Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Tuesday, February 24, 2009

Dilemas Demográficos

Luiz A. Góes

O artigo "O Suicídio Demográfico", publicado em 2006 pelo italiano Massimo Introvigne ( se preferir leia no original em Il_Suicidio_Demografico ), analisa o declínio da população da Europa Ocidental (em que a Itália já é um dos países mais afetados), considerando-o irreversível a ponto de prever que as populações da Itália, da França, da Espanha, da Holanda e da Alemanha estarão, se mantidas as taxas de natalidade atuais, reduzidas à metade no curso de uma geração.
E considera esse fenômeno um suicídio demográfico, porque abrirá as portas da Europa definitivamente para um invasão de imigrantes do mundo islâmico e oriental com idade média substancialmente menor do que as das populações locais, os quais se apossarão da maiór parte dos postos de trabalho e das funções produtivas e de serviços em geral que não contem com pessoas provenientes das populações locais para preenchê-las. Daí para se tornarem maioria será um pulo.
Segundo Introvigne, a Europa Ocidental se tornará então uma "Eurábia", prevendo que a maioria desses imigrantes será proveniente dos países árabes, ou islâmicos. Será, segundo êle, uma nova invasão dos "bárbaros", com a diferença fundamental que desta vez os "bárbaros" não precisarão sequer combater para concretizar a conquista.
O artigo é instigante, e recomendo fortemente que os interessados o leiam na íntegra (há uma tradução do referido artigo circulando na Internet, que reproduzo abaixo).
Em têrmos mais abrangentes, pode-se dizer que estamos diante de um dilema demográfico universal que seguramente afetará as vidas de nossos netos, qualquer que seja o país em que se encontrem.
De fato, na Europa Ocidental está se cumprindo com enorme precisão uma célebre lei da biologia segundo a qual "a natureza provê quantidade para substituir a falta de qualidade" ou vice- versa. Quer dizer: os de melhor forma física tendem sempre a produzir menos descendentes, enquanto que os de forma física deixando a desejar produzem mais descendentes. Dizendo de outra maneira, os miseráveis sempre têm mais filhos do que os mais abastados.
Antigamente essas proles numerosas eram até certo ponto mantidas em cheque porque também morriam muitos dos que nasciam com pouca idade, mas as vacinas desequilibraram a coisa, porque reduziram sobremaneira a mortalidade infantil sem resolver o problema da pobreza. Pode-se mesmo dizer, de maneira jocosa, que as vacinas, ao lado de seus resultados positivos, são também responsáveis pela aceleração da proliferação da miséria e da criminalidade nos quatro cantos do mundo.
Além disso, a medicina vem conseguindo prolongar cada vez mais a vida das pessoas, o que vem fazendo crescerem os contingentes de idosos e aposentados em todos os países. Assim, com o número de nascimentos se reduzido e o número de idosos aumentando constantemente, a pirâmide etária vai se invertendo. As gerações mais jóvens vão ficando escassas para preeencher todos os postos de trabalho necessários à manutenção do padrão de vida da sociedade com essa estrutura etária, e apesar dos progressos da mecanização e da automação, muitos países, particularmente vários da Europa Ocidental, vêm tendo que recorrer a imigrantes para preencher essas posições.
De fato, o crescimento do número de idosos em qualquer sociedade, ou seja, a dilatação da expectativa de vida média, apesar de ser uma benesse a comemorar, incomoda os governantes porque requer recursos financeiros para ser mantida, sem que possam contribuir com trabalho para tanto. (No Brasil o problema está sendo "resolvido" de maneira "engenhosa" pelos govêrnos contemporâneos, por meio da compressão das aposentadorias, o que vai resultar na impossibilidade de os velhos comprarem os remédios da velhice e sequer se alimentarem razoavelmente: isso vai "compensar" e manter dentro de "limites razoáveis" a vida média das pessoas: estão repetindo a eutanásia disfarçada praticada pelos antigos romanos.)
Além disso, estamos agora diante de outros aspectos que não costumavam entrar nas cogitações do mundo ocidental: os muçulmanos, os hinduistas, os bramanistas e outros grupos orientais têm como uma de suas finalidades de vida produzir muitos descendentes, algo com fundo religioso mas também com o objetivo consciente de dominar cada vez mais a terra toda. Já tornaram superpopulosos os seus países e agora se espalham por todos os países do mundo, particularmente aqueles onde a pirâmide etária está se invertendo, como na Europa ocidental. Não tenho nenhuma dúvida de que acabarão dominando mesmo, porque serão maioria, mas ao mesmo tempo estarão novamente produzindo na Europa e outras regiões do globo o outro dilema, já existente no oriente: o de superpopulação generalizada.
Esses excessos populacionais dos países superpopulosos, por sinal, tendem a migrar para os espaços vazios ainda existentes no mundo: é uma tendência inexorável.
No caso do Brasil, por exemplo, essa espécie de teima em manter a Amazônia como que vazia vai seguramente atrair numerosos contingentes de orientais que vão acabar com a floresta como a conhecemos de qualquer maneira, sem que nenhum govêrno consiga controlar o processo. E aí muita gente vai se lembrar, se estiver viva, das besteiras que os govêrnos de hoje estão fazendo com os Ibamas da vida, a política indigenista absurda e tantas coisas mais, e vai lamentar profundamente, mas tarde.
Um de meus correspondentes internáuticos, ao ler o artigo, e depois de trocar alguns comentários comigo, escreveu:
"Lembre-se que alguns dos países civilizados possuem a ‘bomba’ que salvará o planeta dos miseráveis e fanáticos.
A máquina já produz e produzirá cada vez mais riqueza e em pouco tempo a mão-de-obra miserável não será mais necessária. Até a Índia verá sua população diminuir pois,apesar da questão religiosa, não conseguirá suportar uma miserabilidade tão acentuada.
Se a população do planeta não diminuir, aí sim, o fim da civilização estará perto."
Não sei se devo prestar mais atenção ao lado pessimista dessa mensagem, prevendo o fim da civilização se o crescimento da população humana não for contido (sim, porque os animais sempre conseguem sobreviver de uma forma ou de outra), ou se olho pelo lado "otimista", com essa previsão de que a solução dos dilemas populacionais possa vir através do uso da "bomba".
Leiam o artigo do Introvigne.

O SUICÍDIO DEMOGRÁFICO
Por Massimo Introvigne (il Domenicale. Settimanale di Cultura, anno 5, n. 44, 4 novembre 2006)
http://www.cesnur.org/2006/mi_11_04.htm
O declínio da população européia parece irreversível. Dentro de cinquenta anos, viveremos na feliz Eurábia. Com as taxas de natalidade atuais, as populações da Itália, França, Espanha, Holanda e Alemanha serão reduzidas à metade no curso de uma geração. Os "bárbaros" sequer terão de combater.
O grande historiador Arnold J. Toynbee (1889-1975) dizia que se escrevem poucos livros de suspense sobre a morte de uma civilização, e por uma boa razão. Muito raramente existe um assassino: em geral, se trata de suicídio. A América está destinada a "ficar só" na luta contra o ultrafundamentalismo islâmico não – ou não apenas – porque a maioria dos governantes europeus esteja com medo ou indisposta para o combate. Ficará sozinha tecnicamente, porque dentro de menos de um século os europeus não mais existirão. Serão varridos pela demografia assim como o foi o império romano, que não caiu porque suas compactas legiões se tivessem tornado menos compactas, e sim porque já não eram constituídas por legionários romanos. Alistavam-se bárbaros, proclamando-se, apressadamente, cidadãos romanos. E, quando perceberam que estavam em maioria, tomaram o poder.
Essa é a tese do analista político neoconservador canadense Mark Steyn, no seu magnífico "America Alone: The End of the World as We Know it" (Regnery, Washington 2006), o livro mais importante de 2006, do qual se espera uma rápida tradução italiana. O tema do livro é aquele que o Papa João Paulo II chamava desde 1985, com expressão destinada a passar à história, de "suicídio demográfico" do nosso continente.
Por todo o mundo, de algum modo, o que deixa os não-europeus perplexos é que na Europa este tema dramático não esteja no centro do debate cultural e mesmo das campanhas eleitorais. Nenhum país da Europa Ocidental possui uma taxa de fecundidade por mulher que corresponda ao nível mínimo de manutenção da população (2,1 filhos por mulher) indicado pelos demógrafos. A Itália, com uma taxa de 1,2, começa a se transformar no país do mundo com menor número de nascimentos, e já o seria se dos nascidos nos hospitais se excluíssem os filhos de imigrantes residentes, mas não cidadãos italianos. A Espanha e a Alemanha disputam com a Itália esse triste primeiro lugar. A França elevou seu nível a 1,7, mas seus dados seriam semelhantes aos italianos se fossem excluídos os nascidos de mulheres – imigrantes ou cidadãs francesas – de religião muçulmana. Itália, Alemanha, Espanha e Países Baixos (também aqui, excluídos os filhos de cidadãos de religião muçulmana) não atingem o nível abaixo do qual os demógrafos acreditam que uma inversão da tendência seja impossível. Isto significa que, a manter-se a situação atual, a população de países como a Itália será reduzida à metade no curso de uma geração.
O truque da cidadania
Certamente, as estatísticas poderão ser alteradas concedendo-se a cidadania a um alto número de imigrantes residentes: parece ser esta a linha do governo liderado por Romano Prodi, mas se trata de um truque que, como recorda Steyn, já foi tentado com resultados ruinosos no império romano. Transformar os "bárbaros" (palavra que não era ofensiva e que, originalmente, indicava apenas aqueles que não falavam o latim) em cidadãos por meio de lei não fazia deles cidadãos romanos culturalmente, assim como transformar imigrantes muçulmanos ou chineses em cidadãos italianos por decreto de Prodi ou do ministro da Solidariedade Social Paolo Ferrero não significará fazer deles italianos pela cultura e pela integração. Mas o problema não é só italiano. A Alemanha perderá o equivalente à população da Alemanha do Leste em meio século; a Espanha, o equivalente à atual população de um quarto do próprio território no mesmo período de tempo. Entre tantas estatísticas, causa impacto uma já citada pelo teólogo católico americano George Weigel e retomada por Steyn, segundo a qual em 2050 a Itália será um país "sem tias": já agora a maioria das crianças italianas é formada de filhos únicos, mas em menos de quarenta anos também os adultos serão 60% de filhos únicos de filhos únicos, pessoas que nunca terão feito a experiência de ter um irmão ou uma irmã, ou, justamente, de ter um tio ou uma tia. Do "suicídio demográfico" se ocupam pouco os moralistas, mas muito os economistas, sobretudo aqueles especializados em previdência social. De fato, na Europa Ocidental – não obstante todos os países procurem adiar ao máximo possível a idade de aposentadoria – cresce inexoravelmente o número de aposentados e em diversas regiões cada trabalhador já suporta o encargo de dois aposentados.
Algum entusiasta do "modelo europeu" pode pensar – ainda que poucos tenham a coragem de o dizer – que a eutanásia à moda holandesa vai dar cabo dos velhos inúteis e resolver o problema. Outros apresentam cifras, mas não tiram conclusões. A recusa da classe política de muitas nações européias a recorrer às drásticas reformas previdenciárias sugeridas pelas instituições financeiras internacionais parece não decorrer tanto da compaixão pelos aposentados – ou do desejo de não perder os seus votos, visto que em breve serão a maioria dos eleitores –, mas de estar escondendo a cabeça na areia diante da dramática urgência do problema demográfico.
Como recorda Steyn, o suicídio demográfico é também o suicídio da social-democracia européia. Não há nenhuma garantia de que as civilizações durem para sempre. O seu modo normal de morrer é precisamente o demográfico. Além do aborto e do infanticídio, os romanos da decadência praticavam uma forma primitiva de eutanásia (por certo distante daquela em camisola branca dos Países Baixos de hoje), que consistia em abandonar os anciãos doentes sem tratá-los ou alimentá-los. Os bárbaros chegam quando estas práticas já haviam enfraquecido o império de Roma, de cujas ruínas surge – como também recorda o sociólogo americano Rodney Stark – a civilização dos tais cristãos que não praticam o aborto e que cuidam dos velhos e doentes. Mas desta vez o que vai surgir das ruínas da Europa? Não é necessário citar aqueles fundamentalistas islâmicos para quem "ri melhor quem ri por último" – e a invasão muçulmana frustrada pela via militar em Poitiers, Lepanto e Viena será bem sucedida no século XXI pela via demográfica – para perceber que a civilização européia se arrisca a sofrer o mesmo destino da romana. Dentro de vinte anos, por exemplo, "a maioria dos adolescentes nos Países Baixos será constituída de muçulmanos". Mais vinte anos, será a maioria dos adultos em idade laboral (ou talvez da população em geral, se os holandeses continuarem a ampliar, a cada dois anos, a legislação sobre eutanásia, incluindo novos casos), alguns anos depois, será a maioria dos eleitores.
Naturalmente, há quem sustente que esta "Eurábia" (a expressão se tornou conhecida por Oriana Fallaci, mas foi cunhada pelo historiador britânico Niall Ferguson) será belíssima. Quando em 1998 a seleção francesa de futebol venceu o Campeonato Mundial com um time cujos jogadores, em sua maioria, não havia nascido na França, a superioridade da civilização francesa multiétnica e multi-religiosa foi doutamente apresentada na televisão não só por um bom número de intelectuais franceses, mas também por Walter Veltroni [prefeito de Roma], na Itália. O adjetivo "multi-religiosa", com efeito, não era reduntante em relação a "multiétnica". Também a seleção brasileira, que perdeu a final daquele campeonato, era evidentemente multiétnica. Mas não era multi-religiosa: os jogadores eram todos cristãos e tinham ainda o péssimo gosto, na França do laicismo, de rezar coletivamente e publicamente e de entrar em campo fazendo o sinal da cruz.
Há pouco tempo, a revolta da periferia parisiense de 2005 fez em pedaços aquele belo sonho de utopia multi-religiosa harmoniosa e feliz. (...) O mesmo Veltroni se tornou mais cauteloso, e isto é um fato que Steyn não conhece. No desenho animado da Disney "O Galinho Chicken Little" (2005) muitos espectadores perceberam que o prefeito da cidadezinha [chamada Querce Ghiandose, na versão italiana], o presunçoso e incompetente "Rino Tacchino", fala como Veltroni, pronuncia as palavras como Veltroni e é de fato o próprio Veltroni, no sentido de que o poliédrico primeiro cidadão de Roma (cujas ocupações devem deixar-lhe evidentemente uma boa dose de tempo livre) atuou como dublador na versão italiana do filme e, no final, ainda exibiu seus dotes canoros. Como Veltroni é bom amigo de Umberto Eco – de quem desaprovo muita coisa, mas não o ensinamento segundo o qual a cultura popular deve ser levada absolutamente a sério – pode-se imaginar toda uma semiótica do nexo entre o prefeito de Roma (cujo senso de humor eu reconheço prazerosamente) e aquele de Querce Ghiandose (um nome que evoca, entre outras coisas, o partido de Veltroni, a Quercia). No filme, o prefeito é o último a se convencer de que sua cidadezinha – habitada por animais antropomorfos disneyanos – seja a cabeça de ponte de um desembarque de alienígenas na Terra. Quando os alienígenas finalmente chegam, Rino Tacchino lhes oferece primeiro a chave da cidade e depois também a do seu carro, recebendo em troca uma descarga de raio que o aprisiona na astronave extraterrestre. Diante de toda a literatura existente sobre os alienígenas como metáfora dos imigrantes, sente-se a tentação de interpretar a curiosa performance do prefeito como fruto de uma reavaliação do seu velho entusiasmo pela sociedade multiétnica e multi-religiosa. Quem entrega as chaves da cidade aos alienígenas sonhando poder conviver com eles sem problemas numa idílica harmonia acaba por tornar-se seu prisioneiro.
Em nome de Bento
Mas, ainda que fosse verdade, o sonho não teria substituído a realidade. Uma Europa Ocidental majoritariamente muçulmana constituiria, muito simplesmente, uma civilização diferente da que hoje conhecemos. Pode-se discutir se será bela ou feia: o que é certo é que não será mais a mesma. Como escreve Steyn: "É a demografia, estúpido, a única questão importante. A Europa no final do século será um continente depois da bomba de nêutron. As grandes construções ainda estarão lá, mas as pessoas que as fizeram terão desaparecido". Nesse meio tempo – e sob este ponto de vista o livro de Steyn é também divertido – os políticos europeus escondem os crucifixos e os presépios para não incomodar os muçulmanos, ou dedicam seu tempo (Steyn dá as provas, e assegura que infelizmente não se trata de brincadeira) a discutir se ensinar os homens europeus a urinar sentados e não em pé, com a conseqüente abolição dos mictórios, "último refúgio de um machismo patriarcal", não poderia contribuir para acentuar a igualdade entre homens e mulheres e a comprazer as feministas. O mesmo escritor atribui o suicídio demográfico à "falta de confiança na própria civilização". A meu ver, uma expressão mais precisa é aquela do Papa Bento XVI: "falta de esperança". Depois de haver perdido a virtude da fortaleza, a Europa perdeu também a esperança no futuro. A civilização que não espera não faz filhos: mas são exatamente as civilizações destinadas a desaparecer. O desaparecimento de Roma não significou o desaparecimento da melhor parte da sua herança: havia um São Bento para recolhê-la. Hoje, parece que só um outro homem chamado Bento se ergue entre a Europa e o seu suicídio anunciado por Steyn.
(Tradução de Miguel Nagib.)

Wednesday, February 11, 2009

Colombo foi o último

Luiz A. Góes

Quando me meti a escrever, há alguns anos, dois ensaios sôbre o descobrimento do Brasil, o primeiro deles analisando o episódio do descobrimento e as circunstâncias que o antecederam e que o envolveram, e o segundo procurando compreender mais amplamento o texto integral da carta de Caminha, pensei que estivesse sozinho em minha crença de que Colombo não teria sido o primeiro a descobrir as Américas, e que os portugueses conheciam pelo menos parte do Brasil antes de Colombo.
Surpreendi-me, entretanto, há alguns meses, quando encontrei em uma livraria, - eu gosto de "fuçar" em livrarias de vez em quando, para saber o quê os que pensam estão dizendo, - um livro cujo título é "Colombo foi o último" ("Columbus was last", no original em inglês), escrito por Patrick Huyghe e editado pela MJF Books, de New York. Inicialmente surpreendeu-me o título, mas minhas expectativas se reduziram bastante quando li um sub-título que diz: "De 200.000 AC a 1492 DC, uma história herética de quem foi o primeiro". Pareceu-me um desses livros escritos apenas por escrever, como tantos outros, para dar alguma renda ao autor e ao editor, mas sem nada acrescentar.
Deixei-o na prateleira por algum tempo, porque tinha outras coisas que considerei mais importantes para ler, e quando resolvi lê-lo, mais recentemente, eu o fiz de forma bastante lenta nos primeiros capítulos, sôbre cujo conteúdo eu já havia visto um bocado de coisas em outras publicações, aquelas que tratam de desvendar as formas pelas quais o mundo teria sido povoado pela espécie humana na remota pré-história. Fi-lo lentamente porque o livro foi escrito de maneira a condensar muita informação em cada página, o que faz a leitura um tanto difícil e pesada, requerendo um bocado de concentração para que não se perca o fio da meada.
Mas à medida que fui avançando, meu interêsse foi crescendo e a velocidade da leitura foi aumentando, em algumas ocasiões me obrigando a reler os capítulos a fim de captar detalhes aos quais prestei pouca atenção na primeira leitura mas que se evidenciaram importantes no final. Acho que vou reler o livro todo mais uma vez, mas resolvi escrever esta pequena nota para os que se interessam pelo assunto: sei que não é muita gente, a julgar pelas reações que recebi aos meus dois ensaios anteriores, mas de qualquer modo não busco um grande público, apenas um pequeno número de interessados.
O próprio Patrick Huyghe diz no livro que quando começou a pesquisar o assunto não imaginava a quantidade de informação que iria encontrar em toda parte, o enorme número de estudiosos, pesquisadores, especialistas em numerosas disciplinas, ocupados em processar avalanches de evidências físicas e históricas sôbre as numerosas incursões de povos asiáticos, europeus e outros no continente americano desde a mais remota antiguidade até a vinda de Colombo, praticamente compondo um continuum de incursões e de colonizações sôbre as quais aos poucos se vai sabendo mais e mais, à medida que os estudos e pesquisas envolvendo numerosas disciplinas, mais evidências arqueológicas, vão revelando pedaços da história da humanidade, particularmente dos povos existentes no continente Americano anteriormente a Colombo.
É surpreendente verificar que já se encontraram explicações devidamente comprovadas para as origens das avançadas civilizações americanas pré-colombianas, e a verdade sôbre certas coisas que eram tidas como "lendas" até um passado não muito remoto. As incursões e colonizações das Américas anteriores a Colombo contam-se em dúzias, não apenas em um ou outro contacto fortuito, o que está permitindo cobrir certas lacunas existentes nas histórias de certos povos antigos, como por exemplo as origens de certos materiais que já usavam, bem como explicar a presença nas Américas de coisas que sempre se soube pertencerem a culturas européias, asiáticas ou africanas.
Quanto à viajem de Colombo, o autor demonstra a extremamente alta probabilidade de ter sido em realidade a reprodução de viajens anteriores pelo fato de Colombo ter tido acesso fortuito a documentos desconhecidos pelo resto do mundo devido a terem sido produzidos antes do advento da imprensa, documentos esses que Colombo cuidadosamente deixou de mencionar quando apresentou suas pretenções primeiro ao rei de Portugal e depois ao da Espanha, tendo convencido êste último a financiar a viagem. Detalhes da viagem em si mostram, além disso, que Colombo conhecia muito bem a rota a seguir, tanto na ida quanto na volta, - as duas rotas são diferentes, - indicação clara de que alguém já a tinha percorrido anteriormente, além de ter anunciado previamente, para convencer os marinheiros a acompanhá-lo, que chegaria à India em cêrca de 40 dias, - que foi quanto tempo levou a viajem.
Ao concluir seu relato, que evidentemente inclue, embora sem lhe atribuir a importância que deveria ter para os brasileiros e portugueses, a presença portuguesa no Brasil anteriormente a Colombo, o autor explica porquê Colombo se tornou tão famoso como descobridor das Américas, - mais uma vez de forma muito surpreendente, - ao averiguar que apenas no século XIX surgiu a figura histórica de Colombo como o descobridor, depois de ter sido colocado no ostracismo ainda em vida pelos espanhóis e em realidade pelo mundo todo, inclusive os historiadores, por alguns séculos. Patrick Huyghe associou a ascenção histórica da figura de Colombo à necessidade dos americanos do norte de criarem a imagem de um herói intocado pelo colonialismo britânico do qual tinham acabado de se livrar. Isto é, esquecido pela Espanha e em realidade por todo o mundo até então, Colombo se tornou um herói norteamericano, para a partir daí ser como que "vendido" ao mundo como o grande descobridor de tudo.
O autor vai mais além, explicando que em todos os casos anteriores de incursões e colonizações nas américas não pareceu haver interêsse em conquistas territoriais por parte dos povos ou nações que as levaram a efeito, - inclusive devido às dificuldades de navegação e os rudimentares conhecimentos da terra, ainda tida como plana, - enquanto que Colombo tinha claramente um objetivo de conquista de novos territórios, coisa que geralmente escapa aos estudantes da história face à informação de que êle buscava um caminho para a India pelo ocidente: o exame dos documentos pertinentes ao episódio do descobrimento mostra claramente que buscava novos territórios. Por outro lado, tudo conspirou para que as incursões a partir do século XV fossem mais bem sucedidas do que as anteriores: entre muitos outros fatores, o uso das armas de fogo pela primeira vez deu aos descobridores e colonizadores definida superioridade sôbre os povos existentes no continente. Além disso, a invenção da imprensa proporcionou uma divulgação muito maior às incursões ocorridas a partir de então do que nos séculos e milênios anteriores, - há presenças européias, asiáticas, africanas e de outros povos civilizados nas Américas devidamente comprovadas a partir de pelo menos 2.500 AC, ou seja, há 4.500 anos as Américas já não eram totalmente desconhecidas para o mundo dito civilizado como se é induzido a acreditar pela história de Colombo tradicionalmente ensinada nas escolas.
Uma outra coisa que surpreende no livro é o volume de bibliografia consultada, além do volume de testemunhos diretos de cientistas, historiadores, arqueólogos e outros especialistas relatados ao longo de todo o texto. É até mesmo difícil imaginar a existência de tanta informação devidamente comprovada e aceita pelo mundo científico a respeito do assunto.
Aos que se interessarem pelo tema, sugiro procurar ler o livro: vale a pena. De minha parte posso dizer que, após uma nova leitura do livro, eu talvez revisite os ensaios anteriores, porque há muitas coisas que eu desconhecia, relatadas pelo Patrick Huyghe, com impacto direto sôbre a atitude portuguesa face à notícia do descobrimento da América por Colombo, as ações subsequentes da corôa portuguesa e a viajem de Cabral em 1500.

Coisas da Cidade

Luiz A. Góes

Será que vai parar? Será? Será que vai ter lugar para mim? Finalmente um parou. E finalmente consegui embarcar. Está lotado, fiquei colado na porta, mas aos poucos vou ver se consigo ir chegando mais à frente.
"Tem trôco para dez? Obrigado."
Com sorte talvêz consiga um lugarzinho para sentar.
Os minutos vão passando, e nada, ninguém se mexe.
Êpa! Está chegando a hora de saltar! Tenho que ir lá para a porta!
"Com licença! Com licença! Um momento, por favor! Vou saltar aqui! Com licença!"
Ufa! Finalmente consegui! Como são quentes esses ônibus lotados nos dias de verão!
Agora tenho que andar depressa para não chegar atrasado ao trabalho! Vai ser difícil, com tanta gente por toda parte!
Aqui estão consertando o piso, não se pode passar. Vou atravessar a rua. Não: vou dar a volta ao quarteirão porque lá no outro lado há uma aglomeração provocada por algum vendedor ambulante, algum camelô.
"Não requer prática nem habilidade! Qualquer criança pode fazer a brincadeira! Um companheiro para as horas de solidão!"
Mais um camelô, vendendo uns bonequinhos que se mexem não se sabe como. Um vendedor de ilusões.
"Moço, me arruma um troco."
Um pedinte mais com cara de esperto. Na banca de jornais vejo a manchete: "Desmascarado o mendigo milionário!"
"Olha a cobra, vai dar a cobra! Não deixe a sorte fugir!"
O otimismo do vendedor de bilhetes de loteria como que me contagia. Vou chegar no horário, apesar de tudo!
Não! Aqui também? Uma enorme aglomeração que vai me fazer perder preciosos minutos.
"Com licença! Com licença!" Vou passando, apesar do apêrto.
Mas afinal, o quê houve para causar essa aglomeração?
Ah! Uma pequena trombada de automóveis.
Finalmente cheguei. Atrasado.
Coisas de todo dia. Coisas da cidade.

Sunday, February 08, 2009

Qual seria a verdadeira história?

Luiz A. Góes

Certos edifícios parecem deixar marca em minha memória quando os vejo pela primeira vez, quem sabe porque frequentemente os vejo pelo lado da arte, da manifestação cultural, mais do que pelo seu lado utilitário. Foi assim quando vi a montagem do prédio da aciaria da COSIPA, a sua primeira fase, que me impressionou muito apesar de ter trabalhado no acompanhamento de seu projeto e fabricação da estrutura metálica. Já perto do início da operação veio visitar-nos um italiano ligado a uma das firmas fornecedoras, e ao adentrar o edifício a meu lado, êle exclamou: "Una catedrale!", e me dei conta de que a devoção que eu já tinha por aquela aciaria podia bem estar ligada ao fato de se parecer com uma catedral daquelas antigas em alguns aspectos.
Mais recentemente, quando conheci a Universidade de Pittsburgh, achei curioso o seu prédio principal, uma torre altíssima, ao lado da qual há uma igreja de porte bem menor, mas assim mesmo bastante grande, que chamam de capela: vim depois a saber que a tal capela é uma igreja ecumênica, não pertence a nenhuma religião em particular, e foi doada por uma família de Pittsburgh para ser usada em cerimônias religiosas de qualquer espécie sempre que solicitado por alguém de alguma forma ligado à Universidade de Pittsburgh, seja de que religião seja. É a única que conheço do gênero.
Quando entrei pela primeira vez no prédio principal, porém, foi que senti o maior impacto, porque tem todas as características de uma imensa catedral, a maior de todas quantas eu já vi. Lembrei-me do tal italiano, porque minha reação foi exclamar para o meu acompanhante que aquele prédio era uma verdadeira catedral, ao que êle respondeu: "De fato êle é chamado de Catedral do Aprendizado (Cathedral of Learning, em inglês)".
Mas o que me levou a escrever estas linhas foi um outro prédio, bem ali no Rio de Janeiro, sôbre o qual li um artigo no Jornal do Brasil de hoje: trata-se da antiga Casa da Moeda, na Praça da República, antigo Campo de Sant'Ana.
Quando fui pela primeira vez à Casa da Moeda, antes de ela ser transferida para Campo Grande, fiquei surpreendido com a magestade do prédio, um verdadeiro palácio imperial antigo, com estilo, casa de armas, obras de arte, jardim interno, e tudo mais.
A escadaria da entrada é (ainda, porque hoje está lá instalado um museu) ladeada por um par de esculturas de boa qualidade, se não me engano um par de leões, e no saguão de entrada uma ampla escada dupla em curva, se a memória não me trái, conduz a um pavimento superior que naquela ocasião me causou pena, porque estava dividido por paredes provisórias de madeira de forma a criar um sem número de salas menores em lugar das amplas salas, salões ou quartos originais, prejudicando sobremaneira a decoração original das paredes e tetos, muito danificada mas ainda visível em muitos locais.
Das janelas vislumbrava-se o jardim interno, que se apresentava grotesco porque também estava tomado por construções provisórias que me pareceram de madeira, criando um sem número de outros cômodos, com a peculidaridade de que em certos lugares havia uma espécie de caixa às avessas, contornando esculturas que à distância pareceram ser também de boa qualidade, as quais adornavam aquele jardim interno, - mas que naquelas caixas às avessas ficavam escondidas dos olhares de quem estivesse naquele piso, embora pudessem ser vistas parcialmente das janelas do andar de cima.
Das janelas também se podia ver ao fundo as dependências destinadas à criadagem, cavalariças e depósitos diversos, seguramente construções originais, a julgar pelo estilo, se a memória não me falha.
Levaram-me aos pavimentos inferiores, que estavam, - pelo menos na parte que pude ver, e que pertencia ao que se poderia chamar de porão do palácio, o que tinha sido ampliado com as salas de madeira que contornavam as estátuas, - tomados por instalações de fabricação de moedas e de refino de metais preciosos, tendo sido esta última a razão principal da visita àquelas dependências.
A decoração original, visível em numerosas partes internas do prédio e de sua fachada, indicavam que tinha seguramente sido construído para ser um palácio de govêrno, ou algum ministério, ainda na época do Império. Comentei isso com uma das pessoas que tinha ido visitar, e êle me informou, para minha grande surpresa, que aquele prédio tinha sido construído para ser a Casa da Moeda desde o início.
Fiquei com aquilo na cabeça, e em visita subsequente voltei a comentar o assunto, com outra pessoa, que me deu uma outra informação, bastante curiosa: disse-me que aquele prédio tinha sido projetado por uma firma francesa, por encomenda do govêrno imperial, para ser a Casa da Moeda, não se tendo tido nenhuma explicação para aquela suntuosidade quando de sua construção, que teria incorporado as obras de arte vindas de além-mar com o projeto. Depois, disse o meu interlocutor, ficou-se sabendo que na mesma ocasião o govêrno do Chile tinha encomendado à mesma firma francesa um projeto para o seu palácio do govêrno, e por um engano dos citados projetistas os dois projetos foram trocados quando enviados aos clientes, tendo o govêrno brasileiro recebido um projeto de palácio de govêrno, - que a antiga Casa da Moeda realmente parece ser. E de o govêrno chileno ter recebido um projeto de Casa da Moeda, - em francês o "Palais de La Moneye", - daí vindo inclusive a denominação de Palácio de La Moneda, - um nome um tanto enigmático, - do palácio do govêrno do Chile.
A explicação pareceu muito plausível, mas agora surgiu esse artigo no Jornal do Brasil de 21/03/04 (que reproduzo no final destas notas), que diz ser esta (descrita no artigo) a verdadeira história, embora fique muito longe de explicar a presença das finíssimas obras de arte, da explendorosa decoração original, do amplo jardim interno, das dependências da criadagem ao fundo e tudo o mais, além de não parecer ter sido projetado por engenheiros, e sim por refinados arquitetos (acho que como engenheiro posso dizê-lo sem receio de errar).
Isso me despertou a curiosidade em tentar averiguar a real origem do nome do palácio do govêrno do Chile: o que encontrei novamente contraria a versão da troca de projetos.
Consta que se trata de um palácio originalmente construído, sob projeto do arquiteto italiano Joaquín Toesca (o nome parece mais espanhol) entre os anos de 1784 e 1805, quando foi iniciada a produção de moedas no Chile com o palácio ainda em construção, tendo permanecido como séde da casa da moeda do Chile até 1929.
Não encontrei referências ao uso do Palácio de La Moneda entre 1930 e 1945, mas é provável que tenha se tornado a residência do chefe do govêrno, embora somente em 1945 tenha se tornado a séde do govêrno.
Assim, parece que os dois palácios, - o brasileiro e o chileno, - foram construídos originalmente para servirem de local para a fabricação de dinheiro. O que não se explica, entre outras coisas, é a suntuosidade desses palácios, se de fato foram construídos para a finalidade aludida, a ponto de, no caso brasileiro, a Casa da Moeda ter sido a construção mais importante do Segundo Império, como diz o artigo abaixo, e no caso chileno, o palácio ter sido depois promovido a séde do govêrno, seguramente também por ser a melhor edificação disponível no país.
De qualquer forma, leiam o artigo do Jornal do Brasil:

Segredo bem guardado
Historiador diz ter descoberto autoria do belo prédio neoclássico que abriga o Arquivo Nacional no Rio
Anabela Paiva
Uma das maiores jóias do estilo neoclássico do Brasil, o elegante prédio da Casa da Moeda, no Centro do Rio, sempre foi um mistério de pedra a contemplar os historiadores. Há anos pesquisadores procuram descobrir a autoria do projeto do edifício, a maior obra do tipo feita naqueles meados do século 19. A equipe do arquiteto Alfredo Brito, encarregada de restaurar o edifício para que ele servisse de nova sede ao Arquivo Nacional, inaugurada em 2002, buscou em vão o nome do autor. Uma empresa com aparelho de sonar foi convocada para esquadrinhar o terreno e buscar uma caixa de chumbo com o projeto, colocada na pedra fundamental do prédio pelo Imperador D. Pedro II em 2 de dezembro de 1858, dia do seu aniversário.
A falta de informações alimentou até a lenda de que a planta teria sido extraviada e trocada com a do Palácio de La Moneda, sede do governo chileno. O empreiteiro Theodoro Antônio de Oliveira, construtor do edifício, foi por certo tempo apontado como o autor. Agora, o segredo mais bem guardado da arquitetura carioca pode ter sido, finalmente, desenterrado.
Ironicamente, parte dos documentos que revelaram a identidade do misterioso projetista foi descoberta no próprio acervo do Arquivo, pelo arquiteto e especialista em história urbana Nireu Cavalcanti. O achado aconteceu durante investigações para o próximo livro do autor do elogiado O Rio de Janeiro setecentista (Zahar, 2002) - uma história dos construtores da cidade do Rio de Janeiro, desde a fundação.
- Encontrei as atas das reuniões da Comissão de Engenheiros do Ministério das Obras Públicas, uma instituição muito pouco estudada, e que a partir de 1850 foi encarregada de aprovar as obras oficiais da época. No meio, estava o processo da Casa da Moeda - diz o historiador, um paciente garimpeiro de fatos históricos, que acaba de lançar um livro de crônicas sobre o período colonial.
Até o século 17, a fabricação de moedas era feita em Pernambuco e na Bahia. Posteriormente, a Casa da Moeda instalou-se no Rio de Janeiro, no prédio onde hoje é o Paço Imperial. Com a chegada da Corte portuguesa, em 1808, o órgão mudou-se para um acanhado prédio da Avenida Passos. Azeredo Coutinho, provedor - o equivalente a diretor - da Casa, encaminhou o projeto de um novo edifício à comissão para aprovação em 1857.
- Este projeto foi considerado defeituoso. A comissão de engenheiros decidiu fazer um novo, que teve Manoel de Frias e Vasconcelos como coordenador. Acabou resultando em um dos mais belos prédios neoclássicos do Rio - garante o historiador.
Tetos em abobadilhas, janelas dispostas sob um frontispício triangular, colunas de seis metros (mais largas na base que no topo, para garantir a harmonia) esculpidas em pedras únicas, sem emendas, realmente tornam o prédio de 11 mil metros quadrados, em frente ao Campo de Sant'Anna, um marco na cidade.
A descoberta revela, além de um grupo de talento até agora desconhecido da arquitetura nacional, que o domínio da linguagem neoclássica não era exclusivo dos arquitetos formados pela escola da Missão Francesa - o grupo de artistas franceses que chegou ao país em 1816 para fundar a Academia de Belas Artes. Um dos maiores nomes da Missão foi o arquiteto Grandjean de Montigny (1772-1850), autor do projeto da atual Casa França-Brasil.
Depois de anos em busca do autor da planta, Alfredo Brito se surpreendeu ao saber da conclusão de Nireu:
- Acho difícil crer que engenheiros tivessem tanto domínio da linguagem neoclássica. Este é um prédio monumental em tamanho e qualidade. Mudou a arquitetura do Brasil. Sempre acreditei que o empreiteiro, ao ser encarregado da obra, tivesse encomendado um projeto, talvez fora do país.
Alfredo já tinha notícia de que o projeto original havia sofrido modificações estruturais por parte da comissão.
- As mudanças podem ser percebidas na própria obra. Mas, para mim, na parte arquitetônica, a fachada, não tinham mexido.
Não é o que acredita Nireu. O historiador explica que a comissão era formada pela elite dos engenheiros, formados pela Academia Militar. Faziam parte do grupo os portugueses Antonio Elisiário de Miranda e Britto e Antonio Joaquim de Souza, o gaúcho Manoel da Cunha Galvão, o carioca Manoel de Frias e Vasconcelos e o baiano Thomaz da Silva Paranhos. Vários deles chegaram a postos de comando no Exército e até a governadores.
- A formação dos engenheiros, embora valorizasse mais a técnica, também incluía o estudo de princípios estéticos - explica.
Segundo ele, os membros da comissão realmente fizeram um novo desenho do edifício.
- Tanto que os arquitetos da Academia, convidados a dar um parecer, depositado no acervo do Museu D. João VI, dizem que o projeto é bem melhor que o original. Depois, enumeram alguns problemas e terminam concluindo que obras desse vulto deveriam ser confiadas a arquitetos - conta Nireu.
Os dados sobre o tenente-coronel Manoel de Frias e Vasconcelos, o coordenador do projeto, ainda são esparsos. Sabe-se que nasceu provavelmente em 1817, descendente de uma família de outros importantes engenheiros. Foi diretor de obras públicas do Rio e chegou a presidente de província - ou governador - do Pará. Reformou-se em 1864 e morreu em 1893.
Dados que fizeram a alegria de Jaime Antunes, diretor do Arquivo Nacional:
- Desde que iniciamos a reforma do prédio, encontrar a sua origem era um desafio. É bom que uma nova luz seja lançada sobre o assunto.

Um conselho

Luiz A. Góes

Tenho que dar um conselho a todos: nunca se aposentem, ou pelo menos aguentem firme sem se aposentarem enquanto puderem, porque está demonstrado que os govêrnos ditos "democráticos" do Brasil, particularmente o atual, estão mesmo a fim de acabar com os aposentados matando-os de fome e impossibilitando que se tratem quando adoecerem.
O esfôrço que o atual (des)govêrno faz para impedir que os aposentados pelo menos deixem de perder os direitos, - pelos quais trabalharam toda a vida, nada pedem além do que aquilo que lhes pertence, - chega a ser "comovente", para usar uma palavra amena. Não podendo impedir a aprovação dos projetos em andamento para pelo menos tentar devolver uma parte dos ditos direitos aos aposentados, depois de tudo o que lhes tem sido roubado ao longo dos anos, o "magnífico retirante" deu a órdem: engavetem esses projetos. E a turma da tal "base", - um verdadeiro "baseado", - vai obedecer, porque estão mais do que drogados pelas benesses e favores que lhes são reservados em substituição ao mensalão.
Mas, não contente com essa tunga continuada, de repente o "magnífico retirante" ficou com pressa para aprovar uma reforma tributária que apenas aumenta ainda mais a balbúrdia fiscal brasileira, além, é claro, - quem poderia esperar outra coisa? - de acrescentar mais um grande imposto de âmbito federal ao já numeroso elenco deles, o que vai seguramente resultar em aumento ainda maiór da carga tributária.
Em artigo reproduzido a seguir, que me foi gentilmente enviado por um de meus correspondentes internáuticos, o tributarista Ives Gandra Martins analisa de modo suscinto mas brilhante essa reforma, que melhor se poderia chamar de maracutáia tributária proposta pelo insígne (des)governante. Talvez esteja com pressa para ter como arrancar mais grana do povo, particularmente das classes que trabalham, prevendo que a tal "marolinha" vai fazer estragos muito grandes justamente em seus últimos dois anos e ameaçar o "brilho" de sua imagem para as próximas eleições. Sim, porque alguém duvida que êle tenha a intenção de ficar? De insígne (des)governante vai ser promovido a insígne ficante.
E para ficar quer fazer uma reforma política de última hora, a qual, como bem tem advertido o jornalista Carlos Chagas, terá como ponto central "mudar o regime", acabando com a reeleição e estabelecendo mandatos mais longos para presidente, governadores e prefeitos, - mudança essa que inventarão ser "apagatória", ou seja, que apagará tudo o que ficou para trás e permitirá a todos, particular e principalmente ao insígne ficante, concorrer sem qualquer problema porque afinal "o regime mudou".
Cada insígne ficante tenta resolver o problema a seu modo. O Chávez, na Venezuela, está de novo tentando perpetuar-se no poder, com outras maracutáias pseudo-eleitorais. O Morales, na Bolívia, já deu um jeito na constituição que o impedia de perpetuar-se no poder. O insígne ficante vai tentar a seu modo no Brasil, com essa "reforma política", perdão, maracutáia política. Aposto que combinaram que o que for bem sucedido ensinará ao outro como fazer o truque, perdão mais uma vez, dar o golpe "de mestre".
Quem viver verá. Os aposentados, nesse ponto, levam alguma vantagem, porque muitos já terão partido para melhor quando essas coisas aconteceram, já que estão chegando ao fim das suas picadas. Essa é, seguramente, a única vantagem que ainda têm e que ninguém, nem mesmo o insígne ficante, pode lhes tirar. Vejam o artigo do Gandra Martins:

Considerações sobre a reforma tributária :: Ives Gandra Martins 02/12/2008professor de direito e escritor
Nada obstante todo o louvável esforço do deputado Sandro Mabel para melhorar o confuso projeto de reforma tributária enviado pelo governo federal ao Congresso – foram muitas as modificações positivas – dúvidas remanescem. De início, tem-se a impressão – detectada entre todos os tributaristas de prestígio do país – que haverá aumento de carga tributária. Ganha a União Federal um novo imposto (IVA) incidente sobre todas as operações de circulação de bens e serviços, que será o mais importante imposto de seu elenco, abrangendo operações sobre bens e serviços, com espectro muito mais abrangente que o IPI, ICMS e ISS – que serão mantidos. Continua, por outro lado, a ter o direito de gerar quantas contribuições desejar, por força do artigo 149 da C.F., além daquelas mencionadas no parágrafo 4º do artigo 195. Não equaciona, outrossim, o problema dos estados, não havendo, fora as linhas gerais do projeto, textos capazes sequer de sinalizar um roteiro para a aplicação do novo ICMS, dos seus fundos de desenvolvimento e equalização ou do funcionamento do Confazão, que obrigará todos os estados a terem a mesma regulamentação, não feita por legisladores, mas por funcionários das secretarias dos estados do país. É que, por mais abrangente que venha a ser a lei complementar, será sempre insuficiente para efeitos de regulamentação. Sofre, o projeto, se não bastasse, a pressão de muitos estados, que são contrários à reforma neste momento. O governo deve pensar em sair da crise, que é grande, e para a qual ainda não conseguiu definir um plano estratégico capaz de minimizar os seus efeitos. Não desesperadamente, sem textos, projetos ou propostas regulamentadoras, insistir numa reforma que, em tese sendo para simplificar, tem mais dispositivos constitucionais do que todos os sistemas constitucionais tributários de todos os países civilizados ou emergentes da atualidade. Se aprovada, sua implantação seria extremamente complexa. Poder-se-ia ter eliminado o imposto sobre grandes fortunas. Trata-se de tributo ideológico – cadáver tributário em outros países – em face do viés governamental de retirar dos contribuintes que geram desenvolvimento, parte do que lhes tenha sobrado, após a enxurrada de tributos sobre a renda, patrimônio e circulação de bens e serviços. A melhor forma de afastar-se a poupança e o investimento é um tributo com este perfil, que está sendo abandonado em todos os países que o adotaram. Até mesmo na França há movimentos para aboli-lo, como se percebe de estudos de autoria de Rogério Gandra da Silva Martins, Soraya David Monteiro Locatelli, Fátima Fernandes Rodrigues de Souza e Patrícia Fernandes de Souza Garcia, que integram livro coordenado por Paulo Rabello de Castro, meu filho Rogério e por mim (Tributos no Brasil: Auge, declínio e reforma, Fecomércio, 2008). Conseguiu, todavia, o deputado Sandro Mabel colocar no anteprojeto a formulação de um Código de Defesa do Contribuinte, assim como um teto para evitar o aumento da carga tributária, além de outros limites ao poder impositivo. Pessoalmente, por ser contra mais um imposto circulatório – passariam a ser quatro (ICMS, IPI, ISS e IVA Federal) – e a reformulação proposta para o ICMS, gostaria que a reforma fosse aprovada SÓ NOS ASPECTOS POSITIVOS PROPOSTOS pelo deputado Sandro Mabel.