Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Tuesday, June 30, 2009

Diploma ou não diploma, eis a questão

Luiz A. Góes

O Supremo Tribunal Federal resolve que o diploma de jornalista é dispensável, e em seguida abre concurso para contratar jornalistas. Então surge o dilema: exigir ou não o diploma. Parece que se enroscou em sua própria armadilha
Tenho acompanhado com interêsse a discussão que vem tendo lugar pela imprensa escrita, falada e televisiva, bem como na internet, a respeito da recente decisão do STF quanto ao diploma de jornalista. Vejo que sempre nos deparamos, nesse tipo de assunto, com questões de difícil compreensão, e ainda mais difícil resolução, sendo quase impossível discutí-las sem emoções e, ainda mais lamentavelmente, sem tendenciosidades, com total isenção de ânimo.
Uma coisa que me chama a atenção é que a maiór parte da discussão se refere aos direitos e/ou vantagens que os jornalistas diplomados reclamam ter sôbre as demais pessoas. Não tenho como objetivo nestas notas discutir esses direitos: não me cabe contestá-los nem defendê-los. Mas observo que se repete com os jornalistas o que já se passou com outras categorias profissionais regulamentadas há mais tempo, como é o caso da dos engenheiros e arquitetos, em que me incluo.
A meu ver a regulamentação de determinadas profissões tem por objetivo proteger o público em geral de ações predatórias de pessoas mal intencionadas, - do charlatão, diplomado em medicina ou não, que põe em risco a saúde de seus pacientes; do falso engenheiro, diplomado ou não, que se propõe a construir edificações que venham a causar acidentes e catástrofes; do mau advogado, diplomado ou não, que defenda mal o seu cliente causando-lhe mais prejuizo do que benefício; e assim por diante, - e não especificamente garantir direitos e vantagens, tal como reserva de mercado ou qualquer outro, aos profissionais dessas categorias. A parte relativa à fiscalização das atividades dos profissionais, diplomados ou não, incluida nessa regulamentação, talvez seja a mais importante de toda a regulamentação.
É evidente que ninguém tem condições de competir, sem ter formação, com o profissional bem formado, embora sempre existam exceções. E é evidente que a proteção de cada categoria se faz muito mais através das escolhas feitas pelos respectivos clientes ou empregadores do que pelos órgãos fiscalizadores. De fato, cabe a quem contrata exigir a formação que pretende em quem emprega: quando ela é dispensada, os órgãos de fiscalização se tornam inúteis, porque só atuam quando acionados por alguma queixa, ou depois que ocorre alguma catástrofe. E, evidentemente, queixas podem ser feitas tanto contra o indivíduo que pratica a profissão sem ter a formação necessária quanto contra o que a pratica mal mesmo tendo a citada formação. A esmagadora maioria das transgressões, seja por parte dos empregadores ou clientes, seja por parte dos profissionais, acaba ficando ignorada e impune.
Durante minha vida profissional de engenheiro vi serem criados cursos ditos de engenharia com duração de 3 anos, e vi serem criados cursos de nível de segundo grau para técnicos em edificações. Insurgi-me, na época, contra ambos, mas com o tempo fui compreendendo que realmente existe muita coisa na área de engenharia que pode ser feita por técnicos de nível médio e engenheiros de 3 anos, sem a necessidade absoluta do emprêgo de engenheiros de 5 anos. O perigo está, evidentemente, em se generalizar ou relaxar a coisa e permitir que esses técnicos ou meio-engenheiros venham a se encarregar de tarefas que exigem plena formação e treinamento em engenharia.
De qualquer forma a regulamentação da profissão de engenheiro criou, ao lado das precauções e cautelas necessárias à segurança e à economia das construções e atividades inerentes à engenharia nas indústrias e obras públicas e particulares, uma reserva de mercado para os engenheiros, o que os beneficiou mas prejudicou muitos setores importantes para o desenvolvimento do país, dentre os quais cito o habitacional, encarecendo e dificultando a construção de habitações simples por muito tempo.
Na advocacia também vimos acontecerem coisas do gênero, que provocaram o desaparecimento dos rábulas, mas na prática continuou sem solução satisfatória o problema experimentado pelas pessoas pobres no acesso à justiça, com todas as suas complicações de procedimentos, com apelações sem fim, com protelações ad infinitum, com custos só suportáveis pelos mais ricos. A criação, por exemplo, de tribunais simplificados para o julgamento de pequenas causas, com dispensa dos advogados e de qualquer burocracia, a defesa de cada uma das partes sendo feita pelos próprios interessados perante o juiz e êste decidindo em rito sumário, seguramente permitiria dirimir grande parte da dificuldade de acesso das pessoas à justiça, embora a muitos advogados seguramente a idéia não agrade, particularmente à imensa maioria que vive justamente de pequenas causas.
Na medicina, durante grande parte de minha vida residindo em lugares remotos (mesmo nas capitais, os bairros de periferia ficam nessa categoria), vi os "farmacêuticos", nem sempre formados e sim apenas donos de farmácias, serem sempre (como ainda são em grande parte do território nacional) os "médicos", mesmo proclamando-se apenas farmacêuticos, que quebram o galho da maioria da população. Não fossem êles, e todos ficariam totalmente sem qualquer socorro, porque os médicos são muito escassos nesses lugares. Melhor êles, sem dúvida, do que os curandeiros de mais antigamente. Atualmente fala-se em reconhecer os cursos de medicina de Cuba e permitir que "médicos" cubanos exerçam a medicina no Brasil, particularmente em regiões remotas. Mas existe o perigo de, autorizando-se esses "médicos cubanos" a exercerem a medicina no país, sabendo-se que são realmente meio-médicos, invadirem facilmente atividades que exigem formação e treinamento plenos em medicina, além de não respeitarem a premissa de se destinarem a áreas remotas e se fixarem nos grandes centros.
No caso do jornalismo, a regulamentação da profissão durante os govêrnos militares, ao mesmo tempo que atendeu aos desejos e anseios dos jornalistas formados, foi também uma forma, na época, de calar muitas bocas, tendo sido esse, talvez (para o govêrno da época), o objetivo maiór da regulamentação quando ocorreu. (Tanto aquela regulamentação, quanto o pretendido reconhecimento dos "médicos cubanos", relacionam-se com aspectos ideológicos ou interêsses não relacionados com as duas profissões.)
Quer dizer: já por ocasião da regulamentação da profissão, com a criação da exigência do diploma, a questão se concentrava mais na liberdade de expressão, o que agora voltou a servir de argumento ao Supremo Tribunal Federal, mas em sentido contrário, para dispensar a exigência do referido diploma. É realmente muito difícil garantir-se o direito constitucional à liberdade de expressão e ao mesmo tempo garantir a exclusividade aos formados em jornalismo na imprensa escrita, falada e televisiva. Acho que, se houve êrro do STF (e certamente houve, porque descontentou a muitos), foi o fato de ter se preocupado em desqualificar o diploma de jornalista em lugar de enfocar adequadamente o problema maiór, que é essa questão da liberdade de expressão, tão crucial no Brasil de nossos dias.
E desqualificando o diploma de jornalista, o Supremo Tribunal Federal fez, a meu ver, uma contribuição para a doutrina do atraso, tão bem personificada pelo dirigente maiór que se vangloria de não ter diploma e vai mais além, fazendo a apologia da ignorância.
O dilema em que se encontra o Supremo Tribunal Federal é falso, porque não há dúvida, em minha opinião, de que o Supremo Tribunal Federal deve exigir o diploma de jornalista às pessoas que pretende contratar.

Saturday, June 27, 2009

Recados célebres

Luiz A. Góes

O quê é um recado? É uma espécie de mensagem curta, geralmente transmitida oralmente.
A história registra numerosos recados célebres, sendo um dos mais antigos conhecidos o enviado por Júlio César no ano 47 A.C., após vencer a Batalha de Zela contra o rei Parnaces II, da região conhecida então como Ponto. Trata-se de um recado composto por uma única frase, a qual chegou aos nossos dias graças aos relatos de Plutarco e Suetonio.
Essa frase, considerada por muitos como uma manifestação bastante cabotina de Júlio César, é repetida constantemente em nossos dias como tendo sido "Veni, vidi, vinci", cuja tradução livre e direta seria "Cheguei, vi, venci", maneira extremamente lacônica de relatar o acontecido, mas a um tempo proclamando a totalidade da vitória e relembrando ao Senado romano que êle, César, tinha a fôrça e como que desprezava o poder dos chamados "patrícios", que ainda dominavam o Senado. E de fato Júlio César foi apenas o primeiro de doze Césares, como conta a história.
Apesar de ter sido um ponto marcante da escalada de César rumo ao poder, a vitória sôbre Parnaces II teria sido uma vitória fácil, ao contrário do que muitos pensam, mesmo porque César tinha tido muitas vitórias mais importantes e difíceis antes dela.
Um outro recado importante dado por César foi sintetizado na frase "A mulher de César tem que estar acima de qualquer suspeita". Ela foi dita quando César divorciou-se de Pompéia, neta de Sulla, o imperador que um dia o tinha condenado à morte, devido a rumores de que Pompéia teria tido um caso com um general (que César, por sinal, não puniu: antes aproveitou-o em missões importantes depois do episódio). Esse recado foi entendido como uma advertência a todos os que o cercavam, de que não toleraria qualquer desvio de conduta ou traição, por mais próximos que fossem os laços entre êle e seus aliados.
Outro recado muito significativo de que me recordo foi enviado pelo Marquês de Pombal ao Rei da Espanha, por volta de 1760. O Marquês ficou famoso, mas o recado é muito pouco conhecido, porque o Marquês era muito maiór do que qualquer dos recados que tenha enviado, tantos foram os feitos ao longo de toda a sua extraordinária biografia.
Seu nome era Sebastião José de Carvalho e Melo, e foi o todo poderoso primeiro ministro de Portugal de 1750 a 1777, um período difícil marcado por acontecimentos como o terremoto que destruiu grande parte de Lisboa e acabou originando o chamado estilo arquitetônico Pombalino, usado na reconstrução que se seguiu. Enfrentou grandes problemas econômicos e revigorou a economia portuguesa, tendo governado com mão de ferro. Aboliu a escravidão nas colônias portuguesas na India e debelou uma rebelião cujo lance mais dramático foi um atentado contra a vida do rei Dom José I, o famoso caso dos Távoras, que liquidou como um ráio, prendendo e fazendo executar os responsáveis em tempo recorde, ao mesmo tempo que baniu os jesuítas, talvez envolvidos no complô, o que, como todos sabem, afetou profundamente as coisas no Brasil, onde os jesuítas tinham papél proeminente.
Um dos maióres problemas de Pombal era a constante pressão da Espanha, que não escondia suas pretensões territoriais e talvez estivesse buscando um meio de recuperar os vastos territórios que tinha perdido na América do Sul com a extensão do Brasil além da linha de Tordesilhas em 1640. O rei da Espanha vivia mandando recados através de seu embaixador, recados ameaçadores, "ameaças entre dentes", como conta a crônica, e Pombal a tudo contornava com diplomacia, até que um dia sua paciência se esgotou, - talvez diante de uma ameaça mais explícita de invasão, - e resolveu substituir a diplomacia por um recado que enviou ao rei da Espanha. Esse recado foi o seguinte:
"Senhor embaixador: diga ao seu rei que um homem é tão forte em sua própria casa que mesmo depois de morto são precisos quatro para tirá-lo de lá."
Não é possível saber se foi devido ao recado, mas não houve qualquer invasão ou outro problema com a Espanha até o fim do mandato de Pombal como primeiro ministro.
Com a morte de D. José I em 1777 subiu ao trono sua filha Maria I, que era inimiga figadal de Pombal: demitiu-o imediatamente, e em seguida fez mover contra êle investigações e processos diversos, terminando por condená-lo a nunca se aproximar dela própria mais de 20 léguas.
Essa esdrúxula pena fez com que Pombal se mudasse de Lisboa para uma propriedade que tinha, exatamente na localidade de Pombal, onde passou a viver. Mas não teve mais socêgo, apesar de sua avançada idade, porque sempre que a rainha se movimentava em sua direção era obrigado a se retirar para mais longe a fim de manter a distância que tinha sido condenado a manter dela. Viveu assim apenas um ano depois da condenação.
Essa Maria I viveu até 1816, e ficou conhecida como Maria, a Louca, porque ficou demente e terminou seus dias com o filho fazendo o papél de regente e governante de fato: era a mãe de D. João VI.
Nossa independência começou, conforme diz a história, com um grito que foi um recado, porque embora reproduzido à exaustão depois, quando foi emitido foi apenas gritado, e não escrito. Leva em seu favor a vantagem de ter sido gritado para que todos o ouvissem diretamente, e não mandado transmitir. "Independência ou morte" foi, quero crer, o grito que sintetizou a mensagem de que lutaríamos até a morte pela nossa independência. Se não foi essa a idéia, não consigo imaginar qual tenha sido.
O Grito do Ipiranga pecou, talvez, apenas na sua originalidade, ao mesmo tempo que revelou uma faceta de D. Pedro I da qual pouco se fala: a sua vasta cultura.
De fato, em 1775 um proeminente participante da revolução americana, de nome Patrick Henry, pronunciou um discurso que ficou célebre por sintetizar os anseios da nação em vias de nascer, discurso esse que terminou com o seguinte parágrafo, do qual a última frase é lembrada nas escolas americanas quando se estuda a guerra da independência:
"Is life so dear, or peace so sweet, as to be purchased at the price of chains and slavery? Forbid it, Almighty God! I know not what course others may take; but as for me, give me liberty or give me death!"
Traduzindo: "É a vida é tão cara, ou a paz tão doce, a ponto de ser comprada ao preço de correntes e de escravidão? Não o permita, Deus todo poderoso! Não sei quê caminho os outros vão tomar; mas quanto a mim, dê-me liberdade ou dê-me a morte!"
Foi o primeiro grito de "independência ou morte" registrado na história da humanidade. É interessante que Patrick Henry falou em têrmos absolutamente pessoais, e quiz dizer, pelo que se entende, que não desejava viver se não tivesse liberdade. E seu discurso não foi um simples recado.
Ou D. Pedro I tinha lido o discurso, e nele se inspirou para proferir o grito, ou ocorreu uma tremenda coincidência, muito pouco verossímil.

Um outro recado que considero célebre e pitoresco, embora quase totalmente desconhecido, foi mandado por Virgulino Ferreira da Silva ao governador Costa Rêgo, por volta de 1935.
Virgulino Ferreira da Silva é mais conhecido como Lampião, aquele cangaceiro nordestino que tanto trabalho deu às autoridades por várias décadas, e Costa Rêgo era o governador de Pernambuco ou de Alagoas, não me lembro bem.
Lampião foi figura muito controvertida, - acho que os que conhecem sua história em detalhe ainda o consideram muito controvertido, - e embora fora da lei era apoiado por muitos e protegido em vastas regiões do nordeste, onde fazia estripulias de toda sorte, fartamente documentadas em reportagens, literatura, e até filmes.
As tentativas das polícias estaduais para capturá-lo ou matá-lo sempre falhavam: êle sempre estava preparado quando os "macacos", que era como chamava os policiais, apareciam: invariavelmente acabava com êles antes que pudessem fazer qualquer coisa. A ponto de ter ficado até mesmo difícil encontrar policiais que se dispusessem a adentrar o sertão para perseguí-lo.
Numa dessas refregas com a polícia, Lampião resolveu mandar um recado ao governador: matou todos os "macacos" mas poupou um, que enviou de volta dizendo:
"Diga ao governador Costa Rêgo que êle pode mandar até Palmeira dos Indios, e eu mando de Palmeira dos Indios para dentro do sertão. E diga também que estou acostumado a saltar rio, quanto mais… rêgo."
Se o recado foi dado ao governador, não se sabe, mas acabou ficando registrado nas crônicas. O que se sabe é que em 1938 Lampião foi finalmente traído por um antigo simpatizante ou protetor, que forneceu suas coordenadas à polícia e possibilitou que fosse morto em companhia da maiór parte de sua gangue: foi a primeira vez que se deixou surpreender.
Poderíamos ficar lembrando recados célebres por horas ou talvez dias a fio, sem cessar, tantos são os registrados pela história, ou ficar colecionando recados dados diariamente às centenas ou milhares, porque vivemos num mundo de insinuações, de pressões e de chantagens, em que a verdade é raramente colocada sôbre a mesa como se poderia ou gostaria de esperar: tudo o que é dito, particularmente nos nossos meios políticos, tem duplo significado, muito embora geralmente não se perceba à primeira vista. Bem fariam todos se, em lugar de ficar enviando recados, lembrassem certos recados registrados pela história a fim de não mais repetirem os êrros que infelizmente desfilam constantemente diante de nossos olhos.

Friday, June 26, 2009

A arte de mentir

Luiz A. Góes

Estamos vivendo num mundo em que prevalece a máxima invertida segundo a qual "contra argumentos não há fatos". A palavra argumentos está sendo usada, nessa frase, de maneira eufemística para designar mentiras, porque só com mentiras se pode negar fatos. E é nesse mundo de negações, ou de versões fantasiosas de uma realidade frequentemente inexistente que vemos os acontecimentos deixarem de ter acontecido quando alguém resolve negá-los, ou fazer prevalecer em seu lugar uma versão inventada que jamais ocorreu.
Em minhas atividades de consultoria organizacional, que exerci por vários anos, meu trabalho se transformava frequentemente em verdadeira aventura investigativa porque, por mais incrível que pareça, muitas vezes o próprio cliente procurava esconder a verdade dos fatos e apresentava uma versão inverídica, fantasiosa, inverossímil, em seu lugar. Um absurdo, porque o cliente devia ser o maiór interessado em conhecer a verdade a respeito de sua organização, e me enganando impedia que ela viesse à tona.
Muitas poderiam ser as razões para isso, como por exemplo algum tipo de temor não confessado (por exemplo o de eu ser algum agente disfarçado de seus competidores, ou do govêrno), ou porque havia vários sócios e algum deles estaria enganando os demais, ou devido a algum problema familiar inconfessável, e por aí vai.
Diante disso, foi de maneira mais ou menos natural que me acostumei a prestar atenção a detalhes que me indicavam quando as pessoas não estavam dizendo a verdade. Os auditores utilizam técnicas bastante precisas para apurar discrepâncias, por meio de confrontação de números e documentos, e por meio de interrogatórios (ou, se preferirem, de entrevistas), em que os atores da organização frequentemente se contradizem nas informações que prestam. Quando se tem por objetivo apenas mostrar um quadro de discrepâncias e problemas, essas técnicas podem ser satisfatórias, mas quando se objetiva ir mais além e solucionar de imediato os problemas existentes, é preciso conseguir perceber desde logo quando a verdade está sendo negada.
Achei muito interessante uma mensagem que circula pela internet com instruções sôbre como se dectetar uma mentira. Preparada por especialistas, essa mensagem aponta diversos aspectos que eu já tinha detectado na prática, mas deixa ainda margem muito grande a descoberto, a qual é explorada de maneira mais ou menos sistemática pelos praticantes da arte da mentira.
Por quê se mente? Por muitas razões: mente-se por convenção, mente-se por conveniência, mente-se por ambição, mente-se como defesa, mente-se por hábito, mente-se como doença… são numerosas as razões possíveis. Quando somos apresentados a alguém, por exemplo, costumamos dizer "muito prazer" mesmo que não tenhamos prazer nenhum em conhecer essa pessoa: é a mentira social, ou por convenção, usada porque seria muito desagradável expressarmos o contrário. Quem ambiciona alguma coisa, algum cargo, alguma recompensa, costuma esconder de outros que possam ter a mesma ambição informações que possam ajudar esse alguém a conseguir o que se ambiciona em nosso lugar: é a mentira por ambição, seja simplesmente por meio do silêncio ou pela substituição da verdade por alguma inverdade (dizer "não sei" quando se sabe de alguma coisa, por exemplo). Quem fez algum mal-feito costuma ocultar o fato por meio de versões falsas dos acontecimentos: é a mentira como defesa, frequentemente detectada, por exemplo, nas côrtes de justiça.
Mas existem pessoas que mentem por simples hábito: em situações em que a mentira seria totalmente desnecessária ou inútil, em que não traria qualquer benefício a quem a pratica, vemos frequentemente as pessoas mentirem de maneira muitas vezes evidente, sem se aperceberam do ridículo em que se colocam ao fazê-lo. Muitas dessas pessoas mentem por razões emocionais: diante de assuntos que lhes tocam emocionalmente, preferem mentir a aceitar simplesmente a verdade factual, mesmo se expondo a serem desmascaradas ou a ficarem desacreditadas perante os circunstantes. Os psicólogos conhecem bem o mecanismo conhecido como "negação", que se manifesta quando uma pessoa não consegue, por razões emocionais, enfrentar a verdade dos fatos, e por isso os nega, ou produz alguma versão inverossímil dos mesmos. Esse mecanismo tem muitas nuances, mas é, em última análise, sempre o mesmo.
Geralmente a pessoa que adquire o hábito de mentir costuma, em sua vida diária, praticar outros delitos, mesmo que sejam apenas pecadilhos menores, coisas que costumam passar despercebidas, mas que não deixam de constituir transgressões às boas maneiras ou às convenções socialmente aceitáveis. E é muito difícil estabelecer-se o limite entre esse universo de mentirosos por hábito de um outro, o dos mentirosos em resultado de uma desordem mental conhecida como mitomania, desordem essa que compele a pessoa a mentir constantemente: talvez isso lhe cause prazer.
Quem mente sempre espera, evidentemente, que se acredite em sua mentira. E mentira gera mentira, porque assim como se mente para esconder um mal feito, também se mente para esconder ou justificar outra mentira: a coisa tende a se tornar uma bola de neve, que quando rola cresce constantemente. Essas pessoas consideram-se, segundo entendo, mestras na arte de mentir, arte essa em que se esmeram cada vez mais à medida em que se convencem de que suas mentiras vão sendo aceitas como verdades.
Por quê mentiras não são desmascaradas sempre que percebidas? Pode-se responder a essa questão de muitas maneiras, conforme o caso: como o ônus da prova cabe a quem acusa, frequentemente a mentira não é contraditada, embora plenamente percebida, porque não traria vantagem a quem a detecta, ou lhe traria apenas o trabalho de fazê-lo, além de eventuais desvantagens ou dissabores. Esse tipo de situação é muito mais frequente do que se pensa, mesmo porque apenas naqueles casos em que se faz absolutamente necessário contraditar alguém que mente se o faz: evitar incidentes desagradáveis, bate-bocas ou perturbações a terceiros são os motivos mais frequentes para isso.
Chega a ser muitas vezes engraçado, porque quem mente sabe que sua mentira não foi tida como verdade, e quem a ouviu sabe que ouviu uma mentira: trata-se de um jogo de faz-de-conta, o mentiroso ficando firme em sua mentira, e os ouvintes ficando firmes em fingirem que acreditaram. Quer dizer: para que a arte da mentira possa ser praticada, é preciso que todos os atores participem desse jogo, uns mentindo e outros fingindo que acreditam. E assim vamos vivendo num mundo de faz-de-conta.