Observador Isento (Unbiased Observer)

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Monday, January 29, 2007

A Primeira Obra

Luiz A. Góes
Quando fui trabalhar na COSIPA, em 1962, aquilo era um enorme canteiro de obras, cheio de coisas começadas ou apenas ameaçando começar, e de espaços vazios reservados a coisas ainda apenas pensadas. Além, é claro, dos famigerados barracões de madeira em que se instalavam os escritórios onde trabalhávamos e improvisações de todo tipo. E boa parte do terreno estava tomada por enormes caixas e engradados contendo equipamentos que começavam a chegar, a maioria sôbre estivas para que não afundassem no mangue que era o real terreno sôbre o qual se construía a usina.
Havia apenas duas obras terminadas: o prédio provisório do escritório da administração, que era nada menos do que a casa da fazenda cujo terreno estava sendo utilizado, e o viaduto sôbre a ferrovia e o rio (acho que se chama rio Piaçaguera) que passam logo em frente à entrada principal da usina. Até mesmo o prédio da administração principal, e o restaurante dito da administração, estavam ainda em obras, apesar de já ocupados parcialmente.
A casa da fazenda havia sido apenas reformada para servir de escritório, não foi exatamente construída: já estava lá, e também foi ocupada de sopetão enquanto era reformada. A primeira obra completa de fato foi o tal viaduto, pelo qual todos tínhamos que passar todos os dias a menos que chegássemos à usina de trem. É uma obra que, na época, surpreendia porque surgia no meio do nada, depois de uma longa estrada enlameada e esburacada com mato por todos os lados.
Consta que antes havia uma ponte de madeira sôbre o rio e uma passagem em nível sôbre a ferrovia.
Num dia quente daqueles de janeiro, os engenheiros que já haviam sido designados para trabalhar na obra estavam reunidos no escritório provisório, a tal casa da fazenda, quando alguém veio avisar que havia chegado um caminhão carregado, o primeiro com suprimentos para o início das obras, e estava parado no outro lado do rio.
O pessoal resolveu ir até lá e se deu conta de que tinham um problema inesperado nas mãos: a tal ponte de madeira, segundo uma velha placa que lá estava, não suportava cargas brutas maiores do que três toneladas, e aquele caminhão seguramente pesava muito mais do que isso. Pensaram em descarregar e levar as coisas uma a uma para o páteo da usina, mas se tratava de carga pesada, de modo que ficaram discutindo um pouco o assunto sem encontrar uma solução imediata.
Mas o sol fê-los tomar uma decisão, esta sim, imediata: voltar para o escritório e continuar a discutir o assunto lá, porque estava de doer os miolos. Discute que discute, de repente um deles olhou pela janela e viu o caminhão bem ali, diante deles.
Alarmados, foram lá para fora e interrogaram o motorista: meio desengonçado o infeliz explicou que ao chegar parece que havia visto uma placa indicando carga máxima de três toneladas, mas que devia ter sido algum engano, porque não havia placa nenhuma lá, e como ninguém havia dito nada a êle, resolveu passar a ponte e ir acabar de entregar sua carga no local correto.
Incrédulos, os engenheiros correram para a ponte, e de fato não mais encontraram a famigerada placa, que deu um sumiço daqueles, nunca mais foi localizada. Algum gaiato, no meio da confusão que havia se armado, arrancou a placa e escafedeu-se com ela para local ignorado.
No caminho de volta para o escritório, os conscienciosos profissionais tomaram a decisão mais importante do dia, que puzeram imediatamente em prática: escreveram um minucioso e alarmante relatório para a diretoria, pràticamente exigindo que a construção do viaduto, - que estava provàvelmente sendo discutida ou negociada com a municipalidade ou com o Estado, - fosse atacada imediatamente, porque não haveria como abastecer as obras.
E assim, a primeira obra foi imediatamente realizada, em terreno externo ao da usina, em realidade a via pública, e consumindo recursos que não estavam no orçamento do projeto siderúrgico.
Ainda haveriam de suceder muitos desses imprevistos antes que a usina pudesse entrar em operação: a moda havia sido apenas inaugurada.
Há gente que sabe dessa história melhor do que eu, que a estou contando por tê-la ouvido como explicação para o fato de que a única obra realmente concluida quando cheguei à usina era aquele viaduto, espécie de tapete vermelho para o lamaçal que enfrentamos por bom tempo. Se algum de vocês souber de alguém que possa dar um testemunho mais preciso, peço que o faça, e que corrija as imprecisões que eu possa estar cometendo.

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