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Wednesday, July 18, 2012

Reflexões sôbre Tiradentes

Luiz A. Góes

No dia 21 de abril, em que se comemora o grande herói nacional José Joaquim da Silva Xavier, conhecido por Tiradentes, recebi pela internet um artigo tendo como título “Heroísmo de Tiradentes teria sido mero golpe de marketing praticado por membros da maçonaria e líderes da Inconfidência Mineira?”, que reproduzo a seguir para poder melhor comentá-lo:

“Guilhobel Aurélio Camargo/Gazeta de Novo - Ele estava muito bem vivo, um ano depois, em Paris. O feriado de 21 de abril é fruto de uma história fabricada que criou Tiradentes como bode expiatório, que levaria a culpa pelo movimento da Inconfidência Mineira. Quem morreu no lugar dele foi um ladrão chamado Isidro Gouveia.
 A mentira que criou o feriado de 21 de abril é:  Tiradentes foi sentenciado à morte e foi enforcado no dia 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, no local chamado Campo da Lampadosa, que hoje é conhecido como a Praça Tiradentes. Com a Proclamação da República, precisava ser criada uma nova identidade nacional. Pensou-se em eternizar Marechal Deodoro, mas o escolhido foi Tiradentes. Ele era de Minas Gerais, estado que tinha na época a maior força republicana e era um polo comercial muito forte. Jogaram ao povo uma imagem de Tiradentes parecida com a de Cristo e era o que bastava: um “Cristo da Multidão”. Transformaram-no em herói nacional cuja figura e história “construída” agradava tanto à elite quanto ao povo.
A vida dele em poucas palavras: Tiradentes nasceu em 1746 na Fazenda do Pombal, entre São José e São João Del Rei (MG). Era filho de um pequeno fazendeiro. Ficou órfão de mãe aos nove anos e perdeu o pai aos 11. Não chegou a concluir o curso primário. Foi morar com seu padrinho, Sebastião Ferreira Dantas, um cirurgião que lhe deu ensinamentos de Medicina e Odontologia. Ainda jovem, ficou conhecido pela habilidade com que arrancava os dentes estragados das pessoas. Daí veio o apelido de Tira-dentes. Em 1780, tornou-se um soldado e, um ano à frente, foi promovido a alferes. Nesta mesma época, envolveu-se na Inconfidência Mineira contra a Coroa portuguesa, que explorava o ouro encontrado em Minas Gerais. Tiradentes foi iniciado na maçonaria pelo poeta e juiz Cruz e Silva, amigo de vários inconfidentes. Tiradentes teria salvado a vida de Cruz e Silva, não se sabe em que circunstâncias.
Tiradentes, maçonaria e a Inconfidência Mineira: Como era um simples alferes (patente igual à de tenente), não lideraria coronéis, brigadeiros, padres e desembargadores, que eram os verdadeiros líderes do movimento. Semi-alfabetizado, é muito provável que nunca esteve plenamente a par dos planos e objetivos do movimento. Em todos os movimentos libertários acontecidos no Brasil, durante os  séculos XVIII e XIX, era comum o "dedo da maçonaria". E Tiradentes foi maçom, mas estava longe de acompanhar os maçons envolvidos na Inconfidência, porque esses eram cultos, e em sua grande parte, estudantes que haviam recentemente regressado "formados” da cidade de Coimbra, em Portugal. Uma das evidências documentais da participação da Maçonaria são as cartas de denúncia existentes nos autos da Devassa, informando que maçons estavam envolvidos nos conluios.
Os maçons brasileiros foram encorajados na tentativa de libertação, pela história dos Estados Unidos da América, onde saíram  vitoriosos - mesmo em luta desigual - os maçons norte-americanos George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. Também é possivel comprovar a participação da Maçonaria na Inconfidência Mineira, sob o pavilhão e o dístico maçônico do “Libertas quae sera tamen”, que adorna o triângulo perfeito, com este fragmento de Virgílio (Éclogas,I,27). Tiradentes era um dos poucos inconfidentes que não tinha família. Tinha apenas uma filha ilegítima e traçava planos para casar-se com a sobrinha de um padre chamado Rolim, por motivos econômicos. Ele era, então, de todo o grupo, aquele considerado como uma “codorna no chão”, o mais frágil dos inconfidentes. Sem família e sem dinheiro, querendo abocanhar as riquezas do padre. Era o de menor preparo cultural e poucos amigos. Portanto, a melhor escolha para desempenhar o papel de um bode expiatório que livraria da morte os verdadeiros chefes.
E foi assim que foi armada a traição, em 15 de março de 1789, com o Silvério dos Reis indo ao Palácio do governador e denunciando o Tiradentes. Ele foi preso no Rio de Janeiro, na Cadeia Velha, e seu julgamento prolongou-se por dois anos. Durante todo o processo, ele admitiu voluntariamente ser o líder do movimento, porque tinha a promessa que  livrariam a sua cabeça na hipótese de uma condenação por pena de morte. Em 21 de abril de 1792, com ajuda de companheiros da maçonaria, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia. O ladrão havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida a ele pela maçonaria. Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas que presenciaram a sua morte se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos. No livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa ("Narrativa da Perseguição") é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro "Contribuindo", de 1921: "Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito..." O corpo do ladrão Gouveia foi esquartejado e os pedaços espalhados pela estrada até Vila Rica (MG), cidade onde o movimento se desenvolveu. A cabeça não foi encontrada, uma vez que sumiram com ela para não ser descoberta a farsa. Os demais inconfidentes foram condenados ao exílio ou absolvidos.
A descoberta da farsa: Há 41 anos (1969), o historiador carioca Marcos Correa estava em Lisboa quando viu fotocópias de uma lista de presença na galeria da Assembleia Nacional francesa de 1793. Correa pesquisava sobre José Bonifácio de Andrada e Silva e acabou encontrando a assinatura que era o objeto de suas pesquisas. Próximo à assinatura de José Bonifácio, também aparecia a de um certo Antônio Xavier da Silva. Correa era funcionário do Banco do Brasil, se formara em grafotécnica e, por um acaso do destino, havia estudado muito a assinatura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Concluiu que as semelhanças eram impressionantes. Tiradentes teria embarcado incógnito, com a ajuda dos irmãos maçons, na nau Golfinho, em agosto de 1792, com destino a Lisboa. Junto com Tiradentes seguiu sua namorada, conhecida como Perpétua Mineira e os  filhos do ladrão morto Isidro Gouveia. Em uma carta que foi encontrada na Torre do Tombo, em Lisboa, existe a narração do autor, desembargador Simão Sardinha, na qual diz ter-se encontrado, na Rua do Ouro, em dezembro no ano de 1792, com alguém muito parecido com Tiradentes, a quem conhecera no Brasil, e que ao reconhecê-lo saiu correndo. Há relatos que 14 anos depois, em 1806, Tiradentes teria voltado ao Brasil quando abriu uma botica na casa da namorada Perpétua Mineira, na rua dos Latoeiros (hoje Gonçalves Dias) e que morreu em 1818. Em 1822, Tiradentes foi reconhecido como mártir da Inconfidência Mineira e, em 1865, proclamado Patrono Cívico da nação brasileira.”

Meu ponto de vista a respeito dessa versão é o que exponho a seguir.
Há, ao longo da história, muitos casos de "trocas" como o relatado nesse texto, - que pode ser mera hipótese, embora bem plausível.
A Inconfidência Mineira foi causada, como se sabe, pelo fato de que ricaços mineiros não queriam pagar os impostos atrasados. Foi nessa época que se criou a expressão "quinto dos infernos" para designar o "quinto", ou seja, os 20% devidos à coroa portuguesa. (Hoje, pagamos a um govêrno incompetente não apenas um, mas dois quintos, e estamos sendo incapazes de reagir.)
Os conspiradores seguramente pensaram em uma saída caso as coisas dessem errado, e essa "saída" pode bem ter sido entregar a cabeça do mais inexpressivo, do mais iletrado, do menos inteligente, e do mais pobre do grupo em troca de sentenças mais leves para os demais. Já li outras coisas a esse respeito, e não acho essa hipótese totalmente absurda, mesmo porque vemos esse tipo de coisa acontecer constantemente, inclusive nos nossos dias e bem diante de nossos olhos e debaixo de nossos narizes.
Não se deve esquecer de mencionar que Tiradentes talvez tenha sido, dentre os inconfidentes, o único que pensava em têrmos de independência, porque nada tinha a ganhar financeiramente, e era suficientemente inocente para não perceber os reais objetivos de seus comparsas, além de inocentemente ficar falando no assunto e fazendo propaganda da causa sem se preocupar com o que poderia lhe acontecer. Quer dizer: mesmo por vias tortas, considerá-lo um herói da independência faz-lhe justiça.
São numerosos, por outro lado, os casos registrados de maçons beneficiados pela intercessão da maçonaria quando se viram em dificuldades. Houve casos, inclusive, de invasores estrangeiros serem bem tratados por serem maçons, conforme relatos deixados pelos próprios invasores aprisionados.
Assim, a possibilidade de Tiradentes ter sido poupado não é implausível, embora seja um tanto difícil acreditar que tenha ficado livre para viajar a outros países.
De qualquer forma, Tiradentes era, provavelmente, totalmente inexpressivo ou insignificante na época, sendo duvidosa a hipótese de que tenha sido erigido em herói para agradar a quem quer que seja naquele tempo, já que o movimento era em realidade uma revolta de ricaços para não pagar impostos e nada significava para a grande maioria da população. O enforcamento de uma pessoa, e seu esquartejamento, tiveram o evidente objetivo, por parte da corôa portuguesa, de desencorajar quaisquer outros movimentos de rebeldia que pudessem surgir, mas nada mais do que isso, sendo altamente provável que nem tenha tido por objetivo reprimir um movimento visando a independência. Aliás, foi só com a proclamação da república que Tiradentes passou a ser lembrado, o que mostra que de qualquer maneira ficou esquecido até então. (O mesmo aconteceu com Colombo, que era totalmente desconhecido até a independência dos EUA: os americanos queriam, após a independência, criar a figura de um fundador que não fosse inglês, e seus historiadores foram então "pescar" a figura de Colombo, que só a partir daí começou a ser reverenciado.)
O tema é demasiado interessante e daria para se ficar aqui tecendo considerações por bom tempo, mas espero ter resumido, com meus parcos conhecimentos, alguns pontos que considero pertinentes no momento. Sugiro ler a história mais detalhada de Tiradentes, por exemplo, na Wikipedia ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Tiradentes ).


Em tempo: o reconhecimento de Tiradentes como herói nacional, contrariamente ao informado no artigo transcrito no início destas reflexões, não ocorreu até a proclamação da república. De fato, os dois imperadores do Brasil eram descendentes dos mesmos monarcas sob os quais Tiradentes foi sacrificado, e não teriam qualquer interêsse ou motivo para reabilitá-lo. Além disso, a história informa que Tiradentes era republicano, razão fortíssima para deixá-lo esquecido enquanto o Brasil teve a monarquia como forma de govêrno.

Segundo "em tempo": artigo recentemente (em fim de abril/início de maio) publicado em importante e conhecida revista informa que, segundo os originais dos autos da devassa, hoje aos cuidados da UNESCO, Tiradentes não teria sido o homem pobre e ingênuo que a história do Brasil oficial retrata. Os registros informam que teria sido proprietário de grande fazenda e detentor de várias concessões de lavras em Minas Gerais, entre outros bens. E concluiu o artigo que Tiradentes teria sido condenado à fôrca por ter sido o único a confessar o crime, enquanto todos os demais inconfidentes o negaram. Essa versão deixa muitas dúvidas, a começar pela indagação de por quê um homem rico seria alferes, - posto equivalente ao do atual segundo tenente, - seguramente mal remunerado no Exército daquela época. Não teria o govêrno da corôa falseado as informações para justificar o justiçamento sem parecer que estavam apenas usando um bode expiatório para servir de exemplo a fim de desencorajar outros episódios semelhantes?

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