Observador Isento (Unbiased Observer)

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Tuesday, October 05, 2010

O que é barato e o que é caro

Luiz A. Góes
Como decidimos se algo é caro ou barato? Todos os dias temos que tomar esse tipo de decisão, mesmo que frequentemente não o percebamos e efetuemos as compras de que necessitamos "sem pensar", de maneira mais ou menos automática. Quem dispõe de recursos limitados, entretanto, não pode se dar o direito de se comportar dessa maneira, que parece reservada aos mais aquinhoados.

Tudo isso é muito intrigante mas, considerando o que vem acontecendo em nosso redor, o que vem acontecendo conosco, com cada um de nós nos dias de hoje, não é esse importantíssimo tema que desejo abordar. Não parece importar mais, hoje em dia, sabermos dizer o que é barato, ou o que é caro, disponhamos ou não de qualquer têrmo de comparação.
Certa vez alguém observou que barato é tudo aquilo que se pode comprar com dinheiro. Quer dizer: quando se tem muito dinheiro, tudo é barato. Se se tem pouco dinheiro, tudo é caro. Isso se o que se deseja adquirir estiver à venda.
Parece bastante simples essa conclusão, mas atualmente coisas que seria inimaginável comprar há alguns anos são transacionadas com grande frequência, facilidade e, - pasmem! - naturalidade. Compra-se votos, compra-se consciências, compra-se silêncio, compra-se convicções, compra-se justiça, compra-se a moral, compra-se a ética, compra-se princípios, compra-se a honra, compra-se a integridade, compra-se a fidelidade, compra-se a reputação, compra-se a vergonha na cara, compra-se até a verdade. Se se compra, é porque estão à venda. Se se compra, é porque se compra com dinheiro. Se se compra com dinheiro, é porque são baratos, estão valendo pouco, perderam valor, viraram mercadorias desprezadas, desgastadas, esquecidas na poeira do tempo e na estrada da vida, como velhas e gastas sandálias facilmente substituíveis por botinas novas. Qualquer negócio é negócio. Tudo passou a ser aceitável.
A única preocupação parece ser não ser pêgo de alguma forma por inimigos ou desafetos que nos levem a enfrentar tribunais, julgamentos, prisões, ou que nos tomem o que tenhamos conquistado, inclusive a própria vida. Refiro-me a inimigos ou desafetos, gente da mesma categoria, porque a lei, a polícia, a justiça já não preocupam a quem aceita tudo vender dessa forma. Quem vende também compra esse tipo de "artigo".
Assim, tudo aquilo que antigamente dinheiro nenhum podia comprar, hoje se compra facilmente com dinheiro. Nada mais há que não possa ser comprado, porque tudo se tornou barato.
Esse panorama nos reduz à condição de animais, cujo único objetivo é sobreviver, manter-se bem alimentado e com oportunidades de acasalamento que assegurem sua perpetuação através de uma descendência. Os animais perseguem esses objetivos por instinto. E recorrem sem temor a todo e qualquer expediente que lhes permita atingir seus objetivos materiais. E nós?
Nós entramos num processo em que o progresso científico e tecnológico vai colocando à disposição das pessoas novos produtos e confortos com os quais nem de longe sonhávamos há poucos anos. Ao mesmo tempo vamos, de maneira igualmente vertiginosa, renunciando à nossa condição humana, aos valores mais elevados de seres que se consideram superiores, dotados de espírito ou alma, de inteligência e sensibilidade, para adotarmos cada vez mais o comportamento dos animais, recorrendo sem temor a todo e qualquer expediente que nos permita atingir nossos objetivos materiais. Até a perpetuação através da descendência se tornou um desses objetivos materiais, já que a conquista de oportunidades de acasalamento vai se tornando também objeto de negócios em que o dinheiro tem papél preponderante. Pensando bem, acabamos sendo até piores do que os animais, porque temos consciência de tudo enquanto que êles contam apenas com seus instintos naturais.
Em suma: vamos renunciando a tudo o que nos era caro, vamos vendendo tudo barato, em troca de coisas como posição, conforto, prestígio, bens de toda espécie, tudo traduzível, ao fim e ao cabo, em têrmos de dinheiro.
Antigamente (e esse antigamente não faz muito tempo) fazia-se piada de situações geralmente criadas artificialmente para que indivíduos se sujeitassem a fazer certas coisas por dinheiro. "Tudo por dinheiro" era apenas um quadro divertido de certo programa de televisão. Não é mais: é a realidade cotidiana de um número cada vez maiór de pessoas.
Quando nos dermos conta do que estamos fazendo, - e isso sempre acaba acontecendo quando um mal vai longe demais, - seguramente concluiremos que o barato terá saído muito caro.