Observador Isento (Unbiased Observer)

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Monday, January 08, 2007

Nomes

Luiz A. Góes
Trabalhando por muitos anos em indústria e em consultoria Brasil afora, colecionei ao longo dos anos muitos nomes de pessoas bastante curiosos, engraçados, alguns com histórias, outros com explicação, outros sem história nem explicação. Há anos li um artigo que falava de nomes curiosos no Brasil, dos quais o mais intrigante foi o de um tal de Prodoamor de Marichá e Marimé.
Certamente vocês já ouviram falar de nomes que parecem piadas, como o de um tal de Um Dois Três de Oliveira Quatro, ou dos filhos daquele sujeito que batizou os filhos com nomes em órdem alfabética: Anrique, Bicente, Cebastião…
Meu pai contava a história de um sujeito que enricou lá na região de Boca do Acre, cidadezinha do Amazonas próxima à fronteira com o Acre, que tinha conhecido quando menino. O tal sujeito se chamava Alexandre Oliveira Lima, e era um analfabeto extremamente inteligente e metido a fazer discursos. Talvez achasse que o fato de ter ficado rico lhe dava esse direito. Um belo dia fez uma viajem à Europa, e ajeitou para arranjar um título de nobreza, ou pelo menos voltou de lá dizendo que tinha se tornado barão. Daí por diante, começava seus discursos assim: "Eu me assino com três ele: Lixandre Liveira Lima, barão de Boca do Acre…"
Parece que certos nomes são mesmo fadados a ficarem conhecidos como nomes ridículos, ou malditos. Adamastor, por exemplo, é um deles: sempre que querem caracterizar um aloprado, ou um retardado, ou um levado da breca, usam esse nome.
Outros são apenas nomes infelizes. Conheci uns tantos Hitlers, e uns tantos Stalins. Onde trabalhei alguns anos havia um Stalin que foi-não-foi ia em cana: no dia seguinte êle reaparecia, depois de provar que não era o Stalin que estavam procurando, que aquele era o pai dele, militante comunista durante os govêrnos militares. Mas esses nomes não chegam a ser curiosos como tantos outros que andei vendo, principalmente lá pelo norte e nordeste: Loredano, Edileuza, Heraclides (pronunciado éra-clides), Cosmo, … Conheci um "Éra-clides" lá em Fortaleza: ninguém pronunciava o nome dele de outro jeito.
O nome "Éra-clides" me faz lembrar um caso envolvendo um sujeito que conheci ainda rapazola e que depois veio a ficar muito conhecido: era um sujeito debochado como o diabo, que morava na última casa de uma vila de casas dessas que tem um corredor em linha reta para o qual dão todas as portas. Aquele camarada entrava e saía fazendo uma algazarra danada e mexendo com toda a vizinhança. Na penúltima casa morava uma colega de minha irmã mais velha, de modo que íamos lá de vez em quando para as festinhas que faziam. O nome dela eu não me lembro, mas me lembro do nome de uma amiga dela que estava sempre lá também, criatura desfavorecida pela natureza mas diziam que bem dotada pela fortuna. A colega de minha irmã era uma garota despachada, que falava alto e dava boas rizadas daquelas esparramadas. Foi-não-foi chamava alguém pelo nome no meio do papo geral, daquele jeito que conhecemos: "ô fulana!", bem gritado, que ninguém podia ignorar. Como a tal amiga passava muito tempo na casa dela, era o nome mais ouvido: "ô Clides!", porque o nome dela era Clides.
Pois o vizinho debochado começou a imitar: a toda hora passava em frente à casa da colega de minha irmã gritando: "ô Clides!!!… fala prá mãe isso, fala prá mãe aquilo…"
E o moço debochado virou cômico de rádio, e depois de televisão, sempre gritando pelo menos uma vez em suas aparições: "ô Clides!!!… fala prá mãe isso ou aquilo…" Era o Ronald Golias: nunca explicou a origem do nome que chamava naquelas tiradas inexplicáveis, que o público pensava ser Euclides.
Na COSIPA colecionávamos os nomes de novos empregados que apareciam num tal de Boletim Diário que havia lá: era hilariante, ou chocante, conforme o caso. Um dia apareceu um sujeito com o nome de Pretestato: o pai dele tinha que ter estado arranjando algum pretexto para gerá-lo, talvez. Sugerimos aquele nome para o filho de um colega que ia nascer, e quase apanhamos, apesar de o colega ser de boa paz.
Em certos casos são as circunstâncias que fazem os nomes engraçados, ou com duplo significado. Tive um colega engenheiro que ficou encarregado da topografia durante a construção da usina da COSIPA. O nome dele era Patrício, e êle tinha como ajudante um japonês chamado Kira, que falava um pouco arrevezado mas era falante à bessa, enquanto que o Patrício era bastante discreto. O Patrício era alto, bem encorpado e moreno, e o Kira era baixinho e magrinho.
Toda vez que aparecia alguém na sala deles, o Kira, falante como o quê, saltava da cadeira, cumprimentava o visitante, e em seguida dizia: "Apresento o Patrício…". Não havia visitante que não ficasse espantado, porque custava a perceber que Patrício era o nome do Patrício, e não que êle era patrício do Kira.
Um outro colega chamava-se Gerogildo. Êle era lá de Minas Gerais, não me lembro a cidade, e um dia disse que estava saindo de férias porque ia se casar lá na cidade dele, onde sua noiva o esperava.
Lá para as tantas volta o Gerogildo com a esposa, que se chamava Onofrina... Essa dupla bateu o récord de nomes esquisitos, embora mais do que compensasse isso com sua enorme simpatia.
Mas o melhor ainda estava por vir. Um dia organizamos um daqueles jantares que grupos de colegas residentes em Santos naquela época costumava fazer. Uma das esposas mais antigas começou a apresentar a Onofrina às demais, e pelas caras que faziam dava para ver que o nome estava causando bastante espanto. Mas a Onofrina não se dava por achada, e até revelou que tinha ido ao ginecologista, porque tinha ficado grávida. E o ginecologista também tinha feito uma cara de dar medo quando ela disse o seu nome, o que a fez comentar, meio sem jeito, que era de uma região de Minas onde costumavam inventar nomes, - ao que o ginecologista, muito gentil, tentou consertar, dizendo que aquilo não significava nada: o piór seria chamar-se Sebastiana. "Pois eu me chamo Onofrina Sebastiana", respondeu a Onofrina. A cara do ginecologista não caiu porque àquela altura êle já estava com a máscara amarrada para examiná-la.
No sul, onde passava parte do ano quando menino, conheci numerosos nomes engraçados pelas suas conotações: um vizinho de meu avô, de origem alemã, chamava-se André Muller, com trema no u. Mas todo mundo o chamava de André Mula.
Houve por lá um caso de uma moçoila chamada Gema que começou a namorar um rapaz, talvez descendente de polacos, cujo nome era Hay, - que pronunciavam "ai". A cidade inteira comentava que o namoro era assim: "Gema!" "Ai!" "Gema!" "Ai!"…
Meu sogro, que era português, contou-me um dos casos mais curiosos de nomes "esquisitos": êle disse que nunca ficou sabendo o nome do sacristão da igreja que frequentava em Portugal, porque o rapaz sempre foi conhecido como "Filho do Prior", alcunha pela qual respondia sem rodeios.
Numa das usinas em que trabalhei havia um velhinho que servia café para o pessoal. Todo mundo o chamava de "Papai", e eu comecei a chamá-lo de "Papai" também, já que não fazia mal e era carinhoso para com o bom homem. Certo dia, não sei a propósito de quê, vi o nome dele escrito num papél: o sobrenome dele era Papai mesmo, de descendência húngara ou coisa que o valha.
Na mesma usina havia um mestre de forno que era o maiór boca-suja que já vi. Desbocado como o diabo. De cada três palavras que pronunciava, pelo menos duas eram palavrões. Era conhecido como "Malícia", o que me pareceu bem posto dado que fazia o ambiente ficar impróprio para menores e pessoas de fino trato o tempo todo.
Um dia incumbiram-me de supervisionar a operação daquele forno e efetuar os cálculos de cargas, etc, etc. Convencer um mestre daqueles antigos a mudar alguma coisa sempre foi parada dura, e um dia fiquei tremendo de medo porque tinha que "dobrar" o "Malícia" quanto a uma coisa que êle costumava fazer e que estava errada. Lá fui eu, pensando com meus botões: "E se êle me responder com palavrões???…" De repente me dei conta de que não sabia o nome dele, mas aí já era tarde, porque eu estava quase cara a cara com êle, êle já tinha me visto e se voltado para mim, e assim fui em frente: "Seu Malícia…" "Senhor?!" respondeu êle, embora eu fosse um jóvem engenheiro recém saído dos cueiros da faculdade e êle fosse macaco velho do ofício. Aquela resposta me surpreendeu mas também me animou, e acabei me entendendo bem com êle, que se revelou muito mais inteligente e maleável do que eu esperava. Também no caso do "Malícia" acabei descobrindo que era o nome de família dele mesmo, pelo qual era conhecido.
Anos mais tarde, depois de mais de dez anos trabalhando na usina, a COSIPA resolveu me transferir para uma função no escritório de São Paulo de uma hora para outra. Junto comigo ia uma parte da equipe com a qual trabalhava na usina, de modo que para resolver o problema no curto prazo contratamos duas peruas daquelas grandes, que nos apanhavam de manhã em Santos e nos traziam de volta no final do dia. Havia algumas secretárias que faziam parte do grupo, geralmente viajando juntas numa das peruas com alguns dos rapazes, e eu me ajeitava na outra com o resto da patota.
O motorista da perua das meninas era um baixinho magrinho que devia ter uns 40 anos ou mais, mas era chamado por todos de Pedrinho. Um dia o vidro do pára-briza da perua das meninas estilhaçou-se no momento em que começávamos a descer a serra, por volta das seis e meia da tarde. O Pedrinho mostrou-se experiente e cheio de expediente, porque acabou de abrir o vidro com um soco a fim de poder enxergar e conduzir a perua ao acostamento. Paramos logo atrás e descemos para ver o quê tinha acontecido, e diante do quadro deliberei imediatamente que as meninas e mais tantos rapazes quantos desse passariam para a nossa perua, porque o tempo estava chuvoso e quem fosse na perua acidentada ficaria enxarcado. Eu, como chefe, fui logo dizendo que ficaria na perua acidentada com o "seu" Pedro… mas o dito cujo me interrompeu e disse: "O meu nome é Pedrinho…"
Daria para ficar falando a vida inteira de nomes curiosos ou engraçados. Quando menino, um de meus amigos de quarteirão era conhecido como Irineu. Quando tivemos que escrever os nomes num pedaço de papél, não sei por quê cargas d’água, êle escreveu Rineu. Eu já ia corrigindo, mas êle me interrompeu dizendo que o nome dele era Rineu mesmo: o pai dele era italiano e tinha pronunciado Rineu quando foi registrá-lo, e Rineu ficou.
Lembro-me ainda de um caso, talvez apenas estória, daquele sujeito que lá pelo início do regime republicano, no início do século, foi votar e, como o voto era aberto e as listas de votação escritas a mão, o mesário chamou: "Quinhento Réis de Bosta!" Todo mundo riu, mas o sujeito se apresentou sem rir, o que obrigou o mesário a perguntar: "O seu nome é esse mesmo?"
"Não, disse êle: é Quintino Reis da Costa, mas toda vez que escrevem o meu nome o pessoal confunde, já estou acostumado…"
Quem sabe algum dia as pessoas não irão rir dos nomes que usamos hoje, não é mesmo? Ainda bem que existe o recurso de adotar pseudônimos, de não assinar algum nome que possa causar embaraços, ou até mesmo de trocar de nome, como fez o ilustre presidente Sarney, não é verdade? (Quem quizer saber como foi, pode perguntar que eu explicarei.)
Ah! Ia me esquecendo de dizer que li o nome do Prodoamor numa revista há várias décadas. O autor do artigo falava exatamente de nomes curiosos e mencionou o caso de um sujeito chamado Mariano das Chagas que se casou com uma mulher chamada Maria Amélia. Quando nasceu o primeiro filho, sapecou-lhe o nome de Prodoamor de Marichá e Marimé, que significava "produto do amor de Mariano das Chagas e Maria Amélia". Deve ter sido muito antigamente, porque atualmente parece que é obrigatório constar o sobrenome do pai ou da mãe nos nomes dos filhos.
Mas um português que conheci se chamava Manoel Franciscano de Assis Cintra. O pai dele se chamava qualquer coisa como Antonio de Oliveira, e a mão algo como Maria dos Santos. Quanto constatei aquilo, perguntei porquê, tendo um nome tão longo, não portava os sobrenomes do pai ou da mãe. Êle explicou que Manoel era o nome dele; Franciscano porque sua mãe era muito devota de São Francisco; de Assis porque o pai dele tinha nascido em Assis; e Cintra porque êle tinha nascido em Cintra. O nome não era engraçado, mas a explicação sim.

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