Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Thursday, July 16, 2009

Govêrno tem dinheiro?

Luiz A. Góes

Para respondermos, - nós que não somos versados em assuntos econômico-financeiros, - à pergunta acima, imaginemos, para facilitar a compreensão, o momento em que um país começa a existir. Nesse momento, pelo menos teoricamente, não existe dinheiro, nem economia. Mas existem os bens em poder dos cidadãos, os quais estão limitados a efetuar as transações comerciais que necessitam pelo sistema de trocas. Assim, o sapateiro tem que trocar sapatos por comida, o leiteiro tem que trocar leite por roupas, e por aí vai.
No momento seguinte, os cidadãos resolvem estabelecer uma instituição chamada govêrno para cuidar de certas coisas básicas, tais como a defesa e a segurança do novo país, e o estabelecimento das regras de convivência entre os cidadãos, chamadas leis, ou seja, criam-se o poder executivo e o poder legislativo, criando-se também uma instituição destinada a cuidar da aplicação das leis, o poder judiciário.
A fim de flexibilizar as transações comerciais, o govêrno, pelo seu ramo executivo, cria um documento chamado dinheiro, ou papel moeda, que simplesmente imprime, e induz os cidadãos portadores de certos metais cujo valor se acredita ser imune a variações ao longo do tempo, além de serem imunes a deterioração física, a trocarem seus estoques desses metais por dinheiro.
O govêrno se torna, assim, o guardião do estoque de metais preciosos dos cidadãos, aos quais entregou dinheiro com valor equivalente: cada pedaço de papel chamado dinheiro garante que aquele pedaço de papel será trocado, mediante demanda, pelo seu valor equivalente em ouro (ou prata, ou platina, ou seja, o metal escolhido para ser estocado).
O dinheiro, constituido por notas de valores diversos, geralmente 1, 5, 10, 20, 50, 100, etc, unidades monetárias, e também por moedas fabricadas com metal de pequeno valor para representarem frações diversas da unidade monetária, torna mais fáceis as transações comerciais, porque o sapateiro, por exemplo, pode vender um sapato por certo número de unidades monetárias que guarda no bolso para mais tarde com parte delas comprar leite e roupas, sem necessidade de trocar um par de sapatos por certo número de litros de leite e depois ter que sair tentando trocar por outras coisas de que necessite os litros de leite que tenha adquirido além do número que necessitava no momento.
À medida em que os cidadãos vão efetuando transações trocando bens por dinheiro, cada cidadão passa a ser proprietário de uma parcela do estoque de metais preciosos em mãos do govêrno. E o govêrno, por sua vez, passa a cobrar dos cidadãos uma coisa chamada imposto, ou seja, impõe aos cidadãos a obrigação de pagar ao govêrno uma parte do que ganham com suas respectivas atividades de fabricação de bens, ou de serviços prestados uns aos outros, a fim de remunerar os serviços de defesa, de legislação e de manutenção da órdem legal prestados pelo govêrno aos cidadãos.
É mais ou menos assim, muito simplificadamente, que a coisa começa, que um país e uma economia organizada começam a existir. E até agora tudo o que vimos é que o dinheiro, todo o dinheiro, continua a pertencer aos cidadãos: o govêrno pode ser seu emissor, ou o seu guardião, mas não é o seu dono.
O dinheiro recolhido sob a forma de impostos também continua pertencendo aos cidadãos, devendo ser-lhes devolvido sob a forma de serviços prestados aos cidadãos pelo govêrno. Quer dizer: em realidade o govêrno é empregado dos cidadãos.
Visto desta forma tudo parece muito simples, não é verdade? Mas depois as coisas vão se complicando de muitas maneiras, muitas mais do que podemos imaginar. Citemos apenas algumas, novamente para simplificar as coisas.
Certas pessoas precisam adquirir algum bem ou serviço mas não têm dinheiro suficiente para fazê-lo imediatamente. Se assim mesmo precisam ou desejam adquirir o bem ou serviço imediatamente, elaboram um documento prometendo pagar pelo bem ou serviço mais tarde, com acréscimo de um certo valor como compensação pelo adiamento do pagamento: acaba de ser inventada a nota promissória, e acabam de ser inventados os juros.
Certas pessoas ganham mais dinheiro do que precisam, e outras ganham menos do que precisam. As que ganham mais do que precisam resolvem oferecer seus excessos de dinheiro às que ganham menos do que precisam, mediante uma quantia adicional, os juros, a ser paga pelo que tomou emprestado, quando for devolver o dinheiro ao que o deu emprestado. Acaba de ser criado o banqueiro.
E os banqueiros, com o crescimento do volume de negócios que fazem com dinheiro, acabam empregando auxiliares e constituem a instituição chamada banco. E vão mais além: negociam não só com seu próprio dinheiro, mas começam a negociar principalmente com o dinheiro de outras pessoas que ganham mais do que precisam mas não se interessam em se tornar banqueiros. Essas pessoas emprestam aos bancos, ou aos banqueiros, mediante o mesmo tipo de compensação já citado, os juros, só que a juros menores do que o que os banqueiros cobram das pessoas que lhes tomam dinheiro emprestado.
O govêrno, por sua vez, também começa a fazer despezas de muitos tipos, e o volume dessas despezas tende a exceder o volume total de dinheiro que recebe dos cidadãos sob a forma de impostos. Para fazer face a esse excesso de necessidades, o govêrno tem dois caminhos a seguir: ou amplia a quantidade de impostos que cobra dos cidadãos, ou toma dinheiro emprestado, como qualquer cidadão faz, dos bancos existentes no país ou de entidades financeiras do exterior. O aumento de impostos tem limite num certo patamar além do qual os cidadãos não podem suportar, de modo que a tomada de empréstimos pelo govêrno se faz indispensável. Criam-se assim a chamada Dívida Governamental Interna, e a Dívida Externa, esta dividida em governamental e privada, porque certos cidadãos também buscam recursos financeiros no exterior.
Assim, o govêrno também começa a emitir notas promissórias e a pagar juros aos cidadãos ou instituições financeiras. Essas notas promissórias geralmente recebem outros nomes, como Títulos do Tesouro Nacional, "vendidos" no mercado interno, Títulos da Dívida Externa, "vendidos" no exterior, e coisas assim, todos rendendo juros aos emprestadores e com datas marcadas para resgate. São, em realidade, simples notas promissórias.
Quando todo o dinheiro em circulação, já então chamado de "meio circulante", tem seu correspondente em metal precioso sob a guarda do govêrno, costuma-se dizer que se tem um sistema monetário no "padrão ouro", supondo-se ser ouro o metal entesourado pelo govêrno.
Mas com o passar dos anos, o govêrno descobre que a probabilidade de todos os cidadãos reclamarem a troca do dinheiro que tenham em mãos ao mesmo tempo é muito pequena, de modo que passa a emitir dinheiro em valores que excedem o valor total do metal precioso que tem sob sua guarda.
Quando nem todo o dinheiro em circulação tem seu valor correspondente em ouro sob a guarda do govêrno, o "padrão-ouro" está desvirtuado, e a bem da verdade uma situação como essa não pode ser mantida por muito tempo: a partir de certo ponto o govêrno é obrigado a declarar extinto o "padrão-ouro", o qual é substituido por algo conhecido sob diversos nomes, tais como "Nota do Tesouro", "Valor Legal", ou equivalentes, que começam a ser estampados nas notas de dinheiro em lugar do antigo "Padrão Ouro". O valor desse dinheiro sem lastro em ouro é dito garantido pelo govêrno, mas não existe mais a promessa de trocar pelo metal precioso no caso de ser reclamado.
O dinheiro passa a ser, então, a representação de um valor garantido pelo govêrno, ou seja, passa a ser, êle próprio, uma nota promissória. Mas se trata de uma nota promissória privilegiada, porque sôbre ela o govêrno não paga juros aos cidadãos, e não há data de vencimento estabelecida.
À medida que os cidadãos vão produzindo mais e mais bens e serviços, o valor total desses bens e serviços vai, evidentemente, crescendo. Se o meio circulante se mantém do mesmo tamanho, ou seja, constituido por uma quantidade fixa de unidades monetárias, o poder de compra de cada unidade monetária tende a aumentar, ou seja, os preços de cada bem ou produto produzido pelos cidadãos tendem a diminuir em têrmos de número de unidades monetárias.
Assim sendo, o govêrno goza da liberdade de, até certo ponto, emitir mais dinheiro para compensar essa valorização, mantendo os preços estáveis tanto quanto possível. Mas não pode emitir mais do que o absolutamente necessário, porque se o fizer o que acontece é que o poder de compra de cada unidade monetária tende a diminuir e os preços de cada bem ou produto produzido pelos cidadãos passa a aumentar, instalando-se o que se chama de processo inflacionário, ou inflação.
Assim, além do que o govêrno cobra dos cidadãos sob a forma de impostos, também cobra deles, de forma contínua, uma parte do valor do dinheiro que possuem, porque quando emite mais dinheiro e o coloca em circulação o que realmente faz é transferir para o dinheiro novo parte do valor do dinheiro préexistente. Isso se dá porque quando uma quantidade adicional de dinheiro é colocada em circulação pelo govêrno, ela se soma ao meio circulante total préexistente, mas o valor total dos bens e serviços permanece o mesmo que existia um minuto antes de essa quantidade adicional de dinheiro ser colocada em circulação, e assim o valor total do meio circulante ampliado passa a corresponder a essa mesma quantidade de bens e serviços. Quer dizer: "redistribue-se" o valor total do meio circulante pela nova massa de dinheiro total que passa a existir.

A diferença entre o novo meio circulante total e o que existia antes da entrada dessa massa adicional de dinheiro em circulação é um valor que o govêrno usa como desejar, para pagar despezas adicionais ou antigas, para criar novos "programas" (geralmente com finalidades eleitoreiras), etc. De qualquer maneira se trata de um montante que o govêrno toma dos cidadãos sempre que emite dinheiro dessa forma: é um imposto disfarçado, não percebido pelos cidadãos e nem autorizado por nenhuma lei. É, enfim, o imposto mais perverso que existe, até mesmo porque nunca é levado em consideração quando se calcula a massa tributária incidente sôbre tudo o que se produz no país. Mas de qualquer maneira êle também passa a constituir aquelas "notas promissórias" que não pagam imposto já citadas, ou seja, em realidade representam um aumento da dívida governamental perante os cidadãos.
Estamos vendo, portanto, que o dinheiro, ou melhor, o meio circulante como um todo, é uma dívida do govêrno para com os cidadãos, da mesma forma que é dívida aquela resultante dos empréstimos tomados pelo govêrno sob tal título.
Agora me digam: o govêrno tem dinheiro? Acho que não: em realidade o govêrno só tem dívidas.

Monday, July 06, 2009

Todos cúmplices

Luiz A. Góes

Entre políticos não há inimigos, ou sequer adversários: todos são cúmplices uns dos outros.
Para êles o oponente de hoje é o aliado de amanhã. O desafeto de hoje é o amigo desde criancinha de amanhã. O ofendido de hoje é o elogiado de amanhã. O desqualificado de hoje é o super elogiado de amanhã.
São realmente diferentes das demais pessoas: esquecem com rapidez tudo o que disseram, acharam ou fizeram ontem e mudam com rapidez espantosa de posição sempre que seus interêsses assim o "recomendam". São flexíveis ao extremo, generosos ao extremo, praticam entre si a camaradagem ao extremo, ajudam-se constantemente ao extremo, são solidários ao extremo.
Para efeito externo representam os papéis de situação e oposição da mesma forma que num filme de farwest os atores representam os bandidos e os mocinhos: no final é só representação e todos recebem suas remunerações e celebram alegremente no bar mais próximo o sucesso de bilheteria do filme. É tudo uma pantomima, em que só acreditam os matutos que pagam a entrada para verem o espetáculo do circo.
O quê será que essa gente tem que os outros não têm? Deve haver alguma coisa que os identifica, que os une, alguma coisa de que gostam ou que sabem produzir, encontrar, usar, alguma coisa que as demais pessoas provavelmente detestam ou à qual não conseguem se acostumar.
Não é preciso pensar muito, e nem examinar muito, para se perceber que existe realmente uma espécie de adesivo mantendo o "corpo político", o conjunto dos políticos, sempre coeso e unido em tôrno da defesa intransigente de seus interêsses acima de tudo e de todos.
Essa substância vem se tornando cada vez mais abundante: quando aparece algum indício de que possa estar deixando de ser gerada, pronta e misteriosamente se descobre, logo em seguida, que foi apenas uma ilusão de ótica, que está havendo superprodução dela.
É extremamente eficiente: ainda não se descobriu nada que desfaça o seu poder de aglutinação. E apesar de mal cheirosa, parece extremamente agradável aos que dela se servem e nela chafurdam, porque jamais a abandonam.
Vendo como todos confraternizam alegremente sempre que surge qualquer oportunidade, - e elas surgem constantemente, todos os dias, - podemos constatar a alegria e satisfação que esse adesivo proporciona aos que dele se servem.
Não parecem entender e nem estarem interessados em entender de nada do que possa interessar a seus eleitores, mas disso, desse adesivo extraordinário que as demais pessoas detestam, êles entendem profundamente.