Observador Isento (Unbiased Observer)

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Wednesday, August 29, 2012

D. Pedro, Primeiro e Quarto

Luiz A. Góes

Viajando em Portugal, fica-se intrigado com a reverência com que, pelo menos por algum tempo, um certo rei D. Pedro IV foi tratado pelos portugueses, dedicando-lhe várias estátuas e monumentos importantes, inclusive uma estátua equestre bastante notável em importante praça da cidade do Porto, e um alto obelisco que sustenta sua imagem em Lisboa.
Foi inevitável voltar a dar uma olhada na história daquele indivíduo que nasceu e morreu na mesma cama ainda existente no Palácio de Queluz e que deixou nada menos do que vinte e oito filhos identificados e estabeleceu duas monarquias constitucionais.
A história que eu conhecia era que D. Pedro I, tornando-se herdeiro do trono português com a morte de D. João VI em 1826, abdicou em favor de sua filha D. Maria da Glória, despachando-a para Portugal a fim de ser coroada como D. Maria II (D. Maria I, conhecida como Maria, A Louca, fora sua bisavó, mãe de D. João VI, ainda viva quando o Rio de Janeiro se tornou a capital do Império Português). Tendo abdicado ao trono do Brasil em favor de seu filho D. Pedro II em 1831, D. Pedro I teria se retirado para a Europa, onde reuniu alianças e recursos e comandou uma espécie de invasão de Portugal a partir da Ilha da Madeira à frente de um exército mínimo mas que logo conseguiu adesões a partir do momento em que atingiu a cidade do Porto, e assim obteve a improvável vitória que expulsou definitivamente D. Miguel, seu irmão mais novo, o qual tinha usurpado o trono de D. Maria da Glória.
Pesquisando um pouco a história da chamada Guerra Civil Portuguesa, como ficou conhecido aquele movimento, que em realidade se iniciou em 1828, encontrei na Wikipedia o seguinte texto, o qual se parece bem mais com o que ouvi dos portugueses em minhas andanças:

“A morte do rei D. João VI de Portugal em 1826 desencadeou uma disputa sobre a sucessão real entre constitucionalistas e absolutistas.
O herdeiro imediato era D. Pedro, então Imperador do Brasil. Seguia-se D. Miguel, um tradicionalista que fora expulso do reino após tentar dois golpes absolutistas - a Vilafrancada e a Abrilada. Chamado pela regência, D. Pedro foi por um curto período rei de Portugal como Pedro IV. Mas, pressionado pela recusa dos brasileiros à união dos dois reinos e pelos Miguelistas, abdicou um mês depois para a sua filha Maria da Glória então com sete anos.
Como parte do acordo de sucessão, em abril de 1826 D. Pedro criou uma Carta constitucional que revia a Constituição de 1822 para conciliar absolutistas e liberais, permitindo que ambas as facções obtivessem postos no governo. Retornou ao Brasil, deixando o trono a D. Maria e a regência a seu irmão D. Miguel até que esta atingisse a idade necessária para se casarem.
D.Miguel regressou a Portugal para jurar a Carta Constitucional portuguesa de 1826 e exercer a regência. Um mês depois convocou cortes tradicionais, com nobreza, clero e homens livres onde foi coroado como Miguel I de Portugal anulando a Constituição e depondo a monarquia constitucional de D. Maria.
Seguiram-se seis anos de guerra civil com intervenções militares estrangeiras. Tomando partido dos liberais, D. Pedro IV abdicou do trono brasileiro para seu filho Pedro II do Brasil e selou uma aliança internacional para derrotar seu irmão em Portugal. As derrotas sucessivas de D. Miguel forçaram-no a desistir da luta na Convenção de Évora-Monte, e permitir a restauração da monarquia constitucional e do trono de D. Maria II.”

Constava-me que D. Pedro I teria se tornado D. Pedro IV de Portugal depois de expulsar definitivamente D. Miguel, e por apenas uma semana, durante a qual teria outorgado a Constituição, igualzinha à que tinha outorgado ao Brasil em 1824 (a do Brasil durou pouco e foi logo sofrendo modificações, mas a de Portugal só veio a ser substituida em 1910, com a queda da monarquia e estabelecimento do regime republicano). Nem por sombra eu tinha ouvido falar que D. Pedro I teria ido a Portugal em 1826 e se tornado o rei D. Pedro IV por cêrca de um mês inteiro (não apenas uma semana), durante o qual Brasil e Portugal voltaram a pertencer ao mesmo Império Português, como seguramente tinha sido o plano de D. João VI. E muito menos sabia eu que D. Pedro I tinha abdicado ao trono português devido às pressões dos brasileiros. Tudo muito surpreendente.
Há algum tempo conheci um tetraneto de Tobias de Aguiar, o militar que fundou a Fôrça Pública do Estado de São Paulo, hoje Polícia Militar. Tobias de Aguiar foi quem se casou com a Marquesa de Santos depois que D. Pedro I a afastou a fim de conseguir uma nova princesa européia para se casar depois do falecimento da Imperatriz Leopoldina de Habsburgo. D. Leopoldina pertencia a uma das famílias imperiais mais importantes da Europa, do Império Austro-Hungaro, e a ela devemos a cor amarela de nossa bandeira (o verde provém da Casa de Bragança, à qual pertenciam os monarcas portugueses e D. Pedro I à época da Independência em 1822). Sendo tetraneto de Tobias de Aguiar, a pessoa que conheci seria talvez também tetraneto da Marquesa de Santos, o que me confirmou prontamente na conversa que tivemos, tendo informado ainda que o casal Tobias de Aguiar-Marquesa de Santos teve oito filhos. Comentei, naquela conversa, que apesar de ter banido a Marquesa, D. Pedro I ainda mantinha no Palácio a Viscondessinha de Goiás, sua filha com a Marquesa, quando se casou pela segunda vez.
Foi inevitável dar mais uma olhada na história de D. Pedro I com sua segunda esposa, D. Amélia de Beauharnais, Princesa de Leuchtenberg, a qual tinha apenas 17 anos quando se casaram por procuração da mesma forma que tinha ocorrido o primeiro casamento, estando êle no Brasil e ela na Europa. Consta que D. Amélia era extremamente bela e encantou D. Pedro assim que viu-lhe o retrato, mas foi necessária uma verdadeira batalha diplomática para fazê-la a segunda Imperatriz do Brasil, porque os diplomatas encarregados por D. Pedro de encontrar-lhe uma segunda princesa européia disposta a casar-se com êle sofreram várias recusas.
De fato, a fama de D. Pedro I como conquistador e gerador de filhos fora do casamento era, àquela altura, maiór do que sua fama como fundador do Império do Brasil, e consta que nada menos do que oito princesas recusaram a honraria. Pensaram então os citados diplomatas em buscar alguma “princesa de segunda linha”, com o que D. Pedro concordou, e assim chegaram a D. Amélia, que era sobrinha de Josefina, segunda esposa de Napoleão Bonaparte e princesa por obra e arte dos numerosos novos monarcas que Napoleão instalou na Europa enquanto a esteve dominando.
Ao chegar, D. Amélia foi sendo apresentada aos filhos de D. Pedro com D. Leopoldina, mas se recusou a conhecer a Viscondessinha de Goiás. Consta que D. Amélia teve duas filhas com D. Pedro, e que jamais se casou de novo após sua morte, tendo permanecido em Portugal e mudado de pensar a respeito da Viscondessinha, que veio a adotar como filha. E foi mais além, tendo solicitado adotar também a outra filha da Marquesa de Santos com D. Pedro I, mas o casal Tobias de Aguiar-Marquesa de Santos, com quem a menina vivia, recusou. (Li recentemente que os filhos de D. Pedro I com a Marquesa foram quatro, e não apenas dois: a verificar.)
Quanto aos demais filhos de D. Pedro I não reconhecidos como pertencentes à família imperial, embora identificados como seus filhos, devem ter gerado descendentes mas nada sei sôbre êles, e agradecerei a quem puder informar alguma coisa. Consta que o último desses filhos (não sei se menino ou menina), foi gerado numa aventura de D. Pedro com uma religiosa na Ilha da Madeira, quando êle já tinha abdicado ao trono brasileiro e se preparava para iniciar a campanha contra D. Miguel. Há ainda uma “literatura” algo farta a respeito das andanças de D. Pedro na Europa, onde foi recebido com grande pompa e honras de Chefe de Estado, entre a abdicação no Brasil e a campanha contra D. Miguel: essa última fase da vida alegre de D. Pedro I também é quase totalmente desconhecida para a esmagadora maioria dos brasileiros.
De qualquer forma, é forçoso reconhecer que, em seu entusiasmo quase infantil e inconsequente pelas causas que abraçou, D. Pedro I foi, sem qualquer sombra de dúvida, e a despeito de seus defeitos, a meu ver bem maiór do que podemos imaginar.