Observador Isento (Unbiased Observer)

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Tuesday, April 24, 2007

Reflexões sôbre a China

Luiz A. Góes
O crescimento econômico da China vem provocando enorme perplexidade, porque era há até muito pouco tempo um regime comunista, - que ainda diz ser, - que adotou aspectos do capitalismo e quer ser reconhecido como uma economia de mercado pelo resto do mundo. Repentinamente aparece nas estatísticas como a quarta economia mundial, candidatando-se a vir a ser a primeira em poucos anos.
Que a visão do tamanho da economia chinesa estava defasada havia muito tempo, não há nenhuma dúvida: a convenção de se converter o produto interno bruto de cada país para dólares utilizando a taxa de câmbio oficial responde pela maiór parte dessa distorção, evidentemente, porque o Yuan é mantido muito desvalorizado por decreto, não interessando ao govêrno chinês valorizá-lo a fim de evitar algum problema inflacionário que não saberia como controlar.
Se considerado o poder de compra, em lugar de valores em dólares, as coisas mudam muito de figura. Apenas para exemplificar, em Beijing uma boa refeição em restaurante de alta categoria, incluindo bebidas e tudo mais, custa não mais do que R$ 10,00 por pessoa. Em locais populares o preço da refeição é, evidentemente, muitíssimo menór, e condizente com os baixíssimos salários praticados na China.
Procurando entender um pouco melhor as coisas, tenho procurado obter testemunhos de observadores diretos, e os relatos que tenho ouvido de amigos que costumam viajar para a China nos últimos anos são mais ou menos espantosos. Vou tentar resumir alguns pontos, embora tema que não resulte um texto muito bem organizado, mas esperando que constitua uma contribuição para debate mais amplo, inclusive corrigindo imprecisões que contenha. Aí vai.
Seguridade social lá não existe: não há aposentadorias, seguro saúde ou qualquer outro serviço de seguridade social por parte do govêrno. Cada um tem que cuidar de si, pagar suas contas de médico e hospital, e se quizer ter alguma coisa para a velhice, depositar dinheiro em banco todos os meses. Quem não tem essa possibilidade, passa a depender dos filhos na velhice.
Mas a política demográfica chinesa limita o número de filhos a um único por família, o que de per si já constitue uma séria limitação à possibilidade de os filhos virem a cuidar dos pais quando chamados a fazê-lo. Isso causa uma preferência de todos por filhos homens, o que ocasiona um número sem conta de abôrtos quando se constata que o sexo do nascituro é feminino. Foi criada uma lei proibindo a divulgação dos resultados do exame de ultrassom quanto ao sexo do feto, mas as propinas, que existem em quase tudo quanto é atividade, tornam os resultados dessa lei pouco efetivos.
Assim, além de a limitação do número de filhos estar causando uma inversão da pirâmide etária mais ou menos rápida, com um crescimento vertiginoso do número relativo de velhos, está sendo criado também um excesso sem precedentes de pessoas do sexo masculino, - consta que já existe um excesso da órdem de 70 milhões, - com todas as consequências sociais negativas que isso pode vir a causar, como criminalidade, prostituição homossexual masculina em larga escala, poliandria prática, etc.
Os bancos chineses estão sempre quebrados: o govêrno tem que dar dinheiro a êles periodicamente a fim de evitar que fechem as portas, - consta que recentemente doou o equivalente a US$ 300 milhões, - porque com o povo depositando dinheiro como poupança para a velhice, uma quebradeira dos bancos seguramente causaria sérias convulsões sociais no curto prazo.
Um dos aspectos principais do "capitalismo" chinês consiste em os bancos emprestarem dinheiro a todos os indivíduos que apresentarem um projeto de empreendimento, num esforço governamental para multiplicar ao máximo as iniciativas. O sistema é extremamente precário e sem contrôles, resultando que a quantidade de débitos incobráveis é astronômica, - evidentemente resultante do grande número de empreendimentos malogrados ou falidos, - o que em grande parte explica o fato de os bancos estarem sempre quebrados. É um círculo vicioso que seguramente vai acabar estourando.
As reservas chinesas são em dólares americanos, e com a desvalorização do dólar no âmbito internacional, elas vão perdendo valor. A China fica "pendurada" no mercado importador americano, fazendo esforços para adentrar outros mercados, os quais, entretanto, nunca se comparam ao americano.
A China tem uma classe alta que é extremamente rica e ostentatória, chegando a ser extravagante. É uma classe muito pouco numerosa. E tem uma classe média de padrão semelhante ao brasileiro, que envolve cêrca de 100 milhões de pessoas. O restante, ou seja, cêrca de 1 bilhão e 200 milhões de pessoas, ganham salários de fome. A economia chinesa se baseia, portanto, na exploração desse "restante", que é a esmagadora maioria, pelos próprios chineses das classes mais altas e pelos seus governantes. E os importadores de produtos chineses baratos, portanto, indiretamente exploram também essa mesma massa de "restantes".
Nos restaurantes chineses de alta categoria, como já dito, come-se bem por não mais do que R$ 10,00, incluindo bebidas e tudo. Há superabundância de mão de obra, e assim cada mesa conta com um garçom exclusivo, que ganha, feitas as conversões, cêrca de R$ 70,00 por mês e se dá por muito feliz em contar com um emprêgo que lhe paga essa quantia, porque a imensa maioria ganha muito menos. O serviço nos restaurantes destinados às classes altas, e aos turistas, é o mais primoroso do mundo, como seria de esperar com toda essa disponibilidade de pessoas para atendimento.
O crescimento econômico record que a China vem apresentando beneficia apenas as classes mais altas e o govêrno. O govêrno chinês está tomando medidas para conter o crescimento econômico em não mais do que 9% ao ano (o previsto para 2007 ultrapassa 11%), mais uma vez porque teme uma eclosão de inflação que não terá como controlar.
Trata-se de uma economia, e de um sistema, que se equilibram sôbre fatôres extremamente precários, os quais podem sair dos trilhos facilmente. Ou seja: a China está presa a uma espécie de armadilha, um processo cujo desfecho é imprevisível, com enorme nível de risco de dar errado de uma hora para outra.
Com a economia mundial em fase alta, esse crescimento acelerado da China tem contribuído para prolongá-la, ao mesmo tempo que a China se beneficia dessa fase alta, porque toda a sua economia está voltada para as exportações de produtos e de serviços, servindo em grande parte como "barriga de aluguel" para numerosas empresas americanas e européias que lá mantêm fábricas a fim de explorar a mão de obra barata (a esta altura, eu diria "baratíssima", praticamente escrava). Não é difícil imaginar que uma recessão mundial como as que ocorrem periodicamente terá, forçosamente, efeitos muito negativos sôbre a economia chinesa.

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