Observador Isento (Unbiased Observer)

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Friday, March 02, 2007

Até as pedras

Luiz A. Góes
Fazem uns bons vinte e cinco anos, eu viajava pelo Brasil afora fazendo consultoria empresarial. Foram anos para mim muito enriquecedores, tanto profissionalmente quando do ponto de vista humano e cultural, porque tive a oportunidade de ver, de ouvir, de sentir, e de tentar compreender pessoas de todos os tipos, em um sem número de lugares, em miríades de situações, frequentemente me vendo bastante envolvido nelas e pelos seus protagonistas.
Tenho um repertório bastante grande e variado de histórias para contar sôbre esse período, que deixou saudade apesar do desconforto material em que eu me via a cada passo devido à grande falta de infraestrutura na maioria das localidades que visitei.
Hospedei-me em hotéis, hotelecos, pensões, hospedarias, pousadas, casas de famílias, dormi em camas sem roupa de cama, em redes, em sofás, em poltronas, comi comidas mal feitas, deixei de comer com medo de pegar algum troço, andei de ônibus, de trem, de caminhão, de carroça, de barco, de automóvel e até de avião. Assisti a espetáculos, quermesses, festas, leilões, vi matar bois, porcos, carneiros, e até em funerais estive. Mas valeu: é inesquecível.
Certa ocasião um cliente que tive em Fortaleza tinha uma filial numa cidade do interior do estado, e era naquela filial que se realizavam as atividades produtivas da empresa, de modo que tive que ir até lá para ver como eram as coisas.
Arranjaram-me uma pequena pick-up com um motorista que usava chinelos e a camisa para fora da calça. Não falava muito, mas o pouco que dizia era geralmente significativo. À medida que íamos passando pelas proximidades de cada localidade, cada pequena ou grande cidade ao longo da estrada, êle dava algumas informações resumidas sôbre a mesma: parecia ser um grande conhecedor da região e de seu povo, porque nunca deixava de se referir à gente do lugar. Pena que eu não dispunha de um gravador para registrar o que ouvia.
Mas fui notando que êle se referia a certas coisas com certa ênfase, tais como se a localidade tinha super-mercado, e se tinha motel. Fui me dando conta de que se tratava de coisas que funcionavam como símbolos de progresso aos olhos daquela gente naquela época: cidade sem super-mercado e sem motel era considera um simples vilarejo sem futuro!
Quando nos aproximávamos de Quixadá, havia uma grande área bastante plana com vegetação um tanto escassa na qual existia uma grande quantidade de pedras com formato de pequenos Pães-de Açúcar com, talvez, uns 8 a 10 metros de altura. Aquelas pedras chamavam muito a atenção, pareceram-me bastante inusitadas, muito numerosas e com seus formatos muito semelhantes.
Enquanto eu admirava o panorama, o meu guia-motorista foi desfiando o que sabia sôbre Quixadá, para no fim ressaltar que a cidade tinha super-mercado, e tinha motel: tinha sido a primeira a tê-los naquelas plagas, cidade vanguardeira!
Lá para as tantas uma das tais pedras me deixou intrigado, porque tinha uma forma muito diferente das demais: parecia, vista de longe como estávamos, uma enorme galinha sentada em seu ninho pondo ovos ou chocando pintos.
Comentei com o guia-motorista, e êle retrucou sem demora: "É, seu doutor: em Quixadá até as pedras são galinhas… ninguém segura a moçada…"

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