Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Tuesday, December 05, 2006

Segredos

Luiz A. Góes

Geralmente um segredo é uma coisa que de repente todo mundo sabe mas de que ninguém fala: vira um "segredo de polichinelo". A própria natureza, ou destino, do segredo é resultar em alguma inconfidência. A primeira, e a meu ver única, tentativa do Brasil de se tornar independente terminou devido a uma inconfidência. (Em outra ocasião, se houver, contarei porquê acho que foi a única tentativa.)
Segredo é também aquela coisa que se transforma em piada, torna-se hilariante pelo ridículo ou por envolver situações engraçadas mesmo. Se mantido além da conta dá origem à chamada fofoca, ao disque-disque, ao mexerico. É coisa efêmera, acaba deixando de ser segredo mais cedo ou mais tarde, quer se queira quer não.
Dia desses comecei a me lembrar de alguns segredos prosáicos que me proporcionaram bons momentos ao longo dos anos. Também houve aqueles que me causaram maus momentos, mas desses prefiro não ficar falando, porque nada se ganharia.
Os segredos de que gosto de me lembrar são todos muito inocentes, tais como aqueles segredos que existiam quando éramos crianças, os segredos de nossos pais, as estórias de Papai Noel, do Coelhinho da Páscoa, de onde vêm os bebês e tantos outros, de que aos poucos todos vão descobrindo a essência ou verdade, experimentando decepções maióres ou menores, mas crescendo em conhecimento e amadurecimento.
Casos engraçados existiram muitos. Vou tentar contar um par deles.
Quando menino e adolescente minha paixão era passar férias no interior de Santa Catarina, onde viviam meus avós maternos com uma penca interminável de tios e primos. Eram períodos de um tremendo colorido, uma volta às origens naturais, à terra, à pureza, à inocência, tempo em que se dizia tudo o que vinha à cabeça, em que se podia dizer que cada um era um livro aberto para os demais, particularmente para os de minha geração ou faixa etária.
Naquele tempo não havia televisão, ia-se a um cinema tipo pulgueiro uma vez por semana assistir aqueles filmes antigos em preto-e-branco, filmes seriados, de vez em quando um desenho animado de Walt Disney. Tempo em que começávamos a descobrir os segredos do coração, em que a pulsação se acelerava quando alguém nos lançava um sorriso disfarçado que ficava naquilo, porque conversar, nem de longe passava pelas nossas cabecinhas ainda pequenininhas. Tempo em que andar no "footing" aos sábados à noite para ver as meninas, - apenas ver, - era uma tremenda sensação.
Durante a semana passávamos o tempo ajudando nas atividades do negócio da família e nos finais de tarde inventávamos coisas como uma pescaria rápida, uma volta pela cidade, um joguinho de baralho, algumas leituras e bate-papos, muitos bate-papos, durante os quais nossas antenas ficavam super ligadas ouvindo as revelações, os segredos de família, amigos e conhecidos que as conversas dos "grandes" iam desfiando.
Lembro-me de uma ocasião, era o primeiro dia do ano, um feriado modorrento em que nada tínhamos para fazer depois do longo almoço em casa de minha avó com uma família reunida que envolvia mais de cinquenta pessoas. Tenho um tio com a minha idade, e outros pouco mais velhos, e assim frequentemente formávamos rodas de brincadeiras e passatempos como hoje os rapazes se juntam para jogar bola.
Naquele dia, depois daquele almoço, vimo-nos, quatro de nós, isolados do resto da patota e jogando conversa fora quando surgiu a idéia de jogar baralho. Buraco era ainda um dos jogos preferidos naquela época, e começamos a jogar buraco enquanto conversávamos sem prestar muita atenção ao jogo, mas não deixando de fazer as habituais piadas a cada vez que contávamos os pontos. Um dos meus tios foi ficando na rabeira, não fazia pontos, e ficou sendo o alvo da maioria das caçoadas, até que, em determinado momento, fez uma pergunta. Perguntou quanto valia uma canastra de coringas. Os outros três entreolhamo-nos surpreendidos, porque pelo menos a mim nunca tinha ocorrido que alguém pudesse fazer uma canastra de coringas. (Em verdade acho mesmo que se trata de jogo que não se pode fazer, porque cada jogo só pode conter no máximo um coringa.) Mas a surpresa da pergunta levou um de nós, não me lembro quem, a dizer que devia valer uns dois mil pontos, ou seja, quem fizesse uma canastra de coringas ganharia a partida.
A surpresa maiór foi quando aquele meu tio da pergunta disse: então eu ganhei a partida, porque fiz uma canastra de coringas. E colocou a tal canastra de coringas sôbre a mesa.
Ficamos uns momentos comentando a incrível sorte que êle tinha tido, de receber sete coringas de uma só vez, coisa totalmente inédita, e logo em seguida a conversa derivou para outros assuntos. Alguém sugeriu dar uma volta pela praça, porque seguramente haveria meninas também passeando por lá, e lá fomos na tarde quente e ensolarada rua abaixo.
Lá para as tantas, comecei a raciocinar sôbre a tal proeza de meu tio, fazendo aquela canastra de coringas, e não sei como foi que concluímos que êle tinha em realidade roubado no jogo, - que era apenas jogo mesmo, sem apostas de qualquer espécie, - que tinha acumulado os coringas ao longo das mãos anteriores, guardando-os disfarçadamente num bolso ou manga, para descarregá-los depois em uma única mão. Quando o confrontamos com essa conclusão êle deu, em resposta, uma tremenda gargalhada bastante contagiante, que era a sua marca registrada, sem negar nem confirmar.
Descoberto o segredo, ficamos então comentando que, como era o primeiro dia do ano, êle tinha começado o ano bancando o sem vergonha. Na mesma hora êle deu outra gargalhada e disse que em compensação nós tínhamos começado o ano bancando os trouxas…
Numa outra ocasião, anos mais tarde, fui com meus amigos habituais a uma quermesse da paróquia em São Paulo. Era um tempo em que todos os chamados bons rapazes e as chamadas boas moças do bairro tinham que frequentar a igreja, pertencer à Congregação Mariana, ser Filhas de Maria, evitar as chamadas más companhias, os herejes, os debochados, os inqualificados, enfim, tínhamos que ser o que se considerava exemplos de vida virtuosa.
O resultado era que os casos de congregados marianos namorando, noivando e se casando com filhas de maria eram extremamente frequentes, porque aquilo acabava constituindo uma espécie de clube fechado e muito exclusivo.
Mas havia, como não podia deixar de ser, de um lado e de outro os bonitões e as bonitaças, os reis e rainhas da cocada preta, cujo prestígio rolava inconteste e solto, se é que me entendem.
Um colega chamado Milton era um desses bonitões, e estava noivo, fazia algum tempo, de uma filha de maria que pelo jeito também se considerava uma das bonitaças. Acho que se chamava Ângela.
Na quermesse, eu estava num grupo de quatro solteiros desgarrados, e nos sentamos em uma das mesas numa área onde havia lanchinho, correio elegante, venda de bilhetinhos que se podia enviar, etc, etc. Começamos a tentar enviar bilhetinhos a meninas sentadas em outras mesas, mas por azar todas as meninas que víamos nos eram desconhecidas: não havia nenhuma que nos encorajasse ao atrevimento de provocá-las com nossos gracejos anônimos, - que, claro, não seriam para ficar anônimos indefinidamente: sempre daríamos um jeito de nos revelarmos no final, se a conversa prosperasse de alguma forma e ficasse claro que agradava aos dois lados.
De repente percebemos o Milton sentado a uma mesa lá no outro lado, - nós o víamos mas êle dificilmente nos veria, porque estava meio de costas para nós, - com sua noiva e uma outra moça que não conhecíamos. O Alcides, que era o mais imaginoso do grupo e também o mais brincalhão, sugeriu que imitássemos uma letrinha feminina e enviássemos bilhetes anônimos ao Milton como se fôssemos uma mulher. Ficou engraçado porque o texto dos bilhetes, - sempre muito curtinho, - era decidido de forma colegiada, os quatro dando palpites e aprovando o resultado por unanimidade. Eu fui escalado para fazer a letrinha redonda, que desenhava com capricho, e depois dávamos uma gorgeta à portadora do bilhete, que tinha que ir entregá-lo ao Milton sem nos revelar, evidentemente, e principalmente sem que a noiva dele percebesse.
Para nossa surpresa, dali a pouco o Milton respondeu. Ficamos sem saber como o teria feito, se a noiva teria tomado conhecimento ou não, mas como tinha respondido, resolvemos replicar, e assim a "conversa" por bilhetes, - anônimos de nossa parte, embora êle não escrevesse o nome dele, - prolongou-se por bem umas duas horas, até que o Milton perguntou: "Como é o seu nome?"
Discutimos prolongadamente quê nome "dar-nos" naquele embate, e acabamos decidindo que o nome seria Eulália. A resposta que escrevi foi: "Meu nome é Eulália. E o seu?"
Ficamos esperando a resposta, mas ela não veio e acabamos indo embora.
Dias depois, estávamos o Alcides, o Milton e eu indo vagarosamente para algum lugar quando a conversa derivou para comentar os acontecimentos da quermesse. O Milton começou, lá para as tantas, a contar que uma dona tinha começado a enviar-lhe bilhetes, e que êle tinha conseguido responder todos sem que a noiva a seu lado percebesse, mas quando a tal dona, uma tal de Eulália, tinha perguntado o nome dele, a noiva descobriu e respondeu, com raiva: "E o meu é Ângela! E daí?"
Eu e o Alcides tínhamos ficado em silêncio durante toda a narrativa, mas ao ouvir a responsta da Ângela o Alcides não se conteve e, virando-se para mim, disse: "Ué! Esse nós não recebemos…"
Quase apanhamos do Milton.
Situações muito engraçadas se criam também nas tais brincadeiras de "amigo secreto", ou "amigo oculto", tão populares nos finais de ano em empresas, clubes, associações e rodas de amigos. Participei de uma porção delas, sempre me divertindo muito e seguramente divertindo os outros também.
Numa dessas oportunidades, o/a meu/minha amigo/a secreto/a adotou o pseudônimo de "ônix", a pedra semi-preciosa preta, não sei porquê, e no vai-e-vem dos bilhetinhos acabei descobrindo que se tratava de uma das secretárias da empresa. Muito inteligente e esperta, ela tinha se traído em alguns comentários que fazia nas suas mensagens bem estruturadas, nas quais vinha fazendo um bocado de pouco caso e gozação em torno de minha pessoa. Imaginei um jeito de verificar se minha conclusão estava certa, enviando-lhe um bilhete que dizia: "Fulana: procure outra pedra".
E escrevi um outro bilhete dirigido a "rubi", que sabia não ser o pseudônimo de ninguém naquele evento. Nesse outro bilhete, escrevi: "Se você está lendo isto é porque você é quem eu estou pensando."
Não deu outra: foi jogar os bilhetes na caixa e dali a poucos minutos a dita cuja secretária apareceu na minha porta, reclamando que eu tinha estragado a brincadeira porque a tinha descoberto antes do tempo. Mas na troca de presentes acabei ganhando um par de abotoaduras de ônix.
Ia me esquecendo: naquela mesma brincadeira o meu pseudônimo era "gatão". Achei engraçado quando em brincadeira mais recente alguém me chamou de "tigrão", que não deixa de ser um gatão. Mas agora já estou mais para gato velho mesmo, com unhas gastas e sem a garra de antigamente.