Observador Isento (Unbiased Observer)

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Saturday, July 15, 2006

O paladar e o olfato

Naquele tempo em que a COSIPA mandava seus engenheiros para treinamento nos mais variados lugares do mundo, cada um vinha contando suas experiências e histórias. Dariam um bom livro só as coisas engraçadas que andaram relatando.
O Helvécio, de saudosa memória, esteve no México naquela época, não sei a propósito de quê, e contou que tinha passado meio mal do estômago lá porque os mexicanos tinham o hábito de comer muita pimenta e constantemente o convidavam a provar o "chili", como a chamavam. Disse êle que em cada lugar, em cada casa, cada um se orgulhava de ter um "chili" mais forte para oferecer aos visitantes, e era uma verdadeira tortura.
Anos mais tarde, numa alegre mesa de jantar durante um daqueles célebres congressos de metalurgia, um outro colega contou história semelhante, mas com ingredientes novos. Comentou êle que a pimenta é uma espécie de orgulho nacional mexicano, ou pelo menos um orgulho dos mexicanos que se consideram machões, porque constantemente o desafiavam a experimentar a pimenta sempre que surgia uma oportunidade.
E a coisa se tornou ainda mais séria porque, informou o colega, êle era insensível à pimenta: podia comer à vontade porque nunca a percebia. Os mexicanos se esmeravam em lhe apresentar as pimentas mais fortes que conheciam, êle as provava e até delas abusava, e nada. "No pica?" perguntavam os mexicanos, admirados. E êle respondia, zombeteiro: "Mui aromática, pero… no pica."
Um dia apresentaram-lhe uma pimenta que era uma espécie de pasta amarela. Muito senhor de si, pegou um pedaço de pão e passou nele a tal pimenta como se fosse manteiga. Começou a comer e, como de costume, nada percebeu da pimenta, mas se deu conta de que seus olhos começavam a lacrimejar. Sentiu que talvez estivesse indo longe demais e resolveu parar.
Essas histórias sôbre pimenta me vieram à mente quando finalmente consegui entender o quê acontecia com as rezes que começavam a emagrecer no campo. Naquele tempo eu tinha um pouquinho de gado leiteiro, e todas as vezes que uma vaca começava a emagrecer o meu capataz e eu nos esforçávamos para curá-la, porque era sinal de alguma doença. Eu consultava o veterinário da região, comprava remédios e os aplicava, lia todas as bulas e tudo o mais que encontrava, levava comida para as vacas que acabavam se deitando de tão fracas, mas de um modo geral elas acabavam morrendo.
Um belo dia descobri que as vacas, e o gado em geral, selecionam o que comem pelo olfato, e quando adoecem começam a perdê-lo. Conclusão lógica: se perdem o olfato, perdem a capacidade de selecionar, e provavelmente acabam comendo ervas que lhes são venenosas. Acabam morrendo disso, e não da doença que lhes tinha causado o emagrecimento.
O quê fazer para evitar isso? Resolvi começar a recolher ao curral, e alimentar no cocho com ração, todas as rezes que apresentassem emagrecimento, além, evidentemente, de aplicar-lhes os remédios costumeiros. Tiro e queda: praticamente nenhuma morreu a partir de então.
Ligando as coisas, fiquei sabendo que os humanos, como as vacas, percebem a maioria das qualidades dos alimentos pelo olfato: o paladar apenas percebe o doce, o salgado, o azedo (ou ácido) e o amargo. Tudo o mais é percebido pelo olfato.
Assim, coisas como a pimenta, a mostarda, e a maioria dos tempêros, é percebida apenas pelo olfato, que complementa o paladar, - e como complementa! E coisas como o mofo, a putrefação, e uma infinidade de outras coisas danosas ao organismo se ingeridas, são percebidos também apenas pelo olfato.
E o olfato funciona "externamente" e também "internamente", ou seja, quando há alguma coisa inconveniente que tenha passado despercebida, ao a colocarmos na boca o olfato se manifesta salvadoramente e nos leva a cuspir coisas estragadas, mofadas, ou de outra forma danosas ao nosso organismo.
O paladar e o olfato, portanto, complementam-se admiravelmente em suas funções na parte agradável dos alimentos, ou seja, em dar-nos as sensações dos sabores que aguçam o apetite e nos deleitam. Mas é o olfato que nos salva das armadilhas que nos possam ser armadas, intencionalmente ou não, porque só êle acusa o que seja inconveniente à boa saúde.
Quem perde o olfato, como o meu colega engenheiro que mencionei acima, corre sérios riscos, porque acaba comendo o que não deve, - no México êle andou comendo pimentas que seguramente seriam intoleráveis se seu olfato estivesse em boa forma. Esses riscos são demasiado grandes para serem ignorados: coisas estragadas, por exemplo, seguramente causam infecções muitas vezes difíceis de curar; o mofo é cancerígeno: pode não ter consequências imediatas mas a prazo mais longo elas são devastadoras.
Um colega de meu pai voltou da Itália, em 1945, contando que muitas vezes tinha comido pão e bolachas mofados nas trincheiras: chovia o tempo todo e os alimentos eram fatalmente afetados, não havia como evitar. Infelizmente cumpriu a sua sina, porque veio a ser vítima de um câncer intestinal, sem dúvida causado pelo pão e pelas bolachas mofados. Foi um caso triste, pois embora percebendo que o alimento estava mofado, êle e seus companheiros o comiam porque era tudo o que havia.
O hábito de fumar prejudica muito o olfato. A embriaguês também compromete o olfato. As sinusites e outras enfermidades do gênero também. Enquanto que essas enfermidades podem ser curadas, a embriaguês e o hábito de fumar dependem de fôrça de vontade para serem abandonados. O fumante, além de sujeito aos males que o hábito de fumar causa, e que têm sido constantemente divulgados, fica sujeito também aos perigos causados pela falta do paladar: fumar é muito mais perigoso do que se pensa. E beber além da conta também.
Preserve, portanto o seu olfato: evite tudo o que possa comprometê-lo. Não fume. Beba com moderação. Cuide bem de sua sinusite. Não cometa extravagâncias desnecessárias.