Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Sunday, January 22, 2006

Solução para o problema carcerário brasileiro

Há algum tempo li uma reportagem sôbre o sistema carcerário do condado de Maricopa, Estado do Arizona, EUA, e cheguei a traduzi-la para transmitir ao pessoal da minha lista da internet em resposta a algumas questões que estavam sendo discutidas. Pareceu-me boa idéia para resolver um dos principais problemas do sistema carcerário brasileiro, qual seja a falta de prisões.
Explico: com a falta de prisões em quantidade suficiente para abrigar toda a população carcerária, proliferam os numerosos problemas e males causados pela superlotação, além de resultar na soltura de grande número de criminosos ou delinquentes que deveriam estar fora do convívio social. À falta de prisões acrescenta-se o custo de manutenção do criminoso ou delinquente preso, resultando tudo naquilo que se vê, lê e ouve todos os dias.
Infelizmente não sei onde foi parar a tal tradução, e nem o artigo original, mas guardei uma foto publicada no mesmo, que escaneei, e me lembro do conteúdo do artigo e da filosofia nele exposta, de modo que reproduzo de memória a seguir o que considero uma boa sugestão para o Brasil, já que a extensão territorial, e especialmente o clima, são muito propícios e os recursos financeiros são escassos.
No concado de Maricopa, o xerife Joe Arpaio vem sendo reeleito indefinidamente por ter dado excelente solução ao problema carcerário. Sua filosofia é, resumidamente, a seguinte:
a) prisão é para cumprir pena pelos crimes cometidos e reeducar-se, e não para se divertir ou cultivar máus hábitos, começando com o da preguiça;
b) os detentos podem fazer tudo o que os soldados do exército fazem, e sob as mesmas condições, sendo mais do que justo que assim seja;
c) os detentos devem receber tudo o que necessitam para a sua subsistência enquanto estiverem cumprindo pena, mas nada mais do que isso: dispensam-se os supérfluos;
d) os detentos devem contribuir para a manutenção dos serviços carcerários da mesma forma que qualquer contribuinte, pagador de impostos, o faz, ou seja, trabalhando.
Assim, o xerife Arpaio idealizou e construiu presídios cercados apenas por altas cêrcas eletrificadas de arame farpado em locais de difícil acesso, aproveitando terrenos de baixo custo e que dificilmente seriam usados para outros fins. Em lugar de edifícios dispendiosos, os detentos ficam abrigados em tendas de tipo militar e dormem em catres ou redes. Esses presídios foram batizados com o nome de "Tent City" (Cidade de Tendas), e na entrada há uma placa anunciando "VACANCY" (há vagas).
Como o clima é quente, os detentos usam camisetas sem mangas e cuecões cor-de-rosa, que constitue a roupa de baixo, mais tênis nos pés, como indumentária diária. Sôbre ela usam o uniforme de listas brancas e negras quando trabalham fora. A cor da roupa de baixo foi especialmente escolhida para quebrar a rompante dos machões.
A alimentação é rigorosamente escolhida para proporcionar a quantidade de calorias e proteínas necessárias diariamente, tendo sido excluidos o café (segundo Arpaio sem qualquer valor nutritivo), guloseimas, etc..
Todos os detentos trabalham em serviços públicos nas chamadas "chain gangs", aqueles grupos de detentos presos uns aos outros por correntes nos tornozelos, o que impossibilita a fuga e reduz a quantidade de guardas necessários para vigiá-los. O trabalho é sempre em lugares públicos, como reparos de ruas e estradas, operações de limpeza, etc., para que todos vejam e lhes sirva de aviso de que o crime não compensa, bem como para que os detentos possam ser vistos e conhecidos: é parte da punição.
Nas poucas horas de lazer os detentos assistem a vídeos educativos por televisão em circuito fechado, ou lêm livros e revistas sôbre ofícios, trabalhos manuais, ou outros de caráter educativo. Nenhum outro tipo de televisão ou filmes. Livros e revistas sôbre trivialidades, pornografia, etc, são rigorosamente banidos.
Logo abaixo da placa na entrada de cada presídio lê-se a frase "If you don’t want to do the time, don’t do the crime" (Se você não quer cumprir a pena, não cometa o crime).
No verão a temperatura dentro das tendas atinge a níveis altíssimos, mas Arpaio argumenta que os soldados enfrentam condições iguais ou pióres em campanha, vestindo uniforme completo e ainda carregando nas costas o equipamento ou portando o armamento, de modo que não há nada de mais em os detentos enfrentarem um calorzinho. De qualquer maneira durante o dia as tendas ficam abertas (com as paredes laterais suspensas), para facilicitar a fiscalização.
Moleza, tempo ocioso ou livre, para detento, são venenos que precisam ser sempre eliminados, para que não pensem em fazer bobagens: ou trabalham, ou comem, ou se lavam e fazem a limpeza de suas tendas, ou assistem vídeos educativos ou lêm livros, ou dormem. Todos os dias da semana sem exceção.
Arpaio criou solução semelhante para o sistema carcerário feminino, também com "chain gangs" e tudo o mais: não há exceções. Reportagem mais recente mostrou que Arpaio diversificou as atividades das detentas femininas, havendo até mesmo um grupo cujo trabalho é treinar os cães pastores usados pela polícia.
Fica aí a sugestão.
Luiz A. Góes

Monday, January 16, 2006

Herói por acaso

Um brasileiro foi herói na guerra da Abissínia. Ninguém sabe disso a não ser, provàvelmente, êle próprio, se ainda estiver vivo, e seus parentes e amigos mais chegados.
Sim, porque como é que um brasileiro podia ter sido herói na guerra da Abissínia? Aliás, quê guerra teria sido essa, de que provàvelmente a maioria esmagadora dos mortais nem ouviu falar?
Bem! Eu mesmo não sei contar essa estória como deveria, porque não sei muitos detalhes, a começar pelo nome do indigitado herói. E nem sei exatamente quando ocorreu essa guerra da Abissínia: só sei que foi nas primeiras décadas do século passado, - o famigerado século XX, - ou no final do anterior, e foi uma guerra que a Itália fêz para conquistar a Abissínia, ou para se vingar de alguma coisa, sei lá. De qualquer maneira tudo indica que foi uma guerra de conquista, porque a Itália estava, aparentemente, naquela fase colonialista da maioria das então potências européias e alimentando os sonhos que, se não me engano (ou me engano muito), vieram a compor a plataforma do fascismo.
Acontece que a Itália, como muitos outros países europeus, reconhecem como cidadãos seus os filhos e até netos e bisnetos de emigrantes nascidos em outras plagas. Naquele tempo não havia, como agora, interêsse em adquirir a cidadania da pátria dos ancestrais por parte de cidadãos brasileiros, o fluxo migratório ainda era na outra direção, da Europa para o Brasil e outros países americanos, de modo que quase ninguém falava nisso. Mas um ou outro descendente desses migrantes se valia, aqui e ali, sem alarde, do direito que lhes era reconhecido de adquirir a cidadania de um país europeu.
O caso do nosso herói, entretanto, deve ter sido único: descendente de italianos, e ansioso por aventuras que inexistiam no modorrento Brasil daquela época, transferiu-se para a Itália e lá se alistou para combater na guerra da Abissínia. Mas isso aconteceu quando a guerra já estava para lá da metade e o inimigo se retirava constantemente sem dar combate, limitando-se a deixar pelo caminho as célebres armadilhas e praticando a política de terra arrasada, destruindo tudo o que podia. Assim, nem se pensava em aproveitar qualquer comida que se encontrasse, porque podia estar envenenada, e o mesmo acontecia com a água. Esta última se tornou coisa particularmente difícil devido ao clima extremamente quente daquele semi-deserto (segundo ouvi: não sei se é mesmo).
Sucedeu que um dia a unidade do nosso herói chegou a um sítio onde tudo havia sido destruido, e os soldados começaram a se acomodar debaixo de uma frondosa árvore para descansar um pouco na sombra. Mas o diabo da tal sombra estava toda suja porque da árvore caíam umas frutinhas escuras que, quando batiam no chão, estouravam e deixavam escorrer um líquido. Como estava quente e não havia muita água para beber, nem muita coisa para comer, os soldados perguntaram ao superior imediato se podiam comer as frutinhas para matar a fome e a sêde ao mesmo tempo.
Só que ninguém conhecia aquelas frutinhas, nunca as tinham visto, e parecia lógico que se o inimigo as havia deixado sem destruí-las, devia ser porque eram venenosas, de modo que a tropa foi terminantemente proibida de tocar as tais frutas.
Foi aí que o nosso herói entrou em cena: apresentou-se como voluntário para experimentar as perigosas frutas. Se morresse, afirmou, teria sido por uma boa causa.
Depois de um bocado de hesitação dos superiores, recebeu finalmente permissão para experimentar as frutas: empoleirou-se num dos galhos da árvore e fartou-se de comer jabuticabas, que conhecia de longa data.
Depois arranjou um lugar para dormir e tirou uma boa soneca. Quando acordou, horas depois, tinha virado herói e acabou sendo condecorado.
Essa estória, que me foi contada há muitos anos, - tantos que acabei esquecendo muitos de seus detalhes, - pode parecer fantástica, mais uma fábula do que uma estória de fato acontecido. Mas em todo caso parecem estar em moda as fábulas envolvendo as jabuticabas, de modo que resolvi contá-la de qualquer jeito. Está contado, e assim vocês ficam sabendo que houve um herói brasileiro na guerra da Abissínia.
Luiz A. Góes

Candidatos a motorista

Luiz A. Góes

Quando eu tinha uns sete anos de idade, queimei o braço com o leite fervido que minha mãe acabara de colocar sobre a mesa do café numa manhã de domingo. Enquanto minha mãe, em meio à minha gritaria, metia a mão na manteiga e esfregava no meu braço, queimado do pulso até acima do cotovelo com queimaduras de terceiro grau que logo geraram enormes bolhas, meu pai saiu correndo rua acima, depois de ter vestido as calças apressadamente e ainda envergando o seu paletó do pijama, à procura do farmacêutico, que era, naquela época, o médico do bairro nas horas de apêrto.
E assim tivemos a segunda surpresa do dia: o farmacêutico veio, com meu pai, guiando orgulhosamente o automóvel que acabara de comprar, um modelo bastante antigo mas que para nós pareceu excelente. Colocou pomadas e bandagens no meu braço e, mais importante do que tudo, fêz passar a dor intensa que eu sentia.
Aquele episódio nunca mais saiu de minha memória, a queimadura e a novidade do automóvel do farmacêutico. Tudo me parecia demasiado simples. Depois de terminado o que tinha a fazer, ficou conversando com meu pai, que lhe perguntou onde guardava o carro, já que morava na casa aos fundos da farmácia e não havia garage nem entrada lateral para o quintal. Êle explicou que seu quarto de dormir ficava em realidade ao lado da farmácia e fazia frente diretamente para a rua. Assim, deixava o carro estacionado em frente à janela, e a qualquer ruído durante a noite, levantava-se, abria a janela e verificava se havia algum problema.
Bons tempos aqueles, em que se podia abrir a janela quando havia algum ruído para ver se havia qualquer problema.
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Talvêz por causa daquele episódio, comecei a observar que, naquele tempo em que ter um automóvel era exceção quase absoluta, os médicos e farmacêuticos estavam geralmente entre os poucos que os tinham, inclusive um que conheci lá no interior de Santa Catarina numa de minhas férias escolares em casa de meus avós. Êle veio fazer uma visita a alguém que estava doente, como era comum naquele tempo, e ao sair segui-o, e ao meu avô, até a porta, onde vimos estacionado um reluzente automóvel preto. Meu avô comentou que não sabia que êle tinha um automóvel, - era tão excepcional que se comentava, - e êle disse que havia resolvido comprá-lo porque tinha conseguido uma carteira de motorista alguns anos antes… Eu nem sabia que era preciso ter uma carteira de motorista para guiar um automóvel, e meu avô também não sabia muito sôbre isso, porque perguntou se tinha sido muito difícil conseguir a carteira. O médico disse que não, que a tinha recebido como recompensa por ter tratado da mulher do delegado por muito tempo, e no final da longa enfermidade da pobre coitada viu-se sem corajem de cobrar pelos seus serviços. O delegado insistiu em que queria recompensá-lo de alguma forma, e o que pediu foi a carteira de motorista.
Embora meio surpreso, o delegado se prontificou a dar-lhe a carteira e disse que aparecesse na delegacia no dia seguinte a qualquer hora.
Lá pela hora do almoço, contou o médico que foi até a delegacia, onde o delegado lhe entregou a carteira, que já havia preparado, perguntando-lhe onde ia comprar um automóvel, já que não havia nenhum vendedor de carros na cidade. Respondeu o médico que talvêz mandasse buscar um em Curitiba, e nesse momento chegou à delegacia um dos poucos automóveis existentes na cidade.
O delegado, então, inesperadamente convidou-o a ir até o automóvel e, comentando que agora já tinha carteira, perguntou-lhe como se acionava a buzina daquele carro. O médico confessou ter ficado profundamente envergonhado porque não conseguiu localizar o botão correspondente, apezar de ter apertado todos os que encontrou…
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Numa capital de estado do norte, há muitos anos, tive como cliente uma empresa de transporte de valores, dessas que têm os carros fortes para transportar grandes somas em dinheiro de um lugar para outro, como entre agências bancárias e grandes empresas. O principal sócio da tal empresa era um coronel da polícia militar daquele estado, e um de seus filhos, também oficial da polícia militar, era o seu principal executivo. Fui verificando rapidamente que a maioria do pessoal da empresa era gente da polícia militar que se revezava nas horas de folga do expediente no quartel, trocando de roupa rapidamente para envergar o uniforme da empresa e efetuar os serviços que a mesma prestava.
Um desses elementos era um sargento, pessoa muito interessante e bem falante, sempre capaz de fazer comentários engraçados e contar boas estórias, além, é claro, de ter sido extremamente útil em descrever as atividades da empresa, seus problemas e métodos para garantir a segurança dos serviços e tudo o mais.
Um belo dia estávamos comendo um almoço rápido no meio do dia e o tal sargento, não sei porquê, começou a falar de suas próprias atividades, e assim fiquei sabendo de suas funções na polícia militar, entre as quais a de delegado de uma pequena localidade no interior.
Espantei-me um pouco, porque ele estava sempre na empresa, nem parecia ter que dar expediente em um quartel fora dela, que diria ser delegado de uma cidade do interior. Explicou-me então que tinha um expediente flexível no quartel, porque o comandante era o dono da empresa, e que por outro lado ia apenas uma vez por semana à tal localidade onde era delegado.
Perguntei se uma vez por semana era suficiente, e ele descreveu rapidamente o local, bastante pequeno, onde todos se conheciam. Quando lá chegava, o dono de um bar, que era uma espécie de prefeito permanente do local, já o esperava com todos os casos surgidos ou em andamento, inclusive uma série de serviços que tinha que cobrir porque não havia quem o fizesse, como o de prover documentos para as pessoas. E assim comentou que cuidava, inclusive, dos problemas de transito, sendo responsável pelo emplacamento de veículos e concessão de carteiras de motoristas.
Comentei que aquilo devia dar muito trabalho, ao que respondeu que não, porque nunca aparecia muita gente em busca desses documentos ou serviços ao mesmo tempo, e além disso tinha muita experiencia e sabia como resolver as coisas rapidamente. O pessoal que aparecia querendo carteira de motorista, por exemplo, só examinava de fato quando estava seguro de que já sabiam dirigir.
Fiquei surpreendido com a afirmação e indaguei como fazia. Ele explicou que começava a fazer algumas perguntas ao interessado, e logo resolvia se continuava a examinar ou se o reprovava e mandava retornar na semana seguinte depois de aprender.
Mais surpreendido ainda, perguntei como era aquilo, e o sargento disse que na semana anterior, por exemplo, havia aparecido um sujeito que tinha jeito de não saber nada sobre veículos automotores, embora demonstrasse, pelo jeito de se vestir e outras maneiras, ser possuidor de meios acima da média do local. Fez-lhe umas duas perguntas, entretanto, e o dito cujo não foi capaz de respondê-las. Mas como não era um indivíduo do tipo que pudesse dispensar sumariamente, resolveu interrogá-lo um pouco mais: perguntou qual era a primeira coisa que fazia para tirar o carro da garage pela manhã. O sujeito respondeu que não tinha aquele problema porque o carro dele passava a noite debaixo de um pé de cajú…
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Quando fui tirar a minha carteira de motorista pela primeira vez, lá em Santos, cumpri uma rotina algo curiosa, de cuja sequencia não me lembro muito bem, embora me lembre dos diversos lances ou etapas.
Havia um exame oral e uma chamada prova de rua, em que a gente tinha que dirigir um certo percurso com o examinador ao lado, além de fazer algumas manobras das quais a mais difícil era a tal de baliza. Considerando o tanto que vim a aprender depois de ter tirado a carteira de motorista, vim a concluir que em realidade nem eu e nenhum daqueles que estavam tirando a carteira naquele dia, - e talvez em quase todos os dias, - sabia dirigir. Ou seja, a carteira era concedida de forma que hoje vejo como temerária, sem um período de prova que permitisse aos novos motoristas adquirirem a experiencia necessária antes de receberem uma carteira que lhes permitisse dirigir em qualquer rua ou estrada e em qualquer hora do dia e da noite, sem qualquer monitoramento. Uma loucura.
O exame oral era totalmente proforma, evidentemente: respondíamos a algumas perguntas com respostas óbvias, bastante irrelevantes. Havia depois umas outras coisas que tínhamos que fazer de que não me lembro bem, só me lembro de que íamos percorrendo uma série de guichês, um para cada uma daquelas exigências.
Deslocávamo-nos de guichê em guichê numa espécie de fila indiana, e logo atraz de mim vinha um cidadão português, um pouco mais velho do que os demais candidatos, que parecia estar se sentindo um peixe fora d'água.
Num dos últimos guichês, uma mulher deu-me um pedaço de papel com o meu nome e o título "Prova Escrita", dizendo: "Escreva aí: cuidado nas curvas." Escrevi e ela disse apenas que eu podia passar ao guichê seguinte. O português que vinha logo atraz teve com a tal mulher um diálogo um pouco mais demorado, e foi finalmente dispensado.
Já lá fora, perguntei qual tinha sido o problema, e ele disse que a mulher não tinha encontrado nenhum papel com o nome dele, mas que no final o havia dispensado sem fazer a prova escrita. "Será que foi porque a minha carteira é para carroceiro?", perguntou.
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Minha mulher aprendeu a dirigir lá no interior, numa auto-escola que tinha uns fordinhos antigos daqueles que tinham reduzida e tudo o mais. Foi naquela época em que o pessoal começou a comprar automóveis, quando a indústria nacional colocou no mercado aqueles carrinhos pequenos que todos nós compramos mais de uma vez.
No interior o pessoal comprava os automoveizinhos e começava a dirigir pela cidade, tratando de avisar a todo mundo para tomar cuidado porque estavam aprendendo. Era engraçado e, evidentemente, também perigoso, muito embora não houvesse tráfego apreciável. Mas aconteciam coisas incríveis, como o caso de uma mulher que foi atravessar a passagem de nível junto à estação ferroviária e empacou sobre os trilhos: não teve dúvida em deixar o carro lá e ir a pé para casa. Quando o marido apareceu para buscar o carro, o pessoal da estação o havia empurrado para mais adiante a fim de evitar algum acidente.
Foi uma época interessante porque muita gente de certa idade que nunca tinha dirigido na vida via-se repentinamente com um carro nas mãos e tinha que tirar uma carteira de motorista.
Quando minha mulher estava tendo as aulas na auto-escola, uma senhora, esposa de um juiz, estava também tendo aulas, e minha mulher veio a saber que ela estava tendo aulas havia bastante tempo, muitos meses, porque tinha muita dificuldade. Era natural, evidentemente, que uma pessoa de certa idade tivesse dificuldade para adquirir os reflexos necessários.
Fizeram o exame juntas e a dita senhora ficou jubilosa porque foi finalmente aprovada, depois de muitas tentativas.
No dia seguinte, minha mulher foi até a auto-escola para apanhar a carteira, que êles tinham recolhido na delegacia para ela, e lá encontrou a senhora do juiz, insistindo para comprar um dos fordinhos porque não estava conseguindo dirigir o seu automóvel novo…
Luiz A. Góes