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Saturday, June 27, 2009

Recados célebres

Luiz A. Góes

O quê é um recado? É uma espécie de mensagem curta, geralmente transmitida oralmente.
A história registra numerosos recados célebres, sendo um dos mais antigos conhecidos o enviado por Júlio César no ano 47 A.C., após vencer a Batalha de Zela contra o rei Parnaces II, da região conhecida então como Ponto. Trata-se de um recado composto por uma única frase, a qual chegou aos nossos dias graças aos relatos de Plutarco e Suetonio.
Essa frase, considerada por muitos como uma manifestação bastante cabotina de Júlio César, é repetida constantemente em nossos dias como tendo sido "Veni, vidi, vinci", cuja tradução livre e direta seria "Cheguei, vi, venci", maneira extremamente lacônica de relatar o acontecido, mas a um tempo proclamando a totalidade da vitória e relembrando ao Senado romano que êle, César, tinha a fôrça e como que desprezava o poder dos chamados "patrícios", que ainda dominavam o Senado. E de fato Júlio César foi apenas o primeiro de doze Césares, como conta a história.
Apesar de ter sido um ponto marcante da escalada de César rumo ao poder, a vitória sôbre Parnaces II teria sido uma vitória fácil, ao contrário do que muitos pensam, mesmo porque César tinha tido muitas vitórias mais importantes e difíceis antes dela.
Um outro recado importante dado por César foi sintetizado na frase "A mulher de César tem que estar acima de qualquer suspeita". Ela foi dita quando César divorciou-se de Pompéia, neta de Sulla, o imperador que um dia o tinha condenado à morte, devido a rumores de que Pompéia teria tido um caso com um general (que César, por sinal, não puniu: antes aproveitou-o em missões importantes depois do episódio). Esse recado foi entendido como uma advertência a todos os que o cercavam, de que não toleraria qualquer desvio de conduta ou traição, por mais próximos que fossem os laços entre êle e seus aliados.
Outro recado muito significativo de que me recordo foi enviado pelo Marquês de Pombal ao Rei da Espanha, por volta de 1760. O Marquês ficou famoso, mas o recado é muito pouco conhecido, porque o Marquês era muito maiór do que qualquer dos recados que tenha enviado, tantos foram os feitos ao longo de toda a sua extraordinária biografia.
Seu nome era Sebastião José de Carvalho e Melo, e foi o todo poderoso primeiro ministro de Portugal de 1750 a 1777, um período difícil marcado por acontecimentos como o terremoto que destruiu grande parte de Lisboa e acabou originando o chamado estilo arquitetônico Pombalino, usado na reconstrução que se seguiu. Enfrentou grandes problemas econômicos e revigorou a economia portuguesa, tendo governado com mão de ferro. Aboliu a escravidão nas colônias portuguesas na India e debelou uma rebelião cujo lance mais dramático foi um atentado contra a vida do rei Dom José I, o famoso caso dos Távoras, que liquidou como um ráio, prendendo e fazendo executar os responsáveis em tempo recorde, ao mesmo tempo que baniu os jesuítas, talvez envolvidos no complô, o que, como todos sabem, afetou profundamente as coisas no Brasil, onde os jesuítas tinham papél proeminente.
Um dos maióres problemas de Pombal era a constante pressão da Espanha, que não escondia suas pretensões territoriais e talvez estivesse buscando um meio de recuperar os vastos territórios que tinha perdido na América do Sul com a extensão do Brasil além da linha de Tordesilhas em 1640. O rei da Espanha vivia mandando recados através de seu embaixador, recados ameaçadores, "ameaças entre dentes", como conta a crônica, e Pombal a tudo contornava com diplomacia, até que um dia sua paciência se esgotou, - talvez diante de uma ameaça mais explícita de invasão, - e resolveu substituir a diplomacia por um recado que enviou ao rei da Espanha. Esse recado foi o seguinte:
"Senhor embaixador: diga ao seu rei que um homem é tão forte em sua própria casa que mesmo depois de morto são precisos quatro para tirá-lo de lá."
Não é possível saber se foi devido ao recado, mas não houve qualquer invasão ou outro problema com a Espanha até o fim do mandato de Pombal como primeiro ministro.
Com a morte de D. José I em 1777 subiu ao trono sua filha Maria I, que era inimiga figadal de Pombal: demitiu-o imediatamente, e em seguida fez mover contra êle investigações e processos diversos, terminando por condená-lo a nunca se aproximar dela própria mais de 20 léguas.
Essa esdrúxula pena fez com que Pombal se mudasse de Lisboa para uma propriedade que tinha, exatamente na localidade de Pombal, onde passou a viver. Mas não teve mais socêgo, apesar de sua avançada idade, porque sempre que a rainha se movimentava em sua direção era obrigado a se retirar para mais longe a fim de manter a distância que tinha sido condenado a manter dela. Viveu assim apenas um ano depois da condenação.
Essa Maria I viveu até 1816, e ficou conhecida como Maria, a Louca, porque ficou demente e terminou seus dias com o filho fazendo o papél de regente e governante de fato: era a mãe de D. João VI.
Nossa independência começou, conforme diz a história, com um grito que foi um recado, porque embora reproduzido à exaustão depois, quando foi emitido foi apenas gritado, e não escrito. Leva em seu favor a vantagem de ter sido gritado para que todos o ouvissem diretamente, e não mandado transmitir. "Independência ou morte" foi, quero crer, o grito que sintetizou a mensagem de que lutaríamos até a morte pela nossa independência. Se não foi essa a idéia, não consigo imaginar qual tenha sido.
O Grito do Ipiranga pecou, talvez, apenas na sua originalidade, ao mesmo tempo que revelou uma faceta de D. Pedro I da qual pouco se fala: a sua vasta cultura.
De fato, em 1775 um proeminente participante da revolução americana, de nome Patrick Henry, pronunciou um discurso que ficou célebre por sintetizar os anseios da nação em vias de nascer, discurso esse que terminou com o seguinte parágrafo, do qual a última frase é lembrada nas escolas americanas quando se estuda a guerra da independência:
"Is life so dear, or peace so sweet, as to be purchased at the price of chains and slavery? Forbid it, Almighty God! I know not what course others may take; but as for me, give me liberty or give me death!"
Traduzindo: "É a vida é tão cara, ou a paz tão doce, a ponto de ser comprada ao preço de correntes e de escravidão? Não o permita, Deus todo poderoso! Não sei quê caminho os outros vão tomar; mas quanto a mim, dê-me liberdade ou dê-me a morte!"
Foi o primeiro grito de "independência ou morte" registrado na história da humanidade. É interessante que Patrick Henry falou em têrmos absolutamente pessoais, e quiz dizer, pelo que se entende, que não desejava viver se não tivesse liberdade. E seu discurso não foi um simples recado.
Ou D. Pedro I tinha lido o discurso, e nele se inspirou para proferir o grito, ou ocorreu uma tremenda coincidência, muito pouco verossímil.

Um outro recado que considero célebre e pitoresco, embora quase totalmente desconhecido, foi mandado por Virgulino Ferreira da Silva ao governador Costa Rêgo, por volta de 1935.
Virgulino Ferreira da Silva é mais conhecido como Lampião, aquele cangaceiro nordestino que tanto trabalho deu às autoridades por várias décadas, e Costa Rêgo era o governador de Pernambuco ou de Alagoas, não me lembro bem.
Lampião foi figura muito controvertida, - acho que os que conhecem sua história em detalhe ainda o consideram muito controvertido, - e embora fora da lei era apoiado por muitos e protegido em vastas regiões do nordeste, onde fazia estripulias de toda sorte, fartamente documentadas em reportagens, literatura, e até filmes.
As tentativas das polícias estaduais para capturá-lo ou matá-lo sempre falhavam: êle sempre estava preparado quando os "macacos", que era como chamava os policiais, apareciam: invariavelmente acabava com êles antes que pudessem fazer qualquer coisa. A ponto de ter ficado até mesmo difícil encontrar policiais que se dispusessem a adentrar o sertão para perseguí-lo.
Numa dessas refregas com a polícia, Lampião resolveu mandar um recado ao governador: matou todos os "macacos" mas poupou um, que enviou de volta dizendo:
"Diga ao governador Costa Rêgo que êle pode mandar até Palmeira dos Indios, e eu mando de Palmeira dos Indios para dentro do sertão. E diga também que estou acostumado a saltar rio, quanto mais… rêgo."
Se o recado foi dado ao governador, não se sabe, mas acabou ficando registrado nas crônicas. O que se sabe é que em 1938 Lampião foi finalmente traído por um antigo simpatizante ou protetor, que forneceu suas coordenadas à polícia e possibilitou que fosse morto em companhia da maiór parte de sua gangue: foi a primeira vez que se deixou surpreender.
Poderíamos ficar lembrando recados célebres por horas ou talvez dias a fio, sem cessar, tantos são os registrados pela história, ou ficar colecionando recados dados diariamente às centenas ou milhares, porque vivemos num mundo de insinuações, de pressões e de chantagens, em que a verdade é raramente colocada sôbre a mesa como se poderia ou gostaria de esperar: tudo o que é dito, particularmente nos nossos meios políticos, tem duplo significado, muito embora geralmente não se perceba à primeira vista. Bem fariam todos se, em lugar de ficar enviando recados, lembrassem certos recados registrados pela história a fim de não mais repetirem os êrros que infelizmente desfilam constantemente diante de nossos olhos.

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