Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Wednesday, March 13, 2013

O Calendário Cristão

Luiz A. Góes

Sentado numa sala de espera há alguns anos, li casualmente um artigo numa revista que lá estava e que achei extremamente interessante. Terminava de ler o tal artigo quando "chegou a minha vez", como se costumava dizer antigamente, e larguei a revista para ir fazer o que tinha ido fazer ali. Ao sair, lembrei-me do artigo e tentei encontrar a tal revista de novo, mas não consegui. Fiquei com aquilo na cabeça, e tempos depois resolvi garimpar na internet para ver se existia alguma coisa a respeito do assunto. Espantei-me, porque o que encontrei daria para encher uma biblioteca inteira.
O artigo falava sôbre a Estrela de Belém, que o articulista dizia tratar-se de um cometa, dadas as suas características. Segundo o artigo, um cometa semelhante teria surgido no século XIX na região de Paris, tendo ficado visível por cêrca de um mês, coincidentemente o tempo aproximado da visibilidade da Estrela de Belém, segundo o relato bíblico. E contava que estudos astronômicos revelaram ter o referido cometa aparecido antes por volta do ano 5 A.C., com previsão para sua próxima aparição e outros detalhes de que não me lembro.
A rápida garimpada que fiz revelou-me que a Estrela de Belém, - como eu devia, aliás, ter previsto, - é um dos astros mais pesquisados pelos astrônomos, talvez nem tanto pela sua importância astronômica mas sim pela sua importância histórica e religiosa para o Cristianismo. As hipóteses para a explicação astronômica da Estrela de Belém são numerosas: conjunções de estrelas ou de planetas, explosões de estrelas, surgimento de novas estrelas, aparecimento de cometas, etc, etc, fenômenos realmente ocorridos mas que, por coincidência, devem ter todos ocorrido, segundo os astrônomes, no período de 6 A.C. a 4 A.C..
Minha curiosidade a respeito do assunto aumentou sobremaneira, evidentemente, tendo em conta que o ano do nascimento de Cristo foi o escolhido como ano inicial de nosso atual Calendário Gregoriano. Segundo a Bíblia, os chamados Reis Magos, que não eram realmente reis, e sim astrólogos, ou seja, os astrônomos da época, teriam visto a Estrela de Belém e se posto a caminho através do deserto por cêrca de um mês para chegarem a Belém poucos dias depois do nascimento de Cristo. Quer dizer: a viagem teria começado umas três semanas antes do nascimento, coisa de que geralmente não nos damos conta. E a Bíblia sugere que o rei Herodes, a quem os Reis Magos se dirigiram para pedir informações, não via a Estrela de Belém, tanto que demonstrou surpresa e pediu que os visitantes viessem informá-lo caso realmente encontrassem o personagem que diziam viria a ser o "rei dos judeus". Segundo o relato bíblico, a Estrela de Belém teria desaparecido do céu naquela ocasião, mas voltou a brilhar quando os Magos se puseram de novo a caminho, o que pode nos fazer pensar não ter tido ela existência física, e sim tratar-se de visão milagrosa, o que explicaria aos cristãos a aparente ausência de um nexo com qualquer das explicações astronômicas formuladas pelos diversos estudos, dada a falta de coincidência de datas.
Mas o ano do nascimento de Jesus é, de qualquer maneira, demasiado importante, e por isso vale a pena darmos uma olhada nas datas históricas conhecidas para se ter uma idéia melhor sôbre essa questão.
A história registra, por exemplo, que Poncio Pilatos foi prefeito da Judéia, à época uma província romana, de 26 D.C. a 36 D.C., e consta que Cristo morreu crucificado com a idade de 33 anos após sentença ratificada por Pilatos. Isso teria acontecido, portanto, no ano 33 D.C., bem dentro do período que a história registra como tendo sido o mandato de Pilatos na Judéia.
A Ressurreição de Cristo, tanto quanto entendo, sempre foi o episódio mais importante do Cristianismo, de modo que a data da morte e Ressurreição, esta ocorrida no terceiro dia após a crucificação, sempre foi a mais importante para os cristãos, pouca preocupação havendo, por longo tempo, para com a data do nascimento de Cristo.
Convém observar, aliás, que o Calendário Juliano, criado no ano 46 A.C., não tinha como ano inicial o do nascimento de Cristo, e isso continuou assim por vários séculos. A correta determinação da data da Páscoa, em que ocorreu a Ressurreição, por outro lado, era sempre cercada de problemas devido à instabilidade do Calendário Juliano e à falta de informações históricas mais precisas. O Calendário Juliano sofria frequentes alterações devidas a intervenções dos imperadores romanos, algumas pertinentes e outras por mero capricho ou cultivo dos respectivos egos.
Assim, no ano 532 D.C. (segundo o nosso atual Calendário Gregoriano, criado em 1582) transcorria o ano 238 da era Diocleciana, porque o imperador Diocleciano tinha emitido um decreto estabelecendo novo início da contagem dos anos no Calendário Juliano durante o seu reinado.
Naquele ano de 532 D.C. o então Papa João I convocou um monge de origem russa chamado Dyonisius Exiguus e o encarregou de levar a efeito estudos acurados para determinar as datas corretas para a Páscoa nos anos 527 a 626 D.C.. Dyonisius Exiguus, além de cumprir a tarefa que recebera, sugeriu que a contagem dos anos tivesse início no ano do nascimento de Cristo, então tida como tendo ocorrido havia 532 anos, e por meio de diversos raciocínios que não mencionarei aqui para não me alongar demais, que o dia do nascimento de Cristo devia ser 25 de dezembro. Essa data era muito conveniente porque já era, por muitos séculos, a data de uma festa romana em que as pessoas trocavam presentes.
Assim, o início da era Cristã ficou sendo, por adoção ou convenção, 359 dias antes daquele que Dionysius presumiu ser o dia do nascimento de Cristo.
Isso estaria muito bem, - mesmo porque seria totalmente impossível saber-se a data exata do nascimento de Cristo, - não fosse o fato de que historicamente o rei Herodes Antipas, ou Herodes, O Grande, da Judéia, morreu no ano 4 A.C.. Esse rei Herodes é aquele que, segundo o relato bíblico, recebeu os Reis Magos e pediu a êles que viessem avisá-lo caso realmente encontrassem o recém-nascido rei dos judeus que procuravam, e o mesmo que, não tendo recebido qualquer informação nova depois disso, mandou matar todas as crianças de até dois anos de idade, - o que causou a fuga da Sagrada Família para o Egito.
Ainda segundo a Bíblia, Herodes morreu dois anos após o nascimento de Cristo, o que coloca a data, ou pelo menos o ano do nascimento de Cristo em 6 A.C., coincidindo mais ou menos bem com as datas das ocorrências astronômicas acima citadas e passíveis de explicarem o fenômeno e a natureza da Estrela de Belém.
Constam duas versões para a escolha do ano feita por Dyonisius Exiguus: segundo uma delas, teria êle partido de informação do historiador romano Hipólito segundo a qual Cristo teria nascido 732 anos após a fundação de Roma. A outra versão diz que Dyonisius Exiguus teria tomado, de dados mais recentes para mais antigos, as durações dos reinados de papas e de imperadores romanos para contar os anos desde a data do nascimento de Cristo ocorrida durante o reinado do imperador César Augusto.
Essa segunda versão talvez seja a mais verdadeira e pode conter a explicação mais plausível para as discrepâncias observadas: o imperador César Augusto passou a usar esse nome desde que recebeu do Senado romano o título honorífico de Augusto (que não era nome, e sim título), abandonando seu nome original, Otávio. Sobrinho-neto de Julio César, foi por êste último feito seu herdeiro e filho adotivo em testamento, passando a se chamar Otávio César. Depois de campanhas militares bem sucedidas, Otávio César tornou-se imperador, e reinou por 5 ou 6 anos com esse nome, antes de adotar o nome de César Augusto.
Na contagem feita por Dyonisius Exiguus, esses 5 ou 6 anos iniciais de Augusto teriam passado despercebidos, daí se originando o êrro.
De qualquer maneira, essas considerações parecem informar-nos de que:
a) o Calendário Juliano passou a ser um Calendário Cristão no ano 532 D.C., quando a contagem dos anos passou a ser feita tendo o presumido ano do nascimento de Cristo como o ano inicial da contagem dos anos; e
b) Cristo deve ter realmente nascido 5 ou 6 anos antes do ano que se considera atualmente como o ano 1 da era Cristã. Como deve realmente ter sido crucificado por volta do ano 33 D.C., deve ter morrido, e em seguida ressuscitado, com cêrca de 38 ou 39 anos, e não 33 anos.
A literatura existente a respeito de Dyonisius Exiguus é algo ampla, e as comparações de datas históricas também: tentei resumir acima apenas alguns pontos essenciais, mas os interessados poderão aprofundar-se no assunto e, quem sabe, melhorar em muito minhas conclusões. Segundo elas, entretanto, acho que posso, por enquanto, concluir que o início da contagem dos anos de nosso calendário contém um êrro insanável da ordem de 5 a 6 anos.

2 Comments:

  • At Wed Mar 13, 03:50:00 PM EDT, Anonymous Flavio Musa said…

    É incrível seu conhecimento de História e sua determinação ao perseguir algum assunto!
    Fico besta de admiração!
    E... Feliz da vida por você tirar 5 ou 6 anos de minha idade... rs
    Parabéns e obrigado.

     
  • At Fri Mar 15, 08:17:00 AM EDT, Blogger clau goes said…

    Papi,

    gostei da aula de historia e tb do comentario do Flavio que sou 5 ou 6 anos mais jovem. OBA!

     

Post a Comment

<< Home