Observador Isento (Unbiased Observer)

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Monday, January 16, 2006

Herói por acaso

Um brasileiro foi herói na guerra da Abissínia. Ninguém sabe disso a não ser, provàvelmente, êle próprio, se ainda estiver vivo, e seus parentes e amigos mais chegados.
Sim, porque como é que um brasileiro podia ter sido herói na guerra da Abissínia? Aliás, quê guerra teria sido essa, de que provàvelmente a maioria esmagadora dos mortais nem ouviu falar?
Bem! Eu mesmo não sei contar essa estória como deveria, porque não sei muitos detalhes, a começar pelo nome do indigitado herói. E nem sei exatamente quando ocorreu essa guerra da Abissínia: só sei que foi nas primeiras décadas do século passado, - o famigerado século XX, - ou no final do anterior, e foi uma guerra que a Itália fêz para conquistar a Abissínia, ou para se vingar de alguma coisa, sei lá. De qualquer maneira tudo indica que foi uma guerra de conquista, porque a Itália estava, aparentemente, naquela fase colonialista da maioria das então potências européias e alimentando os sonhos que, se não me engano (ou me engano muito), vieram a compor a plataforma do fascismo.
Acontece que a Itália, como muitos outros países europeus, reconhecem como cidadãos seus os filhos e até netos e bisnetos de emigrantes nascidos em outras plagas. Naquele tempo não havia, como agora, interêsse em adquirir a cidadania da pátria dos ancestrais por parte de cidadãos brasileiros, o fluxo migratório ainda era na outra direção, da Europa para o Brasil e outros países americanos, de modo que quase ninguém falava nisso. Mas um ou outro descendente desses migrantes se valia, aqui e ali, sem alarde, do direito que lhes era reconhecido de adquirir a cidadania de um país europeu.
O caso do nosso herói, entretanto, deve ter sido único: descendente de italianos, e ansioso por aventuras que inexistiam no modorrento Brasil daquela época, transferiu-se para a Itália e lá se alistou para combater na guerra da Abissínia. Mas isso aconteceu quando a guerra já estava para lá da metade e o inimigo se retirava constantemente sem dar combate, limitando-se a deixar pelo caminho as célebres armadilhas e praticando a política de terra arrasada, destruindo tudo o que podia. Assim, nem se pensava em aproveitar qualquer comida que se encontrasse, porque podia estar envenenada, e o mesmo acontecia com a água. Esta última se tornou coisa particularmente difícil devido ao clima extremamente quente daquele semi-deserto (segundo ouvi: não sei se é mesmo).
Sucedeu que um dia a unidade do nosso herói chegou a um sítio onde tudo havia sido destruido, e os soldados começaram a se acomodar debaixo de uma frondosa árvore para descansar um pouco na sombra. Mas o diabo da tal sombra estava toda suja porque da árvore caíam umas frutinhas escuras que, quando batiam no chão, estouravam e deixavam escorrer um líquido. Como estava quente e não havia muita água para beber, nem muita coisa para comer, os soldados perguntaram ao superior imediato se podiam comer as frutinhas para matar a fome e a sêde ao mesmo tempo.
Só que ninguém conhecia aquelas frutinhas, nunca as tinham visto, e parecia lógico que se o inimigo as havia deixado sem destruí-las, devia ser porque eram venenosas, de modo que a tropa foi terminantemente proibida de tocar as tais frutas.
Foi aí que o nosso herói entrou em cena: apresentou-se como voluntário para experimentar as perigosas frutas. Se morresse, afirmou, teria sido por uma boa causa.
Depois de um bocado de hesitação dos superiores, recebeu finalmente permissão para experimentar as frutas: empoleirou-se num dos galhos da árvore e fartou-se de comer jabuticabas, que conhecia de longa data.
Depois arranjou um lugar para dormir e tirou uma boa soneca. Quando acordou, horas depois, tinha virado herói e acabou sendo condecorado.
Essa estória, que me foi contada há muitos anos, - tantos que acabei esquecendo muitos de seus detalhes, - pode parecer fantástica, mais uma fábula do que uma estória de fato acontecido. Mas em todo caso parecem estar em moda as fábulas envolvendo as jabuticabas, de modo que resolvi contá-la de qualquer jeito. Está contado, e assim vocês ficam sabendo que houve um herói brasileiro na guerra da Abissínia.
Luiz A. Góes

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