Observador Isento (Unbiased Observer)

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Wednesday, September 26, 2012

O Calendário - um resumo histórico

Luiz A. Góes

Neste mês de Setembro de 2012, em que se inicia o ano 5773 do Calendário Judaico, vêm-me à mente numerosas coisas referentes a calendários e à medição do tempo de um modo geral através da história da humanidade. E de quão pouco a maioria de nós, na qual me incluo, sabe a respeito de nosso próprio calendário, hoje chamado Calendário Gregoriano.
O assunto é extremamente vasto e complexo, e nem de longe eu poderia me atrever a pontificar sôbre êle, quanto mais ter a intenção de esgotá-lo: limito-me a algumas observações reunindo informações que me vêm sendo enviadas ou que tenho garimpado ao longo do tempo de maneira mais ou menos casual.

Uma observação mais ou menos constante em todos os calendários conhecidos é que êles têm algo a ver com a fé religiosa do povo que o adotou ou adota. Alguns desses calendários vêm sendo ajustados ou aperfeiçoados através dos tempos, outros permanecem inalterados por razões diversas. É importante observar que ainda não se encontrou uma fórmula para estabelecimento de um calendário que se possa dizer absolutamente exato, de modo que ajustes periódicos são, em princípio, necessários para que se mantenha um mínimo de coerência entre as datas e os eventos naturais que se repetem todos os anos.
Um dos problemas fundamentais de qualquer calendário é o evento, histórico ou não, escolhido para dar início à contagem do tempo, desde alguns milênios dividido em anos embora o conceito de ano tenha variado e ainda varie bastante de um calendário para outro.
No caso do Calendário Judáico, - de que me penitencio saber muito pouco, - perguntei certa vez a um amigo judeu ortodoxo qual foi o evento gerador do início daquele calendário. Respondeu-me que foi a criação do mundo, mas depois de alguns minutos de reflexão corrigiu-se dizendo que talvez tenha sido realmente o nascimento ou a morte de Abraão. Minha pergunta foi devida a pura curiosidade, e recentemente li em algum lugar que o evento gerador do Calendário Judáico foi a criação de Adão e Eva, o que fica mais próximo da idéia bíblica da criação do mundo. Seja como for, é evidente que o Calendário Judáico se baseia em pontos de fé religiosa como a maioria dos demais calendários conhecidos.

Acredita-se que já existiam calendários primitivos dezenas de milhares de anos antes de nossa era, tendo sido encontrados ossos com marcas, que parecem ser registros dos dias transcorridos, datadosde cêrca de 25000 A.C., e pinturas rupestres com características desse tipo datadas de cêrca de 15000 A.C..
O Calendário Egípcio, usado durante milênios pelos antigos egípcios, é um dos mais antigos calendários bem conhecidos, e se baseava em aspectos de certa forma religiosos, porque eram os sacerdotes que o “administravam” e assim comandavam, na prática, toda a vida do Império Egípcio. Os egípcios tinham sua subsistência ligada ao regime do Rio Nilo, que todos os anos apresentava grandes enchentes e inundava vastas áreas às suas margens. As águas permaneciam altas por alguns meses e depois o grande rio entrava em processo de vasante. Assim, os egípcios tinham por conceito que existiam três “estações”: a cheia do Nilo, o período das águas altas, em que faziam as suas plantações, e o período de vasante do Nilo, em que realizavam a colheita. Cada uma dessas “estações” durava cêrca de quatro ciclos completos da lua, e os egípcios entendiam que as quatro fases da lua se repetiam a cada 30 dias, de modo que cada “estação” era dividida em quatro meses de 30 dias. Além disso, dividiam o mês em três “semanas” de 10 dias cada uma.
Assim, as três “estações” decorriam num período de 12 meses, resultando um ano de 360 dias, ao final dos quais os sacerdotes, que também eram os “astrólogos”, ou astrônomos da época, decretavam o início de vários dias de feriados até que se verificasse o solstício de verão, que sabiam identificar com razoável precisão. Com a ocorrência do solstício de verão decretavam o início de um novo ano, e dessa forma iam como que corrigindo o calendário todos os anos, passando de um calendário lunar para um calendário mixto lunar e solar, seguramente percebendo que o fator mais importante era a energia solar que propiciava os fenômenos de que se valiam para produzir os alimentos que os mantinham durante todo o tempo. Esse sistema fazia com que o Calendário Egípcio, já naquele tempo, tivesse anos de 365 ou 366 dias aproximadamente.
O Calendário Egípcio foi sendo como que copiado pelas demais civilizações da Europa e do Oriente Médio da época, dando origem aos calendários usados pelos babilônios, pelos gregos e pelos romanos, entre outros. Por volta do ano 1000 A.C. os babilônios tinham desenvolvido seus conhecimentos astronômicos a ponto de perceberam uma diferença fundamental entre os astros do firmamento: notaram que a grande maioria dos astros era “fixa”, mas havia alguns poucos que “se moviam”. E assim surgiu o conceito de estrelas (que, segundo os babilônios, não se movem) e planetas (que se movem). Novamente eram os sacerdotes os astrônomos babilônicos, e assim os planetas foram considerados deuses que deviam ser reverenciados de forma permanente e repetida. Essa conceituação deu origem à semana de 7 dias, porque eram sete os “planetas” que os babilônios conheciam: o sol, a lua, marte, mercúrio, júpiter, vênus e saturno.
O sol, para os babilônios e egípcios o deus dominante, deu origem ao domingo, do latim “dominus”, ou deus. Em português ainda percebemos o nome do sábado, derivado de saturno, e temos o domingo, mas os outros dias da semana têm uma nomenclatura que se desgarrou dos nomes antigos dos dias da semana. No entanto, em outros idiomas aqueles nomes são bem identificáveis. Tomando os nomes em espanhol como exemplo, temos: domingo (sol), lunes (lua, segunda-feira), martes (marte, terça-feira), miércoles (mercúrio, quarta-feira), jueves (júpiter, quinta-feira), viernes (vênus, sexta-feira), e sábado (saturno). Em inglês, alguns nomes são também explícitos nessa identificação, embora alguns dias tenham nomes que homenageiam outros deuses antigos de religiões célticas e outras: Sunday (sol), Monday (lua), Tuesday, Wednesday, Thursday (talvez tor, deus do trovão), Friday, Saturday (saturno). Em francês, os nomes dimanche, lundi, mardi, mercredi, jeudi, vendredi, samedi são suficientemente semelhantes aos correspondentes em espanhol, dispensando explicações adicionais.
Essa origem como que “independente” da semana de sete dias, ainda hoje adotada em quase todo o mundo, explica a falta de relação numérica entre os número de dias de cada mês, ou o número de dias do ano, e o número de dias da semana. O que é interessante observar é que a semana de sete dias continuou a ser adotada mesmo com todas as modificações e aperfeiçamentos que o calendário vem recebendo apesar de constituir uma espécie de “estorvo” nesse calendário. Até mesmo o Calendário Judáico, tido como mais antigo do que o babilônico, adota a semana de 7 dias. Especulou-se que como as fases da lua se sucedem realmente a cada 28 dias (em realidade talvez 29,5 dias), alguém pode ter achado que o número 7, divisor de 28, seria mais adequado para a duração da semana. De minha parte, acho que se trata de mera coincidência, mesmo porque o único mês com 28 dias é fevereiro, e assim mesmo em nem todos os anos.
No Império Romano o calendário foi objeto de numerosas modificações ao sabor de acontecimentos e vontades de seus governantes, até que, no ano 46 A.C., Julio César resolveu dar um paradeiro àquela situação e mandou reorganizar e estabelecer o que ficou conhecido como o Calendário Juliano, o qual permaneceu em uso até o século XVI e ainda é adotado por certos povos. Antes do Calendário Juliano o calendário romano tinha 10 meses, mas às vezes 11 ou 12, com meses adicionais inseridos para corrigi-lo, e a confusão que se estabelecia todos os anos era grande. Já o Calendário Juliano permitiu uma certa “estabilidade” do calendário por longo tempo: algumas das principais modificações que sofreu referiram-se aos nomes dos meses, tendo sido o próprio Júlio César homenageado com o nome do mês de julho, e seu sucessor, o imperador Augusto, com o nome do mês de agosto. O Calendário Juliano tinha doze meses, mas os nomes dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro ainda guardam relação direta com os quatro últimos meses do calendário romano de 10 meses anterior ao Juliano.
O Calendário Juliano continha evidentes imperfeições e a falta de mecanismos de correção fez com que essas imperfeições fossem se acumulando a ponto de as distorções se tornarem um enorme empecilho a numerosas atividades humanas. Assim, no ano de 1581 o Papa Gregório XIII tomou a iniciativa de mandar efetuar estudos detalhados para corrigir as imperfeições do Calendário Juliano com base em recomendações dos astrônomos da época, surgindo daí o nosso calendário atual, conhecido como Calendário Gregoriano.
Nessa ocasião já se vinha corrigindo tentativamente o Calendário Juliano com a inserção de um dia a mais a cada 4 anos, porque se acreditava que a duração do ano solar era de 365,25 dias. A falta de coincidência de datas de equinócios e solstícios com o que se deveria esperar nas datas do calendário, porém, mostravam que alguma correção se impunha. Note-se que essa prática de inserir um dia a mais a cada 4 anos é bem anterior ao Calendário Gregoriano. Os anos com um dia a mais, e portanto com 366 dias em lugar de 365, já eram, desde então, chamados de bissextos, devido à presença de dois algarismos 6 no número de dias desses anos.
O que se concluiu dos estudos efetuados no pontificado de Gregório XIII foi que o ano era, em realidade, mais curto do que 365,25 dias, tendo sido calculado que tinha realmente 365,242199 dias, uma diferença igual a 1 dia a cada 128 anos. Pelo calendário em vigor na época já se acumulavam 10 dias de diferença e uma correção imediata se impunha, além da necessidade de se criar mecanismos capazes de impedir que as diferenças voltassem a se acumular.
Assim, em 1582 o papa Gregório XIII introduziu a reforma do calendário sob orientação do astrônomo jesuíta alemão Christopher Clavius (1538-1612), publicada na bula papal Inter Gravissimas (1582), instituindo o Calendário Gregoriano. As modificações foram adotadas de imediato nos países de tradição católica e suas colônias, como Portugal, Itália, Espanha, França, Polônia, Hungria, mas em outros, onde o protestantismo era forte, sua aceitação não foi simultanea. A lenta adesão de outros países ao Calendário Gregoriano levou alguns séculos e foi exigindo ajustes adicionais, listados mais abaixo.
A bula papal Inter Gravissimas (1582) continha as seguintes correções e regras, ainda válidas atualmente:
a) subtração de 10 dias do ano (1582), para recolocar o Equinócio Vernal em 21 de março: o dia seguinte a 4 de outubro, uma quinta-feira, passou a ter a data de 15 de outubro, uma sexta-feira.
b) introdução da regra de que anos múltiplos de 100 não são bissextos a menos que sejam também múltiplos de 400;
c) o dia extra do ano bissexto passou de 25 de fevereiro para o dia imediatamente após 28 de fevereiro;
d) o primeiro dia do ano passou a ser 1° de janeiro.
Como dito acima, foram efetuadas depois várias correções adicionais a fim de harmonizar o Calendário Gregoriano, das quais menciono as seguintes, citadas em página da Wikipedia:
a) Até Março de 1700: 10 dias omitidos (como em 1582; 1600 foi ano bissexto);
b) De Março de 1700 a Fevereiro de 1800: 11 dias omitidos (não existiu o dia 29 de Fevereiro de 1700);
c) De Março de 1800 a Fevereiro de 1900: 12 dias omitidos (não existiu o dia 29 de Fevereiro de 1800);
d) De Março de 1900 a Fevereiro de 2100: 13 dias omitidos (não existiu o dia 29 de Fevereiro de 1900; 2000 foi, porém, bissexto).
As mudanças do calendário modificaram apenas as datas e não os dias da semana. Por exemplo: a quinta-feira, 4 de Outubro de 1582, é seguida da sexta-feira, 15 de Outubro.
Como se vê, o Calendário Gregoriano, mesmo tendo conseguido uma aproximação sem precedentes ao ano solar, continua a ser ajustado até os dias atuais. E é atualmente adotado por praticamente todos os países do mundo para efeitos comerciais e internacionais.
Mas os cismas – autodenominados Igrejas Ortodoxas – da Rússia, Servia e Jerusalém, por exemplo, continuam se guiando pelo velho Calendário Juliano. Por isso êles celebram 13 dias depois do resto do mundo festividades religiosas fundamentais cristãs, como o Natal, comemorando-o não em 25 de dezembro, mas em 7 de janeiro. E a disparidade tende a crescer, deixando os cismáticos, além disso, de acompanhar os ritmos das estações.
Consta-me que os muçulmanos adotam um calendário lunar, que confesso desconhecer, mas que é importante porque o mundo islâmico abrange atualmente parte bastante significativa da humanidade. Além disso existem, evidentemente, vários outros calendários com origens ou usados por povos diversos não judaico-cristãos, os quais deixo de mencionar aqui. Como dito no início deste ensaio, o assunto é demasiado vasto e dá oportunidade a numerosos estudos e averiguações.

Para não me alongar demais, deixo para um próximo ensaio a análise da data escolhida para o início da contagem do tempo no Calendário Gregoriano, que foi a do nascimento de Jesus Cristo (no Calendário Juliano, estabelecido antes do surgimento de Cristo, essa data foi ignorada por longo tempo). Essa análise mostrará que mesmo o Calendário Gregoriano incorreu em prováveis êrros de origem, hoje a meu ver insanáveis.