Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Monday, January 29, 2007

A Primeira Obra

Luiz A. Góes
Quando fui trabalhar na COSIPA, em 1962, aquilo era um enorme canteiro de obras, cheio de coisas começadas ou apenas ameaçando começar, e de espaços vazios reservados a coisas ainda apenas pensadas. Além, é claro, dos famigerados barracões de madeira em que se instalavam os escritórios onde trabalhávamos e improvisações de todo tipo. E boa parte do terreno estava tomada por enormes caixas e engradados contendo equipamentos que começavam a chegar, a maioria sôbre estivas para que não afundassem no mangue que era o real terreno sôbre o qual se construía a usina.
Havia apenas duas obras terminadas: o prédio provisório do escritório da administração, que era nada menos do que a casa da fazenda cujo terreno estava sendo utilizado, e o viaduto sôbre a ferrovia e o rio (acho que se chama rio Piaçaguera) que passam logo em frente à entrada principal da usina. Até mesmo o prédio da administração principal, e o restaurante dito da administração, estavam ainda em obras, apesar de já ocupados parcialmente.
A casa da fazenda havia sido apenas reformada para servir de escritório, não foi exatamente construída: já estava lá, e também foi ocupada de sopetão enquanto era reformada. A primeira obra completa de fato foi o tal viaduto, pelo qual todos tínhamos que passar todos os dias a menos que chegássemos à usina de trem. É uma obra que, na época, surpreendia porque surgia no meio do nada, depois de uma longa estrada enlameada e esburacada com mato por todos os lados.
Consta que antes havia uma ponte de madeira sôbre o rio e uma passagem em nível sôbre a ferrovia.
Num dia quente daqueles de janeiro, os engenheiros que já haviam sido designados para trabalhar na obra estavam reunidos no escritório provisório, a tal casa da fazenda, quando alguém veio avisar que havia chegado um caminhão carregado, o primeiro com suprimentos para o início das obras, e estava parado no outro lado do rio.
O pessoal resolveu ir até lá e se deu conta de que tinham um problema inesperado nas mãos: a tal ponte de madeira, segundo uma velha placa que lá estava, não suportava cargas brutas maiores do que três toneladas, e aquele caminhão seguramente pesava muito mais do que isso. Pensaram em descarregar e levar as coisas uma a uma para o páteo da usina, mas se tratava de carga pesada, de modo que ficaram discutindo um pouco o assunto sem encontrar uma solução imediata.
Mas o sol fê-los tomar uma decisão, esta sim, imediata: voltar para o escritório e continuar a discutir o assunto lá, porque estava de doer os miolos. Discute que discute, de repente um deles olhou pela janela e viu o caminhão bem ali, diante deles.
Alarmados, foram lá para fora e interrogaram o motorista: meio desengonçado o infeliz explicou que ao chegar parece que havia visto uma placa indicando carga máxima de três toneladas, mas que devia ter sido algum engano, porque não havia placa nenhuma lá, e como ninguém havia dito nada a êle, resolveu passar a ponte e ir acabar de entregar sua carga no local correto.
Incrédulos, os engenheiros correram para a ponte, e de fato não mais encontraram a famigerada placa, que deu um sumiço daqueles, nunca mais foi localizada. Algum gaiato, no meio da confusão que havia se armado, arrancou a placa e escafedeu-se com ela para local ignorado.
No caminho de volta para o escritório, os conscienciosos profissionais tomaram a decisão mais importante do dia, que puzeram imediatamente em prática: escreveram um minucioso e alarmante relatório para a diretoria, pràticamente exigindo que a construção do viaduto, - que estava provàvelmente sendo discutida ou negociada com a municipalidade ou com o Estado, - fosse atacada imediatamente, porque não haveria como abastecer as obras.
E assim, a primeira obra foi imediatamente realizada, em terreno externo ao da usina, em realidade a via pública, e consumindo recursos que não estavam no orçamento do projeto siderúrgico.
Ainda haveriam de suceder muitos desses imprevistos antes que a usina pudesse entrar em operação: a moda havia sido apenas inaugurada.
Há gente que sabe dessa história melhor do que eu, que a estou contando por tê-la ouvido como explicação para o fato de que a única obra realmente concluida quando cheguei à usina era aquele viaduto, espécie de tapete vermelho para o lamaçal que enfrentamos por bom tempo. Se algum de vocês souber de alguém que possa dar um testemunho mais preciso, peço que o faça, e que corrija as imprecisões que eu possa estar cometendo.

Thursday, January 11, 2007

Um cavalo com nome de homem

Luiz A. Góes
Já andei falando muito de um homem chamado cavalo, há algum tempo. O tal homem, por sinal, caiu do cavalo e no tombo levou consigo a tribo inteira. Mas isso hoje são águas passadas, de modo que agora desejo falar de um cavalo com nome de homem. Explico.
Na invasão de Portugal por Napoleão, - no século XIX, faz um bocado de tempo, - um inglês, cujo primeiro nome eu nunca soube mas cujo último nome era Barnett, lutou contra os franceses em Portugal. Nunca me ficou claro se era integrante das tropas inglesas ou se era um mercenário a serviço da corôa, mas era sem dúvida um aventureiro de primeira. Nunca aprendeu a falar português mas, como bom soldado, aprendeu todos os palavrões que o idioma de Camões proporciona.
Pois o nosso amigo Barnett admirou-se sobremaneira quando, terminada a guerra e expulsos os franceses, a côrte lusitana, refugiada no Brasil, se recusava a retornar. Ouviu maravilhas sôbre a colônia sulamericana e se entusiasmou com uma idéia: amante das corridas de cavalos, arquitetou o projeto de ir para o Brasil e iniciar a criação de cavalos da raça Puro-Sangue (Thorough Breed, em inglês), desenvolvida na Inglaterra, como se sabe, a partir de noventa éguas bem escolhidas e quatro garanhões de alta estirpe para constituírem a nata da nata dos cavalos ingleses de corrida. Todos os descendentes desse grupo de animais passou a constituir, por definição, a raça Puro-Sangue, com rigoroso registro de todos os seus descendentes pelo Derby inglês.
Mas no meio da refrega o nosso herói envolveu-se com uma francesa que não se sabe como foi parar em Portugal ou na Inglaterra àquela altura do campeonato, e com ela se casou. Para dar andamento a seus planos, comprou uma potranca Puro-Sangue à qual deu, em homenagem à esposa, o nome de Mrs. Barnett, com o qual ficou registrada como mandava o figurino.
Atingida a idade para enxêrto, a potranca foi devidamente emprenhada por um garanhão Puro-Sangue de boa fama e pronto: estava tudo preparado para a mudança para o Brasil. Barnett embarcou tudo, ou seja, êle e a esposa, mais a potranca e seus trecos, num navio, e lá se foram.
Mal chegaram ao Brasil, a esposa francesa, talvêz embalada pelo calor dos trópicos, deu de pular a cêrca e acabou se mandando, deixando o desafortunado Barnett com a outra Mrs. Barnett, a potranquinha, que estava a ponto de criar. E dela nasceu um belo cavalinho a que o Barnett, na raiva em que estava, deu o nome de Filho-da-Puta, já que a mãe se chamava Mrs. Barnett.
E, desiludido, resolveu voltar para a Inglaterra com o seu cavalinho, o qual foi devidamente registrado no Derby com o seu nome àquela altura incompreensível para a maioria dos ingleses.
Se se desiludiu com o casamento, Barnett não perdeu a paixão pelos cavalos e pelas corridas, especialmente se elas podiam lhe trazer algum lucro, e assim o Filho-da-Puta foi, logo que a idade permitiu, entronizado nas carreiras. E começou a ganhar sem parar, tornando-se o maior campeão de todos os tempos e proporcionando considerável fortuna a seu dono.
Provàvelmente ninguém no Brasil tomou conhecimento do assunto na época, mas o govêrno português protestou diplomàticamente contra aquele nome insultuoso que saía constantemente nas manchetes dos jornais, porque ganhava todas as corridas. O govêrno inglês e o Derby ignoraram solenemente os protestos porque, segundo a tradição, nenhum nome de cavalo Puro-Sangue podia ser mudado.
Indiferente a tudo isso, e agora experimentando novas alegrias com a fortuna acumulada, o nosso amigo Barnett acabou fazendo as pazes com o casamento e arranjou outra esposa.
Quando o cavalo campeão deixou de correr devido à idade, - tinha no máximo uns sete anos, e muitos de vida pela frente, - ainda prometia dar muitos lucros como reprodutor, porque uma cobertura dele seguramente valeria bom dinheiro por muito tempo.
Mas novamente o espírito aventureiro prevaleceu: agora com a fortuna nas mãos e uma nova esposa, Barnett adquiriu um bom número de boas potrancas Puro-Sangue e embarcou com seus animais e mais a esposa em outro navio, de novo rumo ao Brasil, onde iniciou, finalmente a criação de cavalos da raça Puro-Sangue.
E assim vocês ficam sabendo, se ainda não ouviram falar, que, por obra de uma pulada de cêrca, todos os cavalos brasileiros da raça Puro-Sangue, com muito poucas exceções, são descendentes do Filho-da-Puta, cujo retrato aparece, com o nome em baixo, nas salas de visitas, escritórios e outras dependências de todos os aficionados de corridas de cavalos que sabem das coisas no Brasil. Prestem atenção que vocês vão fatalmente ver um desses retratos qualquer dia desses: o de um cavalo que recebeu um nome geralmente dado a homens, - embora, e felizmente, não a muitos.

Tuesday, January 09, 2007

Mais nomes

Luiz A. Góes
Já que andei falando de nomes de pessoas, porquê não falar de nomes de animais? Particularmente dos animais de estimação, que frequentemente têm nomes de gente, passam a "fazer parte da família", não é mesmo?
Quando meus filhos eram pequenos fizemos questão de ter alguns animais domésticos para diversão deles: começamos com um casal de bicos-de-lacre, passarinhos pequeninos e bonitinhos, e depois uma tartaruga, que se não me engano ainda deve estar viva, embora eu não saiba onde. Os bicos-de-lacre não tiveram nomes, mas a tartaruga foi logo batizada com o nome Miriam.
De vez em quando eu ouvia uns gemidos no quintal, mas nunca encontrava nada quando ia olhar, até que um dia flagrei a Miriam tentando trepar numa bola de futebol furada de meu filho, a qual tinha murchado e de longe podia bem ser confundida com uma tartaruga: era uma daquelas bolas de capotão, e a cor era parecida com a da Miriam. Os gemidos da Miriam eram muito parecidos com gemidos de gente, e eram bem altos. E o fato de a Miriam estar tentando trepar na bola levou-me a tentar aprender alguma coisa sôbre tartarugas: foi assim que aprendi a distinguir o sexo de tartarugas e jabutis, e descobri que a Miriam era realmente macho e não fazia juz ao nome que tinha recebido. Mas àquela altura não valia a pena mudar, porque só as explicações que teríamos que dar às crianças já eram motivo suficiente para deixarmos tudo como estava.
Tivemos também alguns cães: minha mulher, quando solteira, sempre tivera animais de estimação, entre êles coelhos e cães, além de sempre ter se divertido, desde criança, com os patinhos e peruzinhos que minha sogra costumava ter no quintal da casa dela, - até hoje minha mulher tem verdadeira adoração por patos, particularmente depois que ficou conhecendo numerosos tipos de patos existentes em várias partes do mundo.
Tentamos conservar um dos filhotes de uma cadela pastor que ela tinha, mas não conseguimos: foi preciso desfazermo-nos dele bem antes de nos casarmos. Mas assim que pudemos ver-nos em uma casa com um bom quintal tratamos de arranjar uma cadela Dálmata com poucas manchas marrons e boa estrutura, uma beleza de animal a que demos o nome de Bianca. Essa cadela fazia um sucesso tremendo sempre que a levávamos para a rua, e logo apareceram candidatos da mesma raça para cruzar com ela, mas, nunca soubemos porquê, as tentativas sempre se frustraram.
Tempos depois ganhamos um pequeno Bassê cor de cobre, a que demos o nome de Garufa, porque nos foi dado por um primo que tinha vivido parte de sua vida na Argentina e era um tremendo malandro no bom sentido: vivia inventando e colocando em prática malandragens que só êle mesmo podia imaginar. Garufa é o nome daquele malandro portenho do famoso tango: "Garufa, como sois divertido… Tu madre dice que sois un caso perdido…"
Pois o Garufa não negou a fama: apesar de ser pequenino em relação à Bianca, conseguiu cruzar com ela e nos deu uma nova cachorrinha, a que demos o nome de Milonga para seguir a "tradição". Continuou depois a cruzar com a Bianca e com a Milonga, e chegamos a ter, em dado momento, quatorze cães em casa, todos perfeitos e muito bonitinhos, apesar de sempre nos esforçarmos para distribuí-los entre os amigos e conhecidos, porque não dava para manter aquela matilha. Mas aquela turminha sempre me deu muita satisfação: acostumaram-se a me esperar junto ao portão no fim do dia, e quando viam o carro armavam uma barulheira para ninguém colocar defeito.
Um dia, num aniversário de uma das crianças, chegou um casal de amigos com um bebezinho recém-nascido. Todos quizeram ver o pequerrucho e ficaram sabendo que era uma pequerrucha, cujo nome era Bianca. Meu filho, então com 4 anos, saiu pela casa gritando: "Mamãe! Mamãe! Esse nenê tem um nome maravilhoso! O mesmo nome do meu cachorro!" Foi um vexame, mas deu a exata medida de quanto êle gostava da Bianca.
O gosto por animais fez com que minha sogra presenteasse meu filho com uma potranca que nasceu na fazenda, filha de uma das éguas dela. Meu filho escolheu, não sei por obra do quê, o nome Danúbia para aquela potranca, que veio a ser uma bela égua e nos deu numerosas crias, as quais acabei vendendo quando me desfiz de meu sítio. Uma dessas crias era uma potranca loira que fez um sucesso danado e sempre tinha muitos pretendentes compradores.
No sítio, - que naquele tempo chamávamos de fazenda, - eu tinha gado leiteiro, e sempre dei nomes de pedras preciosas ou semi-preciosas às cabeças que precisavam ter nomes. Assim, havia um touro chamado Topázio, e um outro chamado Brilhante. Os nomes das vacas eram Turmalina, Esmeralda, Opala, Onix, e por aí afora. A Turmalina foi a melhor vaca leiteira que tive em todos os tempos. A Onix foi assim batizada por ser uma vaca toda preta.
Nome de vaca é importante porque as vacas atendem pelos nomes, depois de acostumadas, - e se acostumam rapidamente, desde que dão cria pela primeira vez, - porque o mesmo nome é usado para os respectivos bezerros, que também atendem, até que sejam desmamados. Minha sogra e minhas cunhadas implicavam com o nome da Esmeralda, e um pouco com o nome da Safira, que eram considerados nomes de gente, mas depois uma de minhas cunhadas gostou da idéia e começou a batizar o gado dela com nomes como Roberto Carlos, Vanderléia, Nara, Elis Regina, etc, etc. Para a minha sogra aquilo era um absurdo, porque as vacas dela sempre tinham tido nomes como Malhada, Gaúcha, Pretinha, etc, mais "apropriados" a animais, segundo ela.
Um dia contratei um retireiro, - esse era o nome dado àqueles capatazes que cuidam das vacas leiteiras e tiram o leite, porque o local ficava sendo chamado de retiro, - que, sendo novo, teve que ser instruído quanto aos nomes das vacas. Custou um bocado para aprender, porque eram todos nomes muito exquisitos para êle. Criei um sistema para que o retireiro, fosse quem fosse, registrasse tudo o que acontecia com cada animal durante minha ausência, e um dia, lá chegando, li no caderno de anotações o seguinte: "Corcel criô bezerra maiada no dia 5."
No primeiro momento não entendi, mas depois percebi a coisa: o sujeito estava chamando a Opala de Corcel, e me informava que a mesma tinha dado cria a uma bezerra malhada no último dia 5. Êle ainda não estava conseguindo pensar em têrmos de nomes de pedras, mas sabia os nomes dos automóveis que existiam na época…
Um belo dia surgiu uma novela da Globo que era a estória de dois fazendeiros rivais, um deles máu caráter, interpretado pelo Lima Duarte, e a outra, - uma mulher, - interpretada pela Regina Duarte. O nome do tal fazendeiro maucaratista era, se não me engano, Sinhozinho Malta, e a tal mulher era conhecida como "viúva Porcina" – eu nunca soube se o público se dava conta de que porcina é o mesmo que porca…
Pois bem: as vacas do Sinhozinho Malta tinham os mesmos nomes das minhas, ou seja, de pedras preciosas e semi-preciosas. Eu devia ter cobrado royalties da Globo, ainda mais que um dia morreu a Turmalina do Sinhozinho Malta, e êle chorou amargamente porque era a melhor vaca dele, da mesma forma que a minha Turmalina era a melhor vaca que eu tinha. E por conta da novela fiquei recebendo telefonemas de parentes e amigos que sabiam dos nomes das minhas vacas, para comentar o assunto, por longo tempo.
Minhas duas filhas têm, atualmente, cães e gatos: uma delas começou com gatos, chegou a ter três, e agora está evoluindo para os cães por influência do marido. O gato que sobrou se chama Sam, e o cão, um Rottweiler, chama-se Brady, que nos EUA pode ser nome de gente. O Brady é um cão belíssimo e extremamente dócil, desde que seja "apresentado" às pessoas. Outro dia chegamos lá e fui abrindo a porta: o Brady avançou rosnando, mas quando minha filha gritou "it’s grandpa!" êle veio todo contente esfregar-se nas minhas pernas. É um cão inteligente e com portentosa memória. O gato Sam é, também, um belo animal, mas permanece arredio desde sempre.
Minha outra filha tem dois cães, um que adquiriu quando seu primeiro marido ainda era vivo, uma cadelinha Jack Russell a que deram o nome de Jackie. Depois, compadeceu-se de um filhote de Collie que encontrou num canil à espera de adoção e ficou com êle. Deu-lhe o nome de Beau, que em francês significa bonito, e que nos EUA também é usado como nome de gente. O Beau cresceu e se tornou um cão magestoso, faz sucesso em qualquer lugar que apareça, além de ser extremamente inteligente e carinhoso.
Esses dois cães sempre se lembram das pessoas que já tenham conhecido, por mais tempo que passem sem vê-las. Sempre nos reconhecem sem demora, - até reconhecem nossas vozes por telefone! E a cadelinha Jackie repetiu, de certa forma, o episódio da Bianca, porque uma das vizinhas e amiga de minha filha também se chama Jackie.
Visitando amigos em Pittsburgh, há algum tempo, êles nos apresentaram uma cadelinha a que chamam de Bete. Muito bonitinha e dócil, um encanto de animal. Um dia pediram para ficarmos com a Bete alguns dias em nossa casa porque iam viajar. Trouxeram a cachorrinha com seus petrechos e pertences, para que ela ficasse à vontade, e esclareceram que o nome "verdadeiro" da Bete é Elizabete Maria. Mais uma vez uma dessas "coincidências": uma de minhas irmãs se chama Elizabeth Maria (quase igual!), e muitos a chamam de Bete. Rimos muito quando ficamos sabendo.
Tenho certeza de que cada um de vocês tem alguma coisa interessante para contar a respeito de seus animais de estimação. Encorajo-os a colocar essas coisas por escrito: um dia as lerão com saudade.

Monday, January 08, 2007

Nomes

Luiz A. Góes
Trabalhando por muitos anos em indústria e em consultoria Brasil afora, colecionei ao longo dos anos muitos nomes de pessoas bastante curiosos, engraçados, alguns com histórias, outros com explicação, outros sem história nem explicação. Há anos li um artigo que falava de nomes curiosos no Brasil, dos quais o mais intrigante foi o de um tal de Prodoamor de Marichá e Marimé.
Certamente vocês já ouviram falar de nomes que parecem piadas, como o de um tal de Um Dois Três de Oliveira Quatro, ou dos filhos daquele sujeito que batizou os filhos com nomes em órdem alfabética: Anrique, Bicente, Cebastião…
Meu pai contava a história de um sujeito que enricou lá na região de Boca do Acre, cidadezinha do Amazonas próxima à fronteira com o Acre, que tinha conhecido quando menino. O tal sujeito se chamava Alexandre Oliveira Lima, e era um analfabeto extremamente inteligente e metido a fazer discursos. Talvez achasse que o fato de ter ficado rico lhe dava esse direito. Um belo dia fez uma viajem à Europa, e ajeitou para arranjar um título de nobreza, ou pelo menos voltou de lá dizendo que tinha se tornado barão. Daí por diante, começava seus discursos assim: "Eu me assino com três ele: Lixandre Liveira Lima, barão de Boca do Acre…"
Parece que certos nomes são mesmo fadados a ficarem conhecidos como nomes ridículos, ou malditos. Adamastor, por exemplo, é um deles: sempre que querem caracterizar um aloprado, ou um retardado, ou um levado da breca, usam esse nome.
Outros são apenas nomes infelizes. Conheci uns tantos Hitlers, e uns tantos Stalins. Onde trabalhei alguns anos havia um Stalin que foi-não-foi ia em cana: no dia seguinte êle reaparecia, depois de provar que não era o Stalin que estavam procurando, que aquele era o pai dele, militante comunista durante os govêrnos militares. Mas esses nomes não chegam a ser curiosos como tantos outros que andei vendo, principalmente lá pelo norte e nordeste: Loredano, Edileuza, Heraclides (pronunciado éra-clides), Cosmo, … Conheci um "Éra-clides" lá em Fortaleza: ninguém pronunciava o nome dele de outro jeito.
O nome "Éra-clides" me faz lembrar um caso envolvendo um sujeito que conheci ainda rapazola e que depois veio a ficar muito conhecido: era um sujeito debochado como o diabo, que morava na última casa de uma vila de casas dessas que tem um corredor em linha reta para o qual dão todas as portas. Aquele camarada entrava e saía fazendo uma algazarra danada e mexendo com toda a vizinhança. Na penúltima casa morava uma colega de minha irmã mais velha, de modo que íamos lá de vez em quando para as festinhas que faziam. O nome dela eu não me lembro, mas me lembro do nome de uma amiga dela que estava sempre lá também, criatura desfavorecida pela natureza mas diziam que bem dotada pela fortuna. A colega de minha irmã era uma garota despachada, que falava alto e dava boas rizadas daquelas esparramadas. Foi-não-foi chamava alguém pelo nome no meio do papo geral, daquele jeito que conhecemos: "ô fulana!", bem gritado, que ninguém podia ignorar. Como a tal amiga passava muito tempo na casa dela, era o nome mais ouvido: "ô Clides!", porque o nome dela era Clides.
Pois o vizinho debochado começou a imitar: a toda hora passava em frente à casa da colega de minha irmã gritando: "ô Clides!!!… fala prá mãe isso, fala prá mãe aquilo…"
E o moço debochado virou cômico de rádio, e depois de televisão, sempre gritando pelo menos uma vez em suas aparições: "ô Clides!!!… fala prá mãe isso ou aquilo…" Era o Ronald Golias: nunca explicou a origem do nome que chamava naquelas tiradas inexplicáveis, que o público pensava ser Euclides.
Na COSIPA colecionávamos os nomes de novos empregados que apareciam num tal de Boletim Diário que havia lá: era hilariante, ou chocante, conforme o caso. Um dia apareceu um sujeito com o nome de Pretestato: o pai dele tinha que ter estado arranjando algum pretexto para gerá-lo, talvez. Sugerimos aquele nome para o filho de um colega que ia nascer, e quase apanhamos, apesar de o colega ser de boa paz.
Em certos casos são as circunstâncias que fazem os nomes engraçados, ou com duplo significado. Tive um colega engenheiro que ficou encarregado da topografia durante a construção da usina da COSIPA. O nome dele era Patrício, e êle tinha como ajudante um japonês chamado Kira, que falava um pouco arrevezado mas era falante à bessa, enquanto que o Patrício era bastante discreto. O Patrício era alto, bem encorpado e moreno, e o Kira era baixinho e magrinho.
Toda vez que aparecia alguém na sala deles, o Kira, falante como o quê, saltava da cadeira, cumprimentava o visitante, e em seguida dizia: "Apresento o Patrício…". Não havia visitante que não ficasse espantado, porque custava a perceber que Patrício era o nome do Patrício, e não que êle era patrício do Kira.
Um outro colega chamava-se Gerogildo. Êle era lá de Minas Gerais, não me lembro a cidade, e um dia disse que estava saindo de férias porque ia se casar lá na cidade dele, onde sua noiva o esperava.
Lá para as tantas volta o Gerogildo com a esposa, que se chamava Onofrina... Essa dupla bateu o récord de nomes esquisitos, embora mais do que compensasse isso com sua enorme simpatia.
Mas o melhor ainda estava por vir. Um dia organizamos um daqueles jantares que grupos de colegas residentes em Santos naquela época costumava fazer. Uma das esposas mais antigas começou a apresentar a Onofrina às demais, e pelas caras que faziam dava para ver que o nome estava causando bastante espanto. Mas a Onofrina não se dava por achada, e até revelou que tinha ido ao ginecologista, porque tinha ficado grávida. E o ginecologista também tinha feito uma cara de dar medo quando ela disse o seu nome, o que a fez comentar, meio sem jeito, que era de uma região de Minas onde costumavam inventar nomes, - ao que o ginecologista, muito gentil, tentou consertar, dizendo que aquilo não significava nada: o piór seria chamar-se Sebastiana. "Pois eu me chamo Onofrina Sebastiana", respondeu a Onofrina. A cara do ginecologista não caiu porque àquela altura êle já estava com a máscara amarrada para examiná-la.
No sul, onde passava parte do ano quando menino, conheci numerosos nomes engraçados pelas suas conotações: um vizinho de meu avô, de origem alemã, chamava-se André Muller, com trema no u. Mas todo mundo o chamava de André Mula.
Houve por lá um caso de uma moçoila chamada Gema que começou a namorar um rapaz, talvez descendente de polacos, cujo nome era Hay, - que pronunciavam "ai". A cidade inteira comentava que o namoro era assim: "Gema!" "Ai!" "Gema!" "Ai!"…
Meu sogro, que era português, contou-me um dos casos mais curiosos de nomes "esquisitos": êle disse que nunca ficou sabendo o nome do sacristão da igreja que frequentava em Portugal, porque o rapaz sempre foi conhecido como "Filho do Prior", alcunha pela qual respondia sem rodeios.
Numa das usinas em que trabalhei havia um velhinho que servia café para o pessoal. Todo mundo o chamava de "Papai", e eu comecei a chamá-lo de "Papai" também, já que não fazia mal e era carinhoso para com o bom homem. Certo dia, não sei a propósito de quê, vi o nome dele escrito num papél: o sobrenome dele era Papai mesmo, de descendência húngara ou coisa que o valha.
Na mesma usina havia um mestre de forno que era o maiór boca-suja que já vi. Desbocado como o diabo. De cada três palavras que pronunciava, pelo menos duas eram palavrões. Era conhecido como "Malícia", o que me pareceu bem posto dado que fazia o ambiente ficar impróprio para menores e pessoas de fino trato o tempo todo.
Um dia incumbiram-me de supervisionar a operação daquele forno e efetuar os cálculos de cargas, etc, etc. Convencer um mestre daqueles antigos a mudar alguma coisa sempre foi parada dura, e um dia fiquei tremendo de medo porque tinha que "dobrar" o "Malícia" quanto a uma coisa que êle costumava fazer e que estava errada. Lá fui eu, pensando com meus botões: "E se êle me responder com palavrões???…" De repente me dei conta de que não sabia o nome dele, mas aí já era tarde, porque eu estava quase cara a cara com êle, êle já tinha me visto e se voltado para mim, e assim fui em frente: "Seu Malícia…" "Senhor?!" respondeu êle, embora eu fosse um jóvem engenheiro recém saído dos cueiros da faculdade e êle fosse macaco velho do ofício. Aquela resposta me surpreendeu mas também me animou, e acabei me entendendo bem com êle, que se revelou muito mais inteligente e maleável do que eu esperava. Também no caso do "Malícia" acabei descobrindo que era o nome de família dele mesmo, pelo qual era conhecido.
Anos mais tarde, depois de mais de dez anos trabalhando na usina, a COSIPA resolveu me transferir para uma função no escritório de São Paulo de uma hora para outra. Junto comigo ia uma parte da equipe com a qual trabalhava na usina, de modo que para resolver o problema no curto prazo contratamos duas peruas daquelas grandes, que nos apanhavam de manhã em Santos e nos traziam de volta no final do dia. Havia algumas secretárias que faziam parte do grupo, geralmente viajando juntas numa das peruas com alguns dos rapazes, e eu me ajeitava na outra com o resto da patota.
O motorista da perua das meninas era um baixinho magrinho que devia ter uns 40 anos ou mais, mas era chamado por todos de Pedrinho. Um dia o vidro do pára-briza da perua das meninas estilhaçou-se no momento em que começávamos a descer a serra, por volta das seis e meia da tarde. O Pedrinho mostrou-se experiente e cheio de expediente, porque acabou de abrir o vidro com um soco a fim de poder enxergar e conduzir a perua ao acostamento. Paramos logo atrás e descemos para ver o quê tinha acontecido, e diante do quadro deliberei imediatamente que as meninas e mais tantos rapazes quantos desse passariam para a nossa perua, porque o tempo estava chuvoso e quem fosse na perua acidentada ficaria enxarcado. Eu, como chefe, fui logo dizendo que ficaria na perua acidentada com o "seu" Pedro… mas o dito cujo me interrompeu e disse: "O meu nome é Pedrinho…"
Daria para ficar falando a vida inteira de nomes curiosos ou engraçados. Quando menino, um de meus amigos de quarteirão era conhecido como Irineu. Quando tivemos que escrever os nomes num pedaço de papél, não sei por quê cargas d’água, êle escreveu Rineu. Eu já ia corrigindo, mas êle me interrompeu dizendo que o nome dele era Rineu mesmo: o pai dele era italiano e tinha pronunciado Rineu quando foi registrá-lo, e Rineu ficou.
Lembro-me ainda de um caso, talvez apenas estória, daquele sujeito que lá pelo início do regime republicano, no início do século, foi votar e, como o voto era aberto e as listas de votação escritas a mão, o mesário chamou: "Quinhento Réis de Bosta!" Todo mundo riu, mas o sujeito se apresentou sem rir, o que obrigou o mesário a perguntar: "O seu nome é esse mesmo?"
"Não, disse êle: é Quintino Reis da Costa, mas toda vez que escrevem o meu nome o pessoal confunde, já estou acostumado…"
Quem sabe algum dia as pessoas não irão rir dos nomes que usamos hoje, não é mesmo? Ainda bem que existe o recurso de adotar pseudônimos, de não assinar algum nome que possa causar embaraços, ou até mesmo de trocar de nome, como fez o ilustre presidente Sarney, não é verdade? (Quem quizer saber como foi, pode perguntar que eu explicarei.)
Ah! Ia me esquecendo de dizer que li o nome do Prodoamor numa revista há várias décadas. O autor do artigo falava exatamente de nomes curiosos e mencionou o caso de um sujeito chamado Mariano das Chagas que se casou com uma mulher chamada Maria Amélia. Quando nasceu o primeiro filho, sapecou-lhe o nome de Prodoamor de Marichá e Marimé, que significava "produto do amor de Mariano das Chagas e Maria Amélia". Deve ter sido muito antigamente, porque atualmente parece que é obrigatório constar o sobrenome do pai ou da mãe nos nomes dos filhos.
Mas um português que conheci se chamava Manoel Franciscano de Assis Cintra. O pai dele se chamava qualquer coisa como Antonio de Oliveira, e a mão algo como Maria dos Santos. Quanto constatei aquilo, perguntei porquê, tendo um nome tão longo, não portava os sobrenomes do pai ou da mãe. Êle explicou que Manoel era o nome dele; Franciscano porque sua mãe era muito devota de São Francisco; de Assis porque o pai dele tinha nascido em Assis; e Cintra porque êle tinha nascido em Cintra. O nome não era engraçado, mas a explicação sim.

Thursday, January 04, 2007

Um cão eclesiástico

Luiz A. Góes

(História verídica: um nome foi trocado para proteger o inocente.)

O Paulinho chegou na casa do Dr. Ramos com um cãozinho de raça não muito notável, mas evidentemente bem tratado, e o deu de presente ao citado, pai de seus amigos adolescentes, contando uma história que deixou o Dr. Ramos comovido. O cãozinho, que o Paulinho havia dito chamar-se Tomy, era bem comportado, bastante quieto, e dava pouco trabalho.

Alguns dias depois, a campainha tocou e o mordomo do Dr. Ramos (vejam bem a categoria) foi atender. Voltou com a informação de que havia à porta dois senhores, um deles da polícia. Dr. Ramos achou esquisito, mas determinou que os mandasse entrar e foi atendê-los. O policial se apresentou como investigador e disse que o outro senhor era (nada mais, nada menos do que) o mordomo do Cardeal.

E foi logo ao assunto: havia sido roubado o cão do Cardeal, que respondia pelo nome de Papillon, e constava-lhe que o cão estivesse naquela casa. Dr. Ramos ficou ofendido e pediu imediatamente que se retirassem, argumentando que o único cão existente na casa era aquele que lhe havia sido presenteado pelo Paulinho, amigo de seus filhos e portanto pessoa sôbre a qual não tinha qualquer dúvida, e que além disso se chamava Tomy, e não Papillon.

Nisto o cão apareceu na porta da sala e o mordomo do Cardeal, ao vê-lo, chamou: "Vem, Papillon!" Imediatamente o indigitado cão empinou e abanou o rabinho, empertigou-se todo e correu na direção do tal mordomo, pulando alegremente em seus braços.

Só então o Dr. Ramos se deu conta da peça pregada pelo Paulinho, que havia começado suas estripulias bem cedo na vida.