Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Thursday, February 21, 2013

Como estamos!...

Luiz A. Góes

Deixei passarem alguns dias para ver o quê aconteceria, mas parece até que nada aconteceu nem vai acontecer. E mais: que ninguém sabe de nada. Os jornais não publicaram nada, a imprensa televisiva não mencionou o assunto, as pessoas da vizinhança não ouviram sequer falar. Parece ter sido algo que não se passou.
Mas aconteceu!
No sábado à noite, por volta das oito e meia, meu filho resolveu renunciar a uma ida ao cinema com minha nora a fim de levar meus dois netos para tomarem sorvete numa sorveteria nova do bairro.
Resolvi não ir com êles porque estava com um resto de gripe ou resfriado e por ainda estar curtindo uma dor no pé direito que atribuo ao meu DNA (data de nascimento antiga). Mas minha mulher, que não larga os netos por motivo algum, foi.
Voltaram umas duas horas mais tarde, e meu neto mais velho, de seis anos, foi logo contando que "ali na esquina tem um homem morto na calçada".
Levei um susto enorme e cheguei a pensar que fosse invenção dele, porque, como eu, êle gosta de contar estórias. Mas não era, não. Meu filho entrou em casa aborrecido, reclamando que nem se pode mais levar os meninos para tomar sorvete sem topar com um espetáculo daqueles.
Resolvi fazer algumas perguntas a meu neto, e êle contou que o tal homem estava assaltando uma velhinha quando surgiram, não se sabe de onde, uns quatro ou cinco sujeitos que o espancaram até matá-lo. Perguntei se não tinham chamado a ambulância, e meu neto disse que sim, mas que o pessoal da ambulância não levou o homem porque "ele já estava morto mesmo..."
Minha mulher comentou que talvez, num caso desses, só o Instituto Médico Legal possa remover o corpo da vítima... ou do suposto assaltante. Passou-me pela cabeça que a polícia, que talvez tenha chegado antes da ambulância, ainda tenha encontrado o sujeito com vida mas está proibida de prestar socorro... e que estamos a poucas quadras do Hospital das Clínicas, a ambulància não podia ter demorado muito para chegar.
Um pouco mais tarde, deixamos, minha mulher e eu, a casa de meu filho para irmos dormir em nosso próprio apartamento. Passava pouco da meia-noite e o corpo ainda estava lá, coberto com aquele tipo de papel-alumínio que a polícia usa e guardado por uns quatro policiais. Nem mesmo curiosos havia mais no local.
E isso tudo a uns cinquenta metros do portão de entrada do prédio onde moro.
Há aqui no bairro certo número de habitantes de rua, pedintes ou frequentadores que nos causam preocupação. Há pouco tempo tive que tomar atitude contra um deles, que se aproximou ameaçadoramente de minha mulher exigindo que ela lhe desse dinheiro, Não parecia pedinte, e sim assaltante, mesmo porque era um sujeito forte e bem alimentado, o qual desistiu de ameaçar minha mulher mas, ato contínuo, ameaçou outra, que lhe deu dinheiro para livrar-se dele. Ainda saiu pela rua fazendo chacota e me dizendo palavrões.
Mas esse assaltante da velhinha que foi linchado, talvez tenha sido alguém que perambulava por aqui repetindo a dose periodicamente. Pode ter sido objeto de alguma vingança. Não importa. Qualquer que tenha sido a causa, o linchamento foi um ato de barbarismo.
E me chama a atenção o fato de que o acontecido parece ter sido rigorosamente acobertado, a ponto de não ter sido noticiado pela imprensa, de nenhum culpado ter sido preso, e de ninguém (exceto, talvez algumas poucas testemunhas oculares) sequer saber que algo do tipo aconteceu.
Como estamos!...


Atualização: nem se passaram dez dias e a mesma coisa aconteceu em Porto Alegre: lincharam o morador de rua que teria tentado assaltar um de seus matadores. Mas desta vez a coisa foi filmada por câmara de segurança existente no local (que também existia no caso de S. Paulo), o que me leva a crer que realmente houve um acobertamento no incidente paulista. 

Segunda atualização: escrevi a primeira atualização, acima, há apenas dois dias, e hoje vi no noticiário que ontem mataram a pauladas um morador de rua em Barueri, na Grande São Paulo. Mais adiante, vi no noticiário que terminou o julgamento e condenação do mandante e dois executantes do assassinato de dois moradores de rua no Rio de Janeiro, ocorrido há cêrca de um ano ou pouco mais. Agora só falta o clamor público levar o govêrno de programas a criar bolsa-escolta-armada para moradores de rua e mandar cadastrar todos os moradores de rua do país. Assim, em lugar de se resolver o problema dos moradores de rua, resolver-se-á o dos que vivem de oferecer "proteção" e talvez se oficialize essa prática tradicionalmente exercida pelo crime organizado mundo afora.

Terceira atualização: aos poucos vamos juntando fragmentos de testemunhos a respeito do linchamento do homem na esquina que motivou esta crônica. Um taxista do ponto no outro lado da rua naquela esquina presenciou tudo do assento do motorista em seu carro parado no ponto, e contou (a um passageiro) que o tal homem estava realmente usando a velhinha como refém depois de ter assaltado uma loja, e estava armado. O grupo de sujeitos que o capturou e matou, assim, passa a se parecer com alguma milícia constituida para esse fim. E o absoluto silêncio que parece continuar a ser mantido pela imprensa e pelas autoridades deixa-nos ainda mais perplexos: se já chegamos a esse ponto, estamos muito próximos do cáos total!