Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Friday, March 23, 2012

Pajelanças

Luiz A. Góes

Quando menino, ainda na escola primária, aprendi que o feiticeiro da tribo se chamava pajé, e que era uma espécie de mago, mágico, sacerdote, feiticeiro, curandeiro, o qual, entre outras coisas, curava os doentes por meio de procedimentos chamados de pajelanças. Seja como for, e deixando qualquer discussão de tipo religioso de lado, sempre soube que pajelança era coisa de índios e suas crendices.
Há um par de décadas, e depois de muito tempo sem ouvir qualquer menção sôbre pajelanças, fomos todos surpreendidos pelo caso de um naturalista famoso e conceituado que tinha sido envenenado por um tipo raro de sapo que havia descoberto e com o qual inadvertidamente tivera algum tipo de contacto físico. O tal cientista vinha lutando com o problema por vários anos e o caso ganhou as manchetes dos jornais quando foi anunciado que iria recorrer a uma pajelança para se curar. Fizeram vir vários pajés não sei de onde e, depois de um procedimento que não sei se foi registrado de alguma forma, o paciente declarou que se sentia muito melhor e estava a caminho da cura. Entretanto, morreu pouco depois, como seguramente era esperado, porque não se conhecia qualquer antídoto para o veneno do tal sapo.
Está circulando pela Internet um artigo ou mensagem dizendo que Alzheimers se cura com côco, ou água de côco. Imagino que se trata de um embuste, mesmo porque, se fosse tão fácil, seguramente os pesquizadores que trabalham nesse assunto já teriam dissecado completamente o processo de cura, descoberto o princípio ativo da substância medicamentosa contida no côco, e iniciado programas de testes como geralmente acontece nesse tipo de coisa. A mensagem descreve um caso em que teria havido melhoras produzidas pelo uso do côco por um paciente, mas fiquei com a impressão de que se trata de mais um desses casos em que o "pensamento esperançoso" (“wishful thinking”, em inglês) substituiu a objetividade. (Não vamos excluir a possibilidade de o paciente realmente ter apresentado alguma melhora, mesmo porque fatores psicológicos podem agir e influenciar em muito o quadro geral.)
Lembrei-me do caso de um espírita que tinha câncer em estágio terminal e foi a uma cidade do interior onde havia, na época, um tal de Padre Donizetti que diziam estar fazendo milagres. O homem voltou se dizendo curado, mas faleceu algum tempo depois como os médicos tinham previsto. Talvez a bênção que recebeu lhe tenha dado ânimo para continuar sua luta pela vida, mesmo sendo êle espírita e o sacerdote católico.
Se der tratos à bola serei capaz de me lembrar de vários outros casos desse tipo: periodicamente surgem “descobertas” feitas por pessoas interessadas em ganhar uns cobres, seja vendendo alguma coisa ou coletando contribuições, como fazem as igrejas “evangélicas” que em realidade são máquinas de arrecadar dinheiro. Os exemplos são numerosos.
Não faz muito tempo que circulou, também pela Internet, mensagem a respeito de um médico italiano que disse curar câncer com bicarbonato, - divulgando uma teoria segundo a qual câncer seria causado por infestação por fungos. Muita gente pode ter se entusiasmado com essa idéia, mas o tal médico foi suspenso do exercício da profissão pelas autoridades italianas. Evidentemente a confusão entre infestação por fungos e câncer, que implica em mutação de células, foi longe demais.
Essas histórias, ou estórias, parecem relatos de verdadeiras pajelanças, e têm mais a ver com fatores psicológicos que afetam os pacientes em seu desespero e sua ânsia por alguma esperança de cura, - mas pouco diferem das pajelanças dos indígenas.
Para manter o paciente com esperança, tudo vale, evidentemente. Promessas de curas milagrosas, poções misteriosas, benzimentos, pajelanças, tudo enfim.
Fui testemunha de um caso interessante do tipo pajelança na cidade de Campinas quando lá trabalhei, há várias décadas, numa fundição. Ainda muito jóvem e recém-formado, eu andava de ônibus, porque nem de longe podia pensar, àquela altura, em ter um veículo próprio. E no ponto em que costumava tomar o ônibus para voltar à pensão em que residia próximo ao centro da cidade encontrava frequentemente um cidadão curioso, sempre muito bem vestido com um impecável terno branco de linho e um chapéu do tipo Panamá, e ostentando um leve sorriso. Costumava me cumprimentar com um toque na aba do chapéu, o que me intrigava, e ainda mais intrigado eu ficava quando, após embarcarmos no ônibus, eu o flagrava confortavelmente sentado apesar de ter ficado para embarcar depois de todos os demais passageiros que aguardavam no ponto e o ônibus estar lotado e com grande número de passageiros em pé.
Passei a observar mais atentamente o tal homem, e vi que logo que embarcava invariavelmente alguém lhe cedia o lugar, - gente de todas as idades e de ambos os sexos: o sujeito tinha um misterioso prestígio e gozava de respeito junto à população, - pelo menos junto à população daquela parte da cidade.
Eu costumava comer um jantarzinho fraco e barato na própria pensão, mas almoçava nos arredores da fundição, procurando também encontrar lugares baratos para isso. Certo dia um de meus auxiliares imediatos me convidou para experimentar uma nova pensão que tinha começado a oferecer refeições nas proximidades. Como o preço e a qualidade da comida estavam dentro dos limites do aceitável, passei a frequentar aquele lugar para almoçar. Notei que se tratava de uma família com certa educação pela maneira de falar e de tratar com os freguezes.
Um belo dia, uma das mulheres daquela pensão veio me perguntar se eu estava satisfeito com a comida que comia, se tinha alguma sugestão, etc, etc. Esticando a conversa ela me contou que a família tinha se mudado de algum lugar em Minas Gerais para Campinas porque o pai dela, bastante idoso e doente, sem poder andar por causa de um fêmur quebrado e acometido de outros males que o tinham colocado na lista dos chamados “desenganados” pelos médicos, tinha pedido para voltar a Campinas, sua cidade natal, para nela morrer.
E a tal mulher disse então que a volta para Campinas tinha produzido um verdadeiro milagre, porque tinham conhecido um cidadão que visitava o velho homem e fazia umas “orações fortíssimas” que o estavam livrando do “ar nas veias” que o estava matando. Curioso, eu quiz saber mais detalhes das tais “orações fortíssimas” do tal cidadão, e descobri que elas eram acompanhadas por chícaras de um misterioso chá que o sujeito trazia e preparava ali mesmo para o velho tomar. Deduzi imediatamente que o importante da história era o tal chá: o sujeito devia ser perito na primitiva medicina das ervas. Mas o mais surpreendente foi que a descrição do tal cidadão coincidia exatamente com o visual do homem do ponto de ônibus. Seguramente o seu prestígio era proveniente das suas “orações fortíssimas” com as quais andava curando o povo da região.
Em sua descrição do indivíduo aquela mulher o chamava pelo nome, e assim vim a descobrir que o tal curandeiro era um de meus subordinados na fundição: eu tinha sido incapaz de perceber porque estava acostumado a vê-lo trabalhando com roupas velhas e muitas vezes rasgadas, todo sujo de poeira e carvão, sem chapéu e sem nada mais que pudesse me dar alguma pista além de sua estatura, porque era mais alto do que a média do pessoal da fábrica. Seus companheiros sabiam de suas atividades como curandeiro e mencionaram que êle estava “bem de vida”, porque suas pajelanças lhe rendiam bastante em dinheiro e presentes que seus freguezes e admiradores lhe davam.
Nunca descobri como fazia para se transformar, no final do dia, naquele sujeito bem vestido, limpo e bem apessoado que via no ponto do ônibus. E sempre me intrigou o fato de êle não parecer interessado em ter uma condução própria, já que diziam que tinha meios suficientes, além de continuar trabalhando na fábrica como operário num ambiente quente, poeirento e desconfortável todos os dias.
O Brasil, carente de médicos e outros profissionais de saúde, de hospitais, de equipamentos, de medicamentos e de tudo mais que a população necessita pelos grotões afora, com toda certeza se apóia amplamente nesses curandeiros e suas pajelanças. E os grotões, aparentemente tão longínquos quando se fala neles, podem estar bem debaixo de nossos narizes, como constatei naquela ocasião em Campinas, segunda cidade do Estado de São Paulo, o mais rico e próspero do país.

Wednesday, March 21, 2012

Justiça Tardia

Luiz A. Góes

Justiça tardia é justiça inexistente.
Êste caso (veja abaixo - da página do Claudio Humberto de 16/03/2012) é ilustração absoluta disso.
Outro exemplo gritante foi a recente decisão do STF sôbre a inconstitucionalidade das MPs que não foram avaliadas inicialmente por comissão conjunta da Câmara e do Senado (motivada pelo caso do Instituto Chico Mendes), decisão essa que o STF teve depois que "reformar" e dizer que "só daqui para a frente" o requisito terá que ser satisfeito.
É célebre ainda o caso do bairro do Braz, em São Paulo, cujo território foi usurpado a uma família há muitos anos e ilegalmente loteado e vendido sob escrituras públicas ilegítimas, ou ilegais: recentemente os tribunais deram ganho de causa aos herdeiros da tal família, mas a sentença se revelou inócua porque não há como anular tudo o que já se passou desde então naquela parte da cidade.
Na Amazônia vem ocorrendo há décadas o registro de escrituras falsas, grilagem de terras e muitas outras ilegalidades propiciadas pela frouxidão das leis e inexistência de justiça que funcione de fato: a maioria das demandas não chega a ser julgada, e os cartórios registram qualquer coisa sob a alegação de que "a responsabilidade deles é de registrar apenas, ficando a veracidade do que registram sob a responsabilidade dos declarantes". Assim, chegam a aceitar como declarantes pessoas que se apresentam em lugar até de pessoas já falecidas, as quais "conseguem" registrar transações até anos depois de terem morrido. Sem contar com as vendas repetidas da mesma propriedade pelo mesmo proprietário e tantas outras. Quando e se resolverem passar aquilo a limpo, não vai sobrar pedra sôbre pedra, o que indica que nunca acontecerá.

16/03/2012 | 12:45

STF julga ação mais antiga da Corte

A ação mais antiga que tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF) foi julgada nesta quinta (15). O processo de disputa de terras em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul aguardou uma sentença por mais de 52 anos. Os ministros reconheceram que a concessão das terras a seis empresas na década de 50 para colonizar a região Centro-Oeste era inconstitucional. Porém, decidiram não pedir a desocupação das terras, visto que nas ultimas décadas, os terrenos doados já foram vendidos, e cidades foram erguidas nos locais. O então procurador-geral da República, que ajuizou a ação em 1959, Carlos Medeiros da Silva, alegou que a doação não poderia ser feita sem a autorização do Senado e teria que ser anulada. O relator do caso, ministro Cezar Peluso, decidiu por manter a situação atual dos terrenos em nome da segurança jurídica, e sua decisão foi acompanhada pelos ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Antonio Dias Toffoli e Cármen Lúcia.