Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Thursday, January 11, 2007

Um cavalo com nome de homem

Luiz A. Góes
Já andei falando muito de um homem chamado cavalo, há algum tempo. O tal homem, por sinal, caiu do cavalo e no tombo levou consigo a tribo inteira. Mas isso hoje são águas passadas, de modo que agora desejo falar de um cavalo com nome de homem. Explico.
Na invasão de Portugal por Napoleão, - no século XIX, faz um bocado de tempo, - um inglês, cujo primeiro nome eu nunca soube mas cujo último nome era Barnett, lutou contra os franceses em Portugal. Nunca me ficou claro se era integrante das tropas inglesas ou se era um mercenário a serviço da corôa, mas era sem dúvida um aventureiro de primeira. Nunca aprendeu a falar português mas, como bom soldado, aprendeu todos os palavrões que o idioma de Camões proporciona.
Pois o nosso amigo Barnett admirou-se sobremaneira quando, terminada a guerra e expulsos os franceses, a côrte lusitana, refugiada no Brasil, se recusava a retornar. Ouviu maravilhas sôbre a colônia sulamericana e se entusiasmou com uma idéia: amante das corridas de cavalos, arquitetou o projeto de ir para o Brasil e iniciar a criação de cavalos da raça Puro-Sangue (Thorough Breed, em inglês), desenvolvida na Inglaterra, como se sabe, a partir de noventa éguas bem escolhidas e quatro garanhões de alta estirpe para constituírem a nata da nata dos cavalos ingleses de corrida. Todos os descendentes desse grupo de animais passou a constituir, por definição, a raça Puro-Sangue, com rigoroso registro de todos os seus descendentes pelo Derby inglês.
Mas no meio da refrega o nosso herói envolveu-se com uma francesa que não se sabe como foi parar em Portugal ou na Inglaterra àquela altura do campeonato, e com ela se casou. Para dar andamento a seus planos, comprou uma potranca Puro-Sangue à qual deu, em homenagem à esposa, o nome de Mrs. Barnett, com o qual ficou registrada como mandava o figurino.
Atingida a idade para enxêrto, a potranca foi devidamente emprenhada por um garanhão Puro-Sangue de boa fama e pronto: estava tudo preparado para a mudança para o Brasil. Barnett embarcou tudo, ou seja, êle e a esposa, mais a potranca e seus trecos, num navio, e lá se foram.
Mal chegaram ao Brasil, a esposa francesa, talvêz embalada pelo calor dos trópicos, deu de pular a cêrca e acabou se mandando, deixando o desafortunado Barnett com a outra Mrs. Barnett, a potranquinha, que estava a ponto de criar. E dela nasceu um belo cavalinho a que o Barnett, na raiva em que estava, deu o nome de Filho-da-Puta, já que a mãe se chamava Mrs. Barnett.
E, desiludido, resolveu voltar para a Inglaterra com o seu cavalinho, o qual foi devidamente registrado no Derby com o seu nome àquela altura incompreensível para a maioria dos ingleses.
Se se desiludiu com o casamento, Barnett não perdeu a paixão pelos cavalos e pelas corridas, especialmente se elas podiam lhe trazer algum lucro, e assim o Filho-da-Puta foi, logo que a idade permitiu, entronizado nas carreiras. E começou a ganhar sem parar, tornando-se o maior campeão de todos os tempos e proporcionando considerável fortuna a seu dono.
Provàvelmente ninguém no Brasil tomou conhecimento do assunto na época, mas o govêrno português protestou diplomàticamente contra aquele nome insultuoso que saía constantemente nas manchetes dos jornais, porque ganhava todas as corridas. O govêrno inglês e o Derby ignoraram solenemente os protestos porque, segundo a tradição, nenhum nome de cavalo Puro-Sangue podia ser mudado.
Indiferente a tudo isso, e agora experimentando novas alegrias com a fortuna acumulada, o nosso amigo Barnett acabou fazendo as pazes com o casamento e arranjou outra esposa.
Quando o cavalo campeão deixou de correr devido à idade, - tinha no máximo uns sete anos, e muitos de vida pela frente, - ainda prometia dar muitos lucros como reprodutor, porque uma cobertura dele seguramente valeria bom dinheiro por muito tempo.
Mas novamente o espírito aventureiro prevaleceu: agora com a fortuna nas mãos e uma nova esposa, Barnett adquiriu um bom número de boas potrancas Puro-Sangue e embarcou com seus animais e mais a esposa em outro navio, de novo rumo ao Brasil, onde iniciou, finalmente a criação de cavalos da raça Puro-Sangue.
E assim vocês ficam sabendo, se ainda não ouviram falar, que, por obra de uma pulada de cêrca, todos os cavalos brasileiros da raça Puro-Sangue, com muito poucas exceções, são descendentes do Filho-da-Puta, cujo retrato aparece, com o nome em baixo, nas salas de visitas, escritórios e outras dependências de todos os aficionados de corridas de cavalos que sabem das coisas no Brasil. Prestem atenção que vocês vão fatalmente ver um desses retratos qualquer dia desses: o de um cavalo que recebeu um nome geralmente dado a homens, - embora, e felizmente, não a muitos.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home