Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Monday, October 30, 2006

Paralelismo histórico

Luiz A. Góes
Nas últimas semanas da campanha eleitoral vimos o Lula instigando os ânimos dos nortistas e nordestinos contra os sulistas, quando dizia que a "elite burguesa" da Avenida Paulista "odeia o nordeste", ou "odeia o norte", dependendo de onde estava em cada momento. A imprensa comentou bastante o assunto, inclusive publicando mapas muito ilustrativos da "divisão" que estava se estabelecendo no país, ao mesmo tempo que fazia ilações de outro tipo, qual seja a divisão do país entre os abastados e os miseráveis, os instruídos e os ignorantes, e por aí vai.
Não pude deixar de pensar no mal que esse tipo de coisa provoca a longo prazo, inclusive porque sentimentos separatistas já existiram e são facilmente despertáveis, mas justamente por parte dos estados do sul que, se resolverem juntar-se e consumar essa separação, seguramente não encontrarão resistência por parte do resto, mesmo porque detêm a maiór parte da população e dos recursos.
Comecei a me lembrar, nessa análise, da história da Guerra de Secessão americana, que teve alguns aspectos semelhantes aos agora como que inventados pelo Lula, nesse "anti-paulistismo" que inventou para tirar votos de seu oponente.
Nas escolas aprende-se que a Guerra de Secessão foi causada pela escravatura nos Estados Unidos, mas isso é um enorme engano, uma forma romântica de justificar uma guerra que ceifou milhares e milhares de vidas. Em realidade, a guerra começou quando os chamados "estados do sul" declararam que queriam separar-se da chamada União (secessão quer dizer separação).
O direito de secessão estava no conjunto de direitos originais dos Estados Unidos, porque cada Estado (ou Colônia, como eram originalmente chamados) tinha o direito de livremente aderir à União ou de dela se separar.
Lincoln, que era proveniente de um estado do norte, o Illinois, tinha sido eleito presidente e viu imediatamente que aquilo reduziria o país a, na melhor das hipóteses, dois países pequenos e inexpressivos, mas os habitantes dos estados do sul queriam preservar a boa vida que levavam.
O sul dos Estados Unidos naquela época era mais rico do que o norte: tinha melhor clima, e a economia baseada na agricultura com uso de mão-de-obra escrava ia de vento em popa.
O norte, com clima bem menos favorável, vinha se industrializando, dando preferência a atividades que dependessem menos do clima, e com isso ia deixando de se interessar pela mão-de-obra escrava, que era não qualificada ou muito pouco qualificada, e preferindo importar imigrantes europeus, com suas habilidades e tradições para desenvolver os empreendimentos industriais.
Os sulistas, vendo Lincoln ser eleito e o norte se enchendo de imigrantes, cujos filhos seriam cidadãos americanos em no máximo uma geração, por isso mesmo com direito a voto, ficaram preocupados com a possibilidade de virem a ser governados permanentemente pelo norte, onde estaria sempre a maioria dos eleitores, já que no sul a maioria da população era escrava e jamais votaria. Assim, sendo mais ricos e desejando não correr o risco de serem governados pelo norte, declararam-se separados da União.
Em alguns estados do norte a escravidão nem mais existia, mas prevalecia a regra de devolução sistemática de escravos fugidos para seus estados de origem sempre que apanhados em outros estados. E essa regra continuou valendo até mais de metade da Guerra de Secessão, quando o sul estava com a guerra praticamente ganha e em vias de ser reconhecido como um novo país pelas principais potências da época.
Foi então que Lincoln teve a idéia de atacar o sul pelo lado econômico, tirando-lhe todos os meios de produção que fosse possível para enfraquecê-lo com a maiór rapidez possível. Entre as medidas adotadas surgiu a política de destruir tudo o que fosse encontrado em regiões sulistas sempre que o exército do norte estivesse nelas, como as lavouras, os instrumentos e maquinário agrícola, além de um bloqueio naval (o norte começou a produzir muitos navios de guerra e até inventou o submarino nessa época), tirando do sul a capacidade de vender livremente seus produtos na Europa, etc, e logo surgiu a idéia de minar o instrumento sulista mais precioso: a mão-de-obra. Assim foi que Lincoln expediu a tal Declaração, a qual extinguiu a obrigatoriedade de devolver escravos fugidos e na prática veio a tornar desejo unânime dos nortistas acabar com a escravidão no sul para acabar com a guerra mais rapidamente. A inexistência de represália contra fugas nos estados dominados pelo norte provocou uma enxurrada de fugas de escravos do sul que realmente começou a atrapalhar profundamente a economia sulista e acabou dando ao norte a vitória.
Quer dizer: a abolição da escravatura foi instrumento para a vitória do norte sôbre o sul, mas não foi a causa da Guerra de Secessão. E se vê que enquanto os estados do sul dos Estados Unidos não queriam ser governados pelos nortistas e chegaram a tentar separar-se por causa disso, no Brasil cultivou-se na última campanha uma aversão do norte e nordeste pelo sul, a meu ver divisionista e podendo prejudicar o futuro do país.
O movimento político encabeçado por Lincoln foi exatamente o contrário daquele adotado por Lula na campanha, porque buscou de todos os modos, com unhas e dentes, preservar a integridade do país, quebrando a espinha dorsal daquela "elite" sulista que queria dividí-lo. (Ou será que o Lula esteria pensando em fazer a mesma coisa com a "elite burguesa" dos estados do sul?…)
Não é inoportuno lembrar que alguns membros daquela elite sulista americana vieram, depois da guerra, e emigrar para o Brasil, onde fundaram, entre outras coisas, a cidade de Americana, no Estado de São Paulo, - único lugar do mundo onde ainda podem usar a bandeira confederada americana, muito embora sua aventura brasileira tenha sido de pouca duração porque também no Brasil a escravatura, base da agricultura que praticavam, veio a ser abolida poucas décadas mais tarde.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home