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Monday, May 13, 2013

Reflexões sôbre doação de órgãos

Luiz A. Góes

Por ocasião do falecimento de parente próximo ainda relativamente jóvem, há umas três décadas, estive pela primeira vez em contacto mais ou menos direto com o problema de doação de órgãos, então ainda muito pouco difundida no Brasil e ainda menos discutida pela sociedade. De lá para cá as coisas vêm mudando e atualmente muita gente já ostenta na Carteira de Habilitação (a famosa "carta de motorista") a informação de serem doadores de órgãos, informação essa que será seguramente usada caso venham a sofrer acidente fatal.
É claro que a doação de órgãos representa um ato de suprema generosidade por parte do doador, esteja êle vivo ou morto, e que para o(s) receptor(es) pode representar a continuidade da vida que se encontra por um fio, ou do prolongamento da vida que se previa curta: um verdadeiro presente do céu, talvez o maiór depois da própria vida, que para os crentes provém de Deus qualquer que seja o caminho percorrido para chegar a ela.
Mas certos fatos do quotidiano em que vivemos impõem algumas reflexões, porque ao lado da generosidade dos doadores surge a ganância dos que resolvem fazer disso um meio de vida, seja simplesmente comercializando órgãos que de outra forma seriam doados gratuitamente, seja recorrendo a expedientes ainda mais criminosos para obtê-los, a ponto de essa prática destinada a salvar vidas se tornar uma séria ameaça às vidas de muitas pessoas. Os numerosos desaparecimentos de pessoas jóvens no mundo todo, mais notados em países onde o contrôle da criminalidade é mais rigoroso, está seguramente relacionado com esse comércio sórdido de órgãos que exige um fluxo mais ou menos contínuo de "doadores", embora involuntários.
Há, além disso, o grande problema do contrôle das instituições de saúde nas quais, de uma forma ou de outra, frequentemente pacientes se tornam doadores involuntários, vítimas daquela tênue linha que separa a luta constante pela vida até se esgotar a última esperança conforme o juramento de Hipócrates, e negligências voluntárias ou não que levam esses pacientes a cruzá-la sem possibilidade de volta.
Nos Estados Unidos numerosas instituições pesquizam as práticas de ética médica visando identificar exatamente esses aspectos, que sempre escapam à percepção dos leigos e talvez também à maiór parte dos que atuam nos próprios sistemas de saúde. E são numerosos os casos em que surgem dúvidas quanto ao rigor empregado no tratamento de doadores de órgãos, até mesmo casos em que pareceu ter havido uma espécie de "encomenda". Foi notável o caso de um político americano que precisava de um transplante múltiplo de órgãos e "coincidentemente" um jóvem residente em seu distrito eleitoral, portador de todos os órgãos necessários perfeitamente compatíveis com as características do tal político, foi mortalmente ferido em acidente de trânsito, salvando a vida do político que agradeceu profundamente à família enlutada. Não faltaram rumores de todos os tipos imagináveis a respeito dessa incrível "coincidência".
Parece-me que o sigilo dos dados médicos e de saúde de cada um continua sendo fundamental à proteção das pessoas contra possibilidades de virem a ser visadas como fontes de órgãos, embora isso, por si só, ainda seja insuficiente para evitar que qualquer um de nós venha a ser vítima de criminosos desse "setor".
E me parece que a doação de órgãos, embora louvável e benéfica, deva continuar a ser assunto dependente de permissões específicas a serem dadas pelos familiares imediatos dos falecidos, mesmo nos casos em que êstes tenham manifestado em vida o desejo de doar seus órgãos. Fazer constar na Carteira de Habilitação, ou de qualquer outra forma pública, que uma pessoa é doadora é uma verdadeira temeridade porque pode colocar a vida da pessoa em risco sem qualquer necessidade. E tornar a doação de órgãos obrigatória, como andam dizendo certos legisladores inconsequentes, uma idéia simplesmente absurda.

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