Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Sunday, February 08, 2009

Qual seria a verdadeira história?

Luiz A. Góes

Certos edifícios parecem deixar marca em minha memória quando os vejo pela primeira vez, quem sabe porque frequentemente os vejo pelo lado da arte, da manifestação cultural, mais do que pelo seu lado utilitário. Foi assim quando vi a montagem do prédio da aciaria da COSIPA, a sua primeira fase, que me impressionou muito apesar de ter trabalhado no acompanhamento de seu projeto e fabricação da estrutura metálica. Já perto do início da operação veio visitar-nos um italiano ligado a uma das firmas fornecedoras, e ao adentrar o edifício a meu lado, êle exclamou: "Una catedrale!", e me dei conta de que a devoção que eu já tinha por aquela aciaria podia bem estar ligada ao fato de se parecer com uma catedral daquelas antigas em alguns aspectos.
Mais recentemente, quando conheci a Universidade de Pittsburgh, achei curioso o seu prédio principal, uma torre altíssima, ao lado da qual há uma igreja de porte bem menor, mas assim mesmo bastante grande, que chamam de capela: vim depois a saber que a tal capela é uma igreja ecumênica, não pertence a nenhuma religião em particular, e foi doada por uma família de Pittsburgh para ser usada em cerimônias religiosas de qualquer espécie sempre que solicitado por alguém de alguma forma ligado à Universidade de Pittsburgh, seja de que religião seja. É a única que conheço do gênero.
Quando entrei pela primeira vez no prédio principal, porém, foi que senti o maior impacto, porque tem todas as características de uma imensa catedral, a maior de todas quantas eu já vi. Lembrei-me do tal italiano, porque minha reação foi exclamar para o meu acompanhante que aquele prédio era uma verdadeira catedral, ao que êle respondeu: "De fato êle é chamado de Catedral do Aprendizado (Cathedral of Learning, em inglês)".
Mas o que me levou a escrever estas linhas foi um outro prédio, bem ali no Rio de Janeiro, sôbre o qual li um artigo no Jornal do Brasil de hoje: trata-se da antiga Casa da Moeda, na Praça da República, antigo Campo de Sant'Ana.
Quando fui pela primeira vez à Casa da Moeda, antes de ela ser transferida para Campo Grande, fiquei surpreendido com a magestade do prédio, um verdadeiro palácio imperial antigo, com estilo, casa de armas, obras de arte, jardim interno, e tudo mais.
A escadaria da entrada é (ainda, porque hoje está lá instalado um museu) ladeada por um par de esculturas de boa qualidade, se não me engano um par de leões, e no saguão de entrada uma ampla escada dupla em curva, se a memória não me trái, conduz a um pavimento superior que naquela ocasião me causou pena, porque estava dividido por paredes provisórias de madeira de forma a criar um sem número de salas menores em lugar das amplas salas, salões ou quartos originais, prejudicando sobremaneira a decoração original das paredes e tetos, muito danificada mas ainda visível em muitos locais.
Das janelas vislumbrava-se o jardim interno, que se apresentava grotesco porque também estava tomado por construções provisórias que me pareceram de madeira, criando um sem número de outros cômodos, com a peculidaridade de que em certos lugares havia uma espécie de caixa às avessas, contornando esculturas que à distância pareceram ser também de boa qualidade, as quais adornavam aquele jardim interno, - mas que naquelas caixas às avessas ficavam escondidas dos olhares de quem estivesse naquele piso, embora pudessem ser vistas parcialmente das janelas do andar de cima.
Das janelas também se podia ver ao fundo as dependências destinadas à criadagem, cavalariças e depósitos diversos, seguramente construções originais, a julgar pelo estilo, se a memória não me falha.
Levaram-me aos pavimentos inferiores, que estavam, - pelo menos na parte que pude ver, e que pertencia ao que se poderia chamar de porão do palácio, o que tinha sido ampliado com as salas de madeira que contornavam as estátuas, - tomados por instalações de fabricação de moedas e de refino de metais preciosos, tendo sido esta última a razão principal da visita àquelas dependências.
A decoração original, visível em numerosas partes internas do prédio e de sua fachada, indicavam que tinha seguramente sido construído para ser um palácio de govêrno, ou algum ministério, ainda na época do Império. Comentei isso com uma das pessoas que tinha ido visitar, e êle me informou, para minha grande surpresa, que aquele prédio tinha sido construído para ser a Casa da Moeda desde o início.
Fiquei com aquilo na cabeça, e em visita subsequente voltei a comentar o assunto, com outra pessoa, que me deu uma outra informação, bastante curiosa: disse-me que aquele prédio tinha sido projetado por uma firma francesa, por encomenda do govêrno imperial, para ser a Casa da Moeda, não se tendo tido nenhuma explicação para aquela suntuosidade quando de sua construção, que teria incorporado as obras de arte vindas de além-mar com o projeto. Depois, disse o meu interlocutor, ficou-se sabendo que na mesma ocasião o govêrno do Chile tinha encomendado à mesma firma francesa um projeto para o seu palácio do govêrno, e por um engano dos citados projetistas os dois projetos foram trocados quando enviados aos clientes, tendo o govêrno brasileiro recebido um projeto de palácio de govêrno, - que a antiga Casa da Moeda realmente parece ser. E de o govêrno chileno ter recebido um projeto de Casa da Moeda, - em francês o "Palais de La Moneye", - daí vindo inclusive a denominação de Palácio de La Moneda, - um nome um tanto enigmático, - do palácio do govêrno do Chile.
A explicação pareceu muito plausível, mas agora surgiu esse artigo no Jornal do Brasil de 21/03/04 (que reproduzo no final destas notas), que diz ser esta (descrita no artigo) a verdadeira história, embora fique muito longe de explicar a presença das finíssimas obras de arte, da explendorosa decoração original, do amplo jardim interno, das dependências da criadagem ao fundo e tudo o mais, além de não parecer ter sido projetado por engenheiros, e sim por refinados arquitetos (acho que como engenheiro posso dizê-lo sem receio de errar).
Isso me despertou a curiosidade em tentar averiguar a real origem do nome do palácio do govêrno do Chile: o que encontrei novamente contraria a versão da troca de projetos.
Consta que se trata de um palácio originalmente construído, sob projeto do arquiteto italiano Joaquín Toesca (o nome parece mais espanhol) entre os anos de 1784 e 1805, quando foi iniciada a produção de moedas no Chile com o palácio ainda em construção, tendo permanecido como séde da casa da moeda do Chile até 1929.
Não encontrei referências ao uso do Palácio de La Moneda entre 1930 e 1945, mas é provável que tenha se tornado a residência do chefe do govêrno, embora somente em 1945 tenha se tornado a séde do govêrno.
Assim, parece que os dois palácios, - o brasileiro e o chileno, - foram construídos originalmente para servirem de local para a fabricação de dinheiro. O que não se explica, entre outras coisas, é a suntuosidade desses palácios, se de fato foram construídos para a finalidade aludida, a ponto de, no caso brasileiro, a Casa da Moeda ter sido a construção mais importante do Segundo Império, como diz o artigo abaixo, e no caso chileno, o palácio ter sido depois promovido a séde do govêrno, seguramente também por ser a melhor edificação disponível no país.
De qualquer forma, leiam o artigo do Jornal do Brasil:

Segredo bem guardado
Historiador diz ter descoberto autoria do belo prédio neoclássico que abriga o Arquivo Nacional no Rio
Anabela Paiva
Uma das maiores jóias do estilo neoclássico do Brasil, o elegante prédio da Casa da Moeda, no Centro do Rio, sempre foi um mistério de pedra a contemplar os historiadores. Há anos pesquisadores procuram descobrir a autoria do projeto do edifício, a maior obra do tipo feita naqueles meados do século 19. A equipe do arquiteto Alfredo Brito, encarregada de restaurar o edifício para que ele servisse de nova sede ao Arquivo Nacional, inaugurada em 2002, buscou em vão o nome do autor. Uma empresa com aparelho de sonar foi convocada para esquadrinhar o terreno e buscar uma caixa de chumbo com o projeto, colocada na pedra fundamental do prédio pelo Imperador D. Pedro II em 2 de dezembro de 1858, dia do seu aniversário.
A falta de informações alimentou até a lenda de que a planta teria sido extraviada e trocada com a do Palácio de La Moneda, sede do governo chileno. O empreiteiro Theodoro Antônio de Oliveira, construtor do edifício, foi por certo tempo apontado como o autor. Agora, o segredo mais bem guardado da arquitetura carioca pode ter sido, finalmente, desenterrado.
Ironicamente, parte dos documentos que revelaram a identidade do misterioso projetista foi descoberta no próprio acervo do Arquivo, pelo arquiteto e especialista em história urbana Nireu Cavalcanti. O achado aconteceu durante investigações para o próximo livro do autor do elogiado O Rio de Janeiro setecentista (Zahar, 2002) - uma história dos construtores da cidade do Rio de Janeiro, desde a fundação.
- Encontrei as atas das reuniões da Comissão de Engenheiros do Ministério das Obras Públicas, uma instituição muito pouco estudada, e que a partir de 1850 foi encarregada de aprovar as obras oficiais da época. No meio, estava o processo da Casa da Moeda - diz o historiador, um paciente garimpeiro de fatos históricos, que acaba de lançar um livro de crônicas sobre o período colonial.
Até o século 17, a fabricação de moedas era feita em Pernambuco e na Bahia. Posteriormente, a Casa da Moeda instalou-se no Rio de Janeiro, no prédio onde hoje é o Paço Imperial. Com a chegada da Corte portuguesa, em 1808, o órgão mudou-se para um acanhado prédio da Avenida Passos. Azeredo Coutinho, provedor - o equivalente a diretor - da Casa, encaminhou o projeto de um novo edifício à comissão para aprovação em 1857.
- Este projeto foi considerado defeituoso. A comissão de engenheiros decidiu fazer um novo, que teve Manoel de Frias e Vasconcelos como coordenador. Acabou resultando em um dos mais belos prédios neoclássicos do Rio - garante o historiador.
Tetos em abobadilhas, janelas dispostas sob um frontispício triangular, colunas de seis metros (mais largas na base que no topo, para garantir a harmonia) esculpidas em pedras únicas, sem emendas, realmente tornam o prédio de 11 mil metros quadrados, em frente ao Campo de Sant'Anna, um marco na cidade.
A descoberta revela, além de um grupo de talento até agora desconhecido da arquitetura nacional, que o domínio da linguagem neoclássica não era exclusivo dos arquitetos formados pela escola da Missão Francesa - o grupo de artistas franceses que chegou ao país em 1816 para fundar a Academia de Belas Artes. Um dos maiores nomes da Missão foi o arquiteto Grandjean de Montigny (1772-1850), autor do projeto da atual Casa França-Brasil.
Depois de anos em busca do autor da planta, Alfredo Brito se surpreendeu ao saber da conclusão de Nireu:
- Acho difícil crer que engenheiros tivessem tanto domínio da linguagem neoclássica. Este é um prédio monumental em tamanho e qualidade. Mudou a arquitetura do Brasil. Sempre acreditei que o empreiteiro, ao ser encarregado da obra, tivesse encomendado um projeto, talvez fora do país.
Alfredo já tinha notícia de que o projeto original havia sofrido modificações estruturais por parte da comissão.
- As mudanças podem ser percebidas na própria obra. Mas, para mim, na parte arquitetônica, a fachada, não tinham mexido.
Não é o que acredita Nireu. O historiador explica que a comissão era formada pela elite dos engenheiros, formados pela Academia Militar. Faziam parte do grupo os portugueses Antonio Elisiário de Miranda e Britto e Antonio Joaquim de Souza, o gaúcho Manoel da Cunha Galvão, o carioca Manoel de Frias e Vasconcelos e o baiano Thomaz da Silva Paranhos. Vários deles chegaram a postos de comando no Exército e até a governadores.
- A formação dos engenheiros, embora valorizasse mais a técnica, também incluía o estudo de princípios estéticos - explica.
Segundo ele, os membros da comissão realmente fizeram um novo desenho do edifício.
- Tanto que os arquitetos da Academia, convidados a dar um parecer, depositado no acervo do Museu D. João VI, dizem que o projeto é bem melhor que o original. Depois, enumeram alguns problemas e terminam concluindo que obras desse vulto deveriam ser confiadas a arquitetos - conta Nireu.
Os dados sobre o tenente-coronel Manoel de Frias e Vasconcelos, o coordenador do projeto, ainda são esparsos. Sabe-se que nasceu provavelmente em 1817, descendente de uma família de outros importantes engenheiros. Foi diretor de obras públicas do Rio e chegou a presidente de província - ou governador - do Pará. Reformou-se em 1864 e morreu em 1893.
Dados que fizeram a alegria de Jaime Antunes, diretor do Arquivo Nacional:
- Desde que iniciamos a reforma do prédio, encontrar a sua origem era um desafio. É bom que uma nova luz seja lançada sobre o assunto.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home