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Thursday, April 09, 2009

Spread bancário - tentativa de explicação "mastigada"

Luiz A. Góes

Encontra-se em discussão acalorada a questão dos chamados "spreads" bancários. Em inglês, "spread" significa espalhar, que pode ser entendido também como distribuir, e como aumentar.
No caso é êste último significado que se aplica: "spread bancário" significa o valor que os bancos somam à taxa de juros mínima determinada pelo Banco Central, a Selic, para estabelecer as taxas mediante as quais efetuam empréstimos ao público.
Enquanto a taxa Selic é da órdem de 12% ao ano, os bancos cobram de seus clientes 68% ou mais ao ano, ou seja, há um "spread" da órdem de 56% ao ano.
Os políticos insurgem-se constantemente contra esses "abusos", em suas tiradas visivelmente populistas, e o primeiro mandatário diz ser sua obsessão reduzir o "spread" bancário.
Mas a questão precisa ser bem compreendida pelo grande público para que possa avaliar adequadamente o problema. Embora chovendo no molhado para muita gente que sabe de sobra como se calculam os tais "spreads", segue-se uma explicação bastante simplificada, objetivando ajudar nesse entendimento.
Há duas condições que determinam o piso, o valor mínimo, dos juros que os bancos comerciais precisam cobrar de seus clientes, a saber:
a) a taxa Selic, ou seja, a taxa mínima para transações inter-bancos estipulada pelo Banco Central;
b) o recolhimento compulsório, ou seja, o porcentual dos depósitos captados que os bancos precisam recolher ao Banco Central, estipulado pelo próprio Banco Central visando controlar a inflação e outras políticas.
A coisa funciona mais ou menos assim:
a) os bancos precisam, para captar recursos, pagar aos aplicadores taxas compatíveis com a taxa Selic: embora ela não seja a única determinante nas decisões dos aplicadores, tem uma grande influência, de modo que se deve esperar que os bancos paguem aos aplicadores taxas da mesma ordem ou pouco superiores à taxa Selic;
b) o recolhimento compulsório tem as seguintes consequências, que se entrelaçam, a saber:
- o porcentual do recolhimento reduz muito o volume de dinheiro que pode emprestar a seus clientes: se o recolhimento compulsório é de 70% (como tem sido), por exemplo, o banco fica apenas com 30% do que captou para emprestar a seus clientes;
- como o banco tem que pagar juros sôbre todo o montante que captou, e não apenas sôbre o que pode emprestar aos clientes, precisa fazer com que o volume de dinheiro que pode emprestar remunere todo o montante que captou;
c) vamos supor que um banco capte 100 reais a 12% ao ano, e que o Banco Central exija um recolhimento compusório de 70% (mais ou menos as condições que vêm se verificando na prática). Temos:
- o banco tem que pagar como juros aos aplicadores 12% de 100 reais, ou seja, 12 reais;
- o banco tem que recolher ao Banco Central 70% do que captou, ou seja, 70 reais, ficando com apenas 30 reais para emprestar a seus clientes;
- esses 30 reais precisam gerar para o banco uma renda que lhe permita cobrir a despeza que teve para captar os 100 reais, ou seja, precisa gerar uma receita, sem considerar os custos operacionais do banco, de no mínimo 12 reais;
- assim sendo, o mínimo que o banco precisa cobrar como juros sôbre os 30 reais é 12 reais, ou seja, (12/30)x100 = 40%;
- até aí o banco nada ganhou: a esses 25% o banco acrescenta um porcentual correspondente aos seus custos operacionais, mais a sua margem de lucro, e mais eventuais variáveis relacionados com o nível de risco que o cliente representa, mesmo porque nem todos os clientes acabam pagando o empréstimo que tomaram ao banco.
Considerando esse patamar mínimo de 40%, a taxa de 68% passa a não parecer tão absurda assim, embora seja, sem qualquer dúvida, extremamente elevada: o "spread" real coresponde a 28%. É possível que os bancos possam reduzir um pouco suas taxas, reduzindo assim o chamado "spread bancário", mas não se pode esperar que o total cáia tanto quanto muita gente pensa que poderia cair, por comparação com o que ocorre em outros países.
Apenas para se ter uma idéia, suponhamos que em lugar de a taxa Selic estar em tôrno de 12%, ela estivesse em tôrno de 2%, como acontece em numerosos países no momento. Então, a remuneração mínima necessária daqueles 30 reais que o banco teria para emprestar, depois de efetuar o recolhimento compulsório de 70 reais ao Banco Central, seria de 2 reais, ou (2/30)x100 = 6,67%.
A diferença é, evidentemente, astronômica: enquanto a taxa Selic decresceria 10%, o juro mínimo necessário para o banco comercial decresceria 33,33%. E isso se o recolhimento compulsório fosse de 70%: se o recolhimento compulsório fosse menor, a queda dos juros para empréstimos ao público seria ainda maiór.
Dentro do quadro vigente da taxa Selic e do recolhimento compulsório, qualquer banco que pratique taxas abaixo dos níveis necessários para assegurar a cobertura de seus custos e riscos vai inevitavelmente acabar falindo, de modo que, apesar da "vontade política" do governante de plantão, não se pode esperar grande coisa enquanto o Banco Central não alterar significativamente a taxa Selic e o porcentual do depósito compulsório.
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O Professor Ricardo Bergamini tem dado, em sua página, essa explicação, que tentei "mastigar" um pouco mais acima para facilitar a compreensão. Êle também explica o mecanismo do recolhimento compulsório, de maneira bastante didática, como segue:"Quando uma pessoa deposita certa quantia de dinheiro num banco comercial, esta quantia fica disponível para que o banco a empreste a outro cliente. Este cliente, por sua vez, não gasta imediatamente todo o dinheiro tomado como empréstimo, mas deposita o valor tomado em um segundo banco. Neste ponto temos uma multiplicação da moeda, já que o primeiro depositante tem a totalidade de seu dinheiro disponível em moeda escritural (pode emitir um cheque nesse valor, ou fazer compras com cartão de débito, por exemplo) e o segundo depositante também tem a mesma quantidade disponível. Entretanto, a quantidade de moeda 'real' é apenas a quantidade que foi depositada pelo primeiro depositante."
É claro que esse mecanismo, se repetido indefinidamente, geraria uma quantidade de moeda escritural, ou meios de pagamento, muito maiór do que o valor depositado pela primeira pessoa em sua conta, e essa multiplicação do volume dos meios de pagamento em mãos do público representa um convite para que as pessoas facilitem quanto aos preços, dispondo-se a pagar cada vez mais pelos bens e serviços que precisam comprar, gerando assim um processo inflacionário.
Assim, o Banco Central "enxuga" o volume de meios de pagamento em mãos do público por meio do recolhimento compulsório para controlar a inflação. Como diz o Professor Bergamini, "O principal objetivo do depósito compulsório é evitar a multiplicação descontrolada da moeda escritural."
E por meio da taxa de juros, o Banco Central procura tornar mais ou menos atraente para as pessoas tomarem empréstimos junto aos bancos a fim de adquirirem os bens e serviços de que necessitam, funcionando as duas coisas juntas para controlar a inflação e provocar o "aquecimento" ou o "esfriamento" da economia em cada momento, conforme o caso.

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