Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Sunday, March 22, 2009

Fraudes com urnas eleitorais

Luiz A. Góes

Já estamos, oficialmente ou disfarçadamente, em plena campanha eleitoral, e sempre se reacende, nessa época, a discussão a respeito da confiabilidade das chamadas urnas eletrônicas.
De fato, diversos depoimentos e acontecimentos têm mostrado que provavelmente ocorreram fraudes nas eleições em que as referidas urnas foram usadas, e o problema se torna ainda mais agudo quando se constata que existem partidos e grupos dispostos a ganhar as eleições de qualquer maneira, - mesmo porque ganhar, conquistar ou manter o poder, é, para êles, a única coisa que importa.
Resultados totalmente inesperados, por exemplo, costumam despertar muita desconfiança quanto à lisura das eleições com as urnas eletrônicas, porque contrariam totalmente qualquer lógica existente nas tais pesquisas eleitorais, hoje praticadas em grande número, as quais costumam aproximar-se relativamente bem dos resultados reais nas semanas e dias que antecedem as eleições.
No mundo todo os sistemas eletrônicos vêm sendo usados mais e mais em nossos dias, pelos govêrnos, pelas empresas, pelas fôrças armadas, pelos bancos, pelas igrejas, por todo mundo, enfim. E esses sistemas precisam ser protegidos contra a intrusão dos chamados "hackers", com objetivos os mais diversos, como praticar roubos, obter informações para fins diversos, ou simplesmente causar dano, e essa proteção é conseguida, na maioria dos casos, com o uso dos chamados "programas anti-vírus", - mas isso nem sempre é satisfatório porque os "hackers" estão constantemente inventando novas maneiras de invadir, novos vírus, que sempre levam algum tempo para serem "decifrados" e neutralizados.
No caso dos govêrnos e fôrças armadas, por exemplo, a questão é ainda mais grave quando se pensa que govêrnos e fôrças armadas inimigos ou adversários têm interêsse permanente em invadir os sistemas eletrônicos de seus oponentes.
É claro que tudo pode ser violado: é apenas uma questão de tempo. Não é por outro motivo que os sistemas que exigem maiór segurança são criptografados, ou cifrados, e as chaves dos sistemas criptográficos precisam ser trocadas com frequência, que é o que fazem todas as entidades que lidam com o assunto: hoje a criptografia constitue uma ciência complexa, e seus profissionais mais bem treinados são muito procurados e regiamente remunerados.
O problema está exatamente em controlar quem é encarregado de cuidar da criptografia, de controlar as chaves, os segredos, para impedir que intrusos invadam os sistemas.
No caso de urnas eleitorais, muitos são os modos pelos quais os resultados podem ser fraudados, e isso tem acontecido frequentemente ao longo do tempo. Os brasileiros só podem ter uma pálida idéia disso, porque conhecem um único tipo de urna eletrônica, - pois são milhares os tipos de "máquinas de votar" já usados ou ainda em uso pelo mundo afora.
Mas o interessante é que as fraudes mais frequentes são como que alheias ao sistema. Por exemplo: comenta-se que a "vitória" de Bush na Flórida (estado que decidiu a eleição) em 2000 foi fraudada em grande parte impedindo que eleitores chegassem aos locais de votação nos distritos sabidos predominantemente democratas. Isso foi conseguido fazendo com que a polícia organizasse "batidas" no trânsito em determinados locais-chaves a títulos diversos, provocando engarrafamentos que imobilizaram os eleitores, - muito embora não tenha havido como caracterizar esses eventos como ligados às eleições. Em outros locais, máquinas de votar mais antigas facilitaram "êrros" sistemáticos que levaram os votantes a escolherem os candidatos que queriam derrotar em lugar dos que queriam eleger (um distrito da Flórida habitado predominantemente por judeus deu a vitória a um candidato que é visto como anti-semita: isso só pode ter sido resultado da precariedade, para dizer o mínimo, das máquinas de votar em uso naquele distrito naquela eleição). Nenhuma dessas fraudes pode ser classificada como fraude eletrônica.
Vi há dias um comentário sôbre eleição na França em que os votantes, tendo que se manifestar a respeito de determinado assunto, votaram equivocadamente "sim" pensando que estavam aprovando, porque a maneira como a pergunta foi feita exigia votar "não" para aprovar em lugar de "sim". Quer dizer: a pergunta a responder foi feita de forma maliciosa, e não se pode dizer que a fraude foi eletrônica. (Não conheço o caso do plebiscito na Venezuela que deu ao Chávez a vitória quanto às reeleições repetidas, tendo sido derrotado há apenas um par de anos quanto ao mesmo assunto, mas a maneira de fazer a pergunta, provavelmente de forma maliciosa, deve ter levado os eleitores a lhe darem a vitória sem que se possa dizer ter havido fraude, além de ter havido massiva "abstenção", que seguramente influiu bastante sôbre o resultado.)
No Brasil já foram constatados vários casos de problemas com as urnas eletrônicas, parte dos quais talvez tenham constituido fraudes. Mas em têrmos mais amplos as urnas eletrônicas contribuiram para diminuir as fraudes porque no sistema antigo, de cédulas de papel, as fraudes eram praticadas principalmente na apuração, quando os candidatos eram eleitos "no mapa", com os anotadores, pagos pelos interessados, anotando erradamente os votos "cantados" pelos apuradores nos "mapas de apuração". Por mais rigorosa que fosse a fiscalização, os anotadores sempre conseguiam burlá-la.
Nos EUA, devido aos problemas das eleições de 2000 e 2004, as máquinas de votar antigas estão sendo substituidas por urnas eletrônicas bem mais modernas, as quais tendem a assegurar resultados bem mais corretos porque cada urna tem os seus resultados fechados pelos próprios mesários assim que a votação é encerrada, diante dos fiscais dos diversos partidos ou candidatos e com emissão de relatórios escritos.
(No Brasil, foi constatado que os mesários frequentemente burlam os resultados "votando" em massa no lugar de eleitores ausentes no período de poucos minutos quando se aproxima o término do horário de votação. Esse tipo de fraude exige rigorosa fiscalização urna por urna para ser coibido, e se trata de fraude que pode ser praticada em qualquer lugar do mundo, principalmente naqueles lugares onde o voto não é obrigatório e o número de abstenções é grande. E se trata de fraude altamente malígna, porque a única forma de corrigir quando se a constata, - por exemplo pegando o delinquente em flagrante delito, - é anulando a urna, prejudicando assim, e talvez ainda mais, os candidatos contra os quais o delito tenha sido praticado.)
Em suma: não existe sistema cem por cento seguro, e fiscalização rigorosa por parte dos partidos e candidatos continua a ser a chave para se conseguir eleições razoavelmente limpas.

Saturday, March 14, 2009

Um falso dilema

Luiz A. Góes

O bicentenário do nascimento de Charles Darwin, célebre autor do polêmico livro "A Origem das Espécies" e vários outros, motivou vários escritores, jornalistas, professores e outros intelectuais a se manifestarem mais uma vez a respeito das idéias desse famoso naturalista.
Lendo os diversos artigos publicados na imprensa, constatei que em princípio ninguém consegue ficar neutro em relação a Darwin: uns se colocam francamente a favor, enquanto outros se manifestam totalmente contrários aos seus ensinamentos. Muito poucos mostraram algum equilíbrio, e tudo porque Darwin, como disse o professor Francisco Borba Ribeiro Neto(*) em seu artigo "Darwin e a Filosofia", "mostrou os limites de uma interpretação literal da Bíblia … e de um ‘deus das lacunas’, invocado para explicar, de forma quase mágica, as lacunas em nosso conhecimento sôbre a realidade".
O que se acende nesse momento do bicentenário de Darwin é o velho antagonismo entre os criacionistas e os evolucionistas, aqueles acreditando literalmente no relato bíblico da criação do homem por Deus, e êstes convictos de que a espécie humana, como as demais espécies animais, é o resultado de um processo evolutivo ao longo de milhões de anos a partir de alguma forma primitiva de vida.
Em nome dessa diferença de modos de ver, Darwin acabou recebendo, em seu bicentenário, homenagens e também injúrias. Houve quem o chamasse de plagiador, copiando idéias de pensadores mais antigos, de ter idéias escorregadias, de ter sido cara-de-pau, de ter defendido idéias genocidas, e por aí afora.
Em realidade, no passado numerosos homens de ciência foram sacrificados ou silenciados por motivos semelhantes, quais sejam o de divulgarem idéias conflitantes com interpretações literais da Bíblia, idéias essas hoje amplamente aceitas e não mais sujeitas a qualquer discussão. Basta mencionar como exemplo o caso de Galileu para se ter uma idéia de como a visão das coisas muda à medida que a ciência vai ampliando os horizontes do conhecimento humano. Estão na mesma categoria muitos fenômenos outrora tidos como sobrenaturais, aí incluidos muitos classificados como milagres, que o conhecimento científico aos poucos vai mostrando tratar-se de coisas naturais perfeitamente explicáveis. Povos antigos consideravam sobrenaturais, por exemplo, o trovão, o ráio, e adoravam os seres moventes do firmamento, que consideravam deuses, em contraposição aos fixos, que são as estrelas. Hoje sabemos que em realidade todos esses corpos se movem, mas na época, incapazes de percebê-lo, os astrólogos, que eram os astrônomos daquele tempo, estabeleceram a suposta distinção da qual se derivou a crença naqueles deuses.
Poderíamos ficar citando exemplos infindavelmente, porque são muito numerosos e se espalham por praticamente todos os ramos do conhecimento humano, mas acredito que os citados bastam para se ver que à medida que a ciência vai removendo os véus que impedem a visão clara da realidade objetiva, a maneira de ver as coisas precisa ir se adaptando correspondentemente.
Darwin sabia que suas idéias evolucionistas iriam causar polêmicas e problemas, e por isso, homem religioso que era, retardou a publicação de seu famoso livro por cêrca de vinte anos, durante os quais apenas discutiu o assunto com alguns poucos cientistas que como êle se interessavam pelas evidências de que todas as espécies existentes tinham que ter resultado de processos evolutivos. Quando finalmente publicou o livro, viu-se como que marginalizado de suas atividades religiosas e execrado como herege, embora não tenha sofrido as punições e restrições que Galileu e outros tinham sofrido em séculos anteriores.
Tenho por princípio não discutir religião, porque qualquer religião baseia-se necessariamente em fé, e fé é coisa de caráter subjetivo e puramente emocional, não admitindo discussão ou o questionamento contraditório que é a base do desenvolvimento científico. Respeito todas as religiões bem intencionadas, mas acho que tenho que discordar de todas elas no único aspectos em que são totalmente semelhantes entre si: cada religião acha que é a única certa e que todas as outras são erradas. Não acredito que alguém possa ter certeza absoluta de nada, e que se existe um Deus, sua existência não depende dessas divergências de visão dos homens, caso contrário não seria Deus.
Por isso acho que a interpretação literal da Bíblia ou de qualquer outro texto religioso precisa ser levada a efeito considerando o sentido metafórico desses textos, mesmo porque nenhum deles conta com corroboração histórica do ponto de vista científico para os acontecimentos que tenham tido lugar há mais de uns três mil anos. Achar, por exemplo, que realmente existiram os dez patriarcas mencionados na Bíblia que teriam vivido vidas longas de muitos séculos, como Matusalém, que teria vivido 900 anos, e Noé, que teria passado dos 1000 anos, foge a qualquer lógica, mesmo porque depois da fase dos patriarcas a Bíblia passa a ser mais parcimoniosa, atribuindo a Abraão e a Moisés, por exemplo, cêrca de 150 anos de vida, e mais adiante ainda menos aos personagens subsequentes. Parece-me claro que se trata de metáforas.
Assim, a leitura que faço da criação do homem por Deus como descrito na Bíblia é mais ou menos a seguinte: a Bíblia diz que Deus criou o homem moldando-o à sua semelhança com o barro da terra, e que depois soprou sôbre êle para dar-lhe vida.
Como não havia ninguém que pudesse testemunhar esse evento a não ser o próprio homem, entendo que a menção ao uso do barro da terra como matéria-prima significa que o homem é produto da terra, e a imagem e semelhança de Deus mencionada na Bíblia é apenas a única imagem que homens poderiam atribuir a Deus, e não o inverso, porque de novo ninguém que esteja vivo realmente sabe qual é a verdadeira imagem de Deus.
Como exatamente o homem é proveniente da terra é outro ponto que não temos como imaginar: o instante mencionado na Bíblia pode muito bem ter sido o processo evolutivo de milhões de anos, que para Deus, ou para a duração do universo, não representa nada, embora para cada um de nós individualmente seja um tempo muito longo.
O que distingue o homem dos demais animais é essencialmente o fato de que o homem desenvolveu a capacidade de transmitir idéias complexas de indivíduo para indivíduo, a capacidade da linguagem, o que o habilitou a desenvolver tudo o mais e o tornou o que chamamos de homem civilizado. O sopro divino que transformou o homem proveniente da terra no homem idelizada na Bíblia pode bem ter sido o desenvolvimento da capacidade da linguagem.
A fala humana é, evidentemente, mais importante do que a própria forma física dos humanos, e esse sopro divino correspondeu, segundo entendo, à verdadeira criação do homem como ser distinto e acima de todas as demais espécies.
Talvez o dilema entre criacionismo e evolucionismo seja apenas um falso dilema.
(*) Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.