teria sido o primeiro a descobrir as Américas, e que os portugueses conheciam pelo menos parte do Brasil antes de Colombo.
Surpreendi-me, entretanto, há alguns meses, quando encontrei em uma livraria, - eu gosto de "fuçar" em livrarias de vez em quando, para saber o quê os que pensam estão dizendo, - um livro cujo título é "Colombo foi o último" ("Columbus was last", no original em inglês), escrito por Patrick Huyghe e editado pela MJF Books, de New York. Inicialmente surpreendeu-me o título, mas minhas expectativas se reduziram bastante quando li um sub-título que diz: "De 200.000 AC a 1492 DC, uma história herética de quem foi o primeiro". Pareceu-me um desses livros escritos apenas por escrever, como tantos outros, para dar alguma renda ao autor e ao editor, mas sem nada acrescentar.
Deixei-o na prateleira por algum tempo, porque tinha outras coisas que considerei mais importantes para ler, e quando resolvi lê-lo, mais recentemente, eu o fiz de forma bastante lenta nos primeiros capítulos, sôbre cujo conteúdo eu já havia visto um bocado de coisas em outras publicações, aquelas que tratam de desvendar as formas pelas quais o mundo teria sido povoado pela espécie humana na remota pré-história. Fi-lo lentamente porque o livro foi escrito de maneira a condensar muita informação em cada página, o que faz a leitura um tanto difícil e pesada, requerendo um bocado de concentração para que não se perca o fio da meada.
Mas à medida que fui avançando, meu interêsse foi crescendo e a velocidade da leitura foi aumentando, em algumas ocasiões me obrigando a reler os capítulos a fim de captar detalhes aos quais prestei pouca atenção na primeira leitura mas que se evidenciaram importantes no final. Acho que vou reler o livro todo mais uma vez, mas resolvi escrever esta pequena nota para os que se interessam pelo assunto: sei que não é muita gente, a julgar pelas reações que recebi aos meus dois ensaios anteriores, mas de qualquer modo não busco um grande público, apenas um pequeno número de interessados.
O próprio Patrick Huyghe diz no livro que quando começou a pesquisar o assunto não imaginava a quantidade de informação que iria encontrar em toda parte, o enorme número de estudiosos, pesquisadores, especialistas em numerosas disciplinas, ocupados em processar avalanches de evidências físicas e históricas sôbre as numerosas incursões de povos asiáticos, europeus e outros no continente americano desde a mais remota antiguidade até a vinda de Colombo, praticamente compondo um continuum de incursões e de colonizações sôbre as quais aos poucos se vai sabendo mais e mais, à medida que os estudos e pesquisas envolvendo numerosas disciplinas, mais evidências arqueológicas, vão revelando pedaços da história da humanidade, particularmente dos povos existentes no continente Americano anteriormente a Colombo.
É surpreendente verificar que já se encontraram explicações devidamente comprovadas para as origens das avançadas civilizações americanas pré-colombianas, e a verdade sôbre certas coisas que eram tidas como "lendas" até um passado não muito remoto. As incursões e colonizações das Américas anteriores a Colombo contam-se em dúzias, não apenas em um ou outro contacto fortuito, o que está permitindo cobrir certas lacunas existentes nas histórias de certos povos antigos, como por exemplo as origens de certos materiais que já usavam, bem como explicar a presença nas Américas de coisas que sempre se soube pertencerem a culturas européias, asiáticas ou africanas.
Quanto à viajem de Colombo, o autor demonstra a extremamente alta probabilidade de ter sido em realidade a reprodução de viajens anteriores pelo fato de Colombo ter tido acesso fortuito a documentos desconhecidos pelo resto do mundo devido a terem sido produzidos antes do advento da imprensa, documentos esses que Colombo cuidadosamente deixou de mencionar quando apresentou suas pretenções primeiro ao rei de Portugal e depois ao da Espanha, tendo convencido êste último a financiar a viagem. Detalhes da viagem em si mostram, além disso, que Colombo conhecia muito bem a rota a seguir, tanto na ida quanto na volta, - as duas rotas são diferentes, - indicação clara de que alguém já a tinha percorrido anteriormente, além de ter anunciado previamente, para convencer os marinheiros a acompanhá-lo, que chegaria à India em cêrca de 40 dias, - que foi quanto tempo levou a viajem.
Ao concluir seu relato, que evidentemente inclue, embora sem lhe atribuir a importância que deveria ter para os brasileiros e portugueses, a presença portuguesa no Brasil anteriormente a Colombo, o autor explica porquê Colombo se tornou tão famoso como descobridor das Américas, - mais uma vez de forma muito surpreendente, - ao averiguar que apenas no século XIX surgiu a figura histórica de Colombo como o descobridor, depois de ter sido colocado no ostracismo ainda em vida pelos espanhóis e em realidade pelo mundo todo, inclusive os historiadores, por alguns séculos. Patrick Huyghe associou a ascenção histórica da figura de Colombo à necessidade dos americanos do norte de criarem a imagem de um herói intocado pelo colonialismo britânico do qual tinham acabado de se livrar. Isto é, esquecido pela Espanha e em realidade por todo o mundo até então, Colombo se tornou um herói norteamericano, para a partir daí ser como que "vendido" ao mundo como o grande descobridor de tudo.
O autor vai mais além, explicando que em todos os casos anteriores de incursões e colonizações nas américas não pareceu haver interêsse em conquistas territoriais por parte dos povos ou nações que as levaram a efeito, - inclusive devido às dificuldades de navegação e os rudimentares conhecimentos da terra, ainda tida como plana, - enquanto que Colombo tinha claramente um objetivo de conquista de novos territórios, coisa que geralmente escapa aos estudantes da história face à informação de que êle buscava um caminho para a India pelo ocidente: o exame dos documentos pertinentes ao episódio do descobrimento mostra claramente que buscava novos territórios. Por outro lado, tudo conspirou para que as incursões a partir do século XV fossem mais bem sucedidas do que as anteriores: entre muitos outros fatores, o uso das armas de fogo pela primeira vez deu aos descobridores e colonizadores definida superioridade sôbre os povos existentes no continente. Além disso, a invenção da imprensa proporcionou uma divulgação muito maior às incursões ocorridas a partir de então do que nos séculos e milênios anteriores, - há presenças européias, asiáticas, africanas e de outros povos civilizados nas Américas devidamente comprovadas a partir de pelo menos 2.500 AC, ou seja, há 4.500 anos as Américas já não eram totalmente desconhecidas para o mundo dito civilizado como se é induzido a acreditar pela história de Colombo tradicionalmente ensinada nas escolas.
Uma outra coisa que surpreende no livro é o volume de bibliografia consultada, além do volume de testemunhos diretos de cientistas, historiadores, arqueólogos e outros especialistas relatados ao longo de todo o texto. É até mesmo difícil imaginar a existência de tanta informação devidamente comprovada e aceita pelo mundo científico a respeito do assunto.
Aos que se interessarem pelo tema, sugiro procurar ler o livro: vale a pena. De minha parte posso dizer que, após uma nova leitura do livro, eu talvez revisite os ensaios anteriores, porque há muitas coisas que eu desconhecia, relatadas pelo Patrick Huyghe, com impacto direto sôbre a atitude portuguesa face à notícia do descobrimento da América por Colombo, as ações subsequentes da corôa portuguesa e a viajem de Cabral em 1500.

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