Observador Isento (Unbiased Observer)

A space for rational, civilized, non-dogmatic discussion of all important subjects of the moment. - Um espaço para discussão racional, civilizada, não dogmática de todos os assuntos importantes do momento.

Saturday, April 30, 2011

Casamento real, ou a grande vantagem

Luiz A. Góes

Nos últimos dias a imprensa escrita, falada e televisiva, bem como as conversas de muita gente ao redor do mundo, e particularmente no Brasil, foram como que sequestradas por um único assunto, ou acontecimento: o casamento de um príncipe com uma “plebéia”.
Nem mesmo coisas muito mais sérias, afetando diretamente as vidas de milhões e milhões de pessoas, como guerras, catástrofes naturais, econômicas e políticas, chamaram tanta atenção ou foram consideradas mais importantes: parece que a grande maioria dos viventes continua preferindo sonhos à realidade.
Afinal, o quê há de tão extraordinário nesse casamento para galvanizar tanto as atenções e opiniões? Ouvi repetidamente alusões a um “sonho de fadas”, qual seja o “casamento de um príncipe com uma plebéia”, ou ao romantismo de uma “vitória do amor sôbre a separação de classes”, à pompa e beleza de todo o evento e coisas que tais, demonstrando que as pessoas preferem mesmo os sonhos em lugar da realidade do dia a dia, do pé no chão. Mais do que isso: que todos continuam vidrados no explendor de uma monarquia, inclusive aqueles que jamais viveram sob uma delas.
Ouvi discussões infindáveis, - e estéreis, - sôbre o “problema” da sucessão ao trono, com alusões às preferências do povo pelo pai ou pelo filho quando a avó finalmente resolver sair de cena e por aí afora, sem que as pessoas se dêm conta, nessas discussões, de que esse tipo de questão é resolvido invariavelmente sem levar na mínima conta as preferências do povo: essa é a realidade nua e crua da instituição que ostenta a pompa, o explendor e o aparente romantismo que tanto encantam as pessoas comuns numa ocasião como a desse casamento.
O quê, afinal, está sendo tão celebrado? O fato de que uma moça bonita conseguiu se casar com um príncipe que nunca precisou ou precisará trabalhar, e consequentemente também nunca mais precisará trabalhar ou fazer qualquer esfôrço na vida? É bem verdade que ela seguramente se esforçou muito para chegar aonde chegou, inclusive fisicamente, - mesmo porque foi comentado na imprensa que o príncipe se apaixonou definitivamente depois de ver os dotes físicos da plebéia que resolveu transformar em princesa, duquesa, marquesa, - e não sei mais quantos títulos de nobreza lhe foram outorgados de uma hora para outra pela rainha avó. Não é proeza pequena, dado o enorme número de moças bonitas daquele reino que sem qualquer dúvida tinham o mesmo sonho. E é muito justo: afinal, príncipe não é de ferro!
Mas para as pessoas comuns, para o povo, fora a alegria da celebração do sonho de fadas, o quê muda? Quê diferença faz? O regime parlamentarista vigente no reino não atribue ao ocupante do trono qualquer autoridade real: tudo é apenas formal, porque tudo é previamente decidido pelo parlamento, cabendo ao soberano, ou à soberana, apenas apor uma assinatura ao que já foi decidido, e isso em muito poucas coisas, porque praticamente tudo o que é importante de verdade se decide sem que o soberano ou a soberana sequer tome conhecimento, a não ser posteriormente. Trata-se de um regime em que o rei ou rainha reina, mas não governa. Não é uma beleza? Não importa quem esteja no trono, tudo se passa como se não houvesse ninguém lá!
O mesmo acontece, atualmente, em praticamente todos os países desenvolvidos onde ainda existe monarquia. Monarcas só mandam, atualmente, se forem monarcas de países sub-desenvolvidos, onde funcionam como os ditadores existentes em muitos deles. Quer dizer: monarquia em país desenvolvido é, atualmente, um anacronismo, uma espécie de faz de conta, uma instituição destinada a preencher o imaginário popular com um pouco daquilo que no tempo dos romanos se chamava de “circo”, espetáculo, sonho. Embora tenha a sua função: já imaginaram como seria o mundo se não houvesse mais monarquia na Inglaterra?
Mas, fora essa função tão prosáica, há alguma vantagem em se manter uma instituição desse tipo?
Talvez sim: se considerarmos o que se passa num país como o Brasil, no qual se tem que enriquecer uma nova família e seus apaniguados a cada 4 ou 8 anos, talvez fosse mais vantajoso enriquecer, apenas uma vez, uma família dita “real”, tirando-lhe todo o poder, e fazendo com que o congresso exercesse esse poder através de um sistema parlamentarista de govêrno. É bem verdade que todos os congressistas, ou a grande maioria deles, também se comportam como se cada um deles fosse um reisinho em busca de fortuna fácil em pouco tempo à custa dos impostos pagos pelos eleitores, mas de qualquer forma talvez ficasse mais barato do que está nos custando o atual regime presidencialista.

Monday, April 04, 2011

Coisa séria

Luiz A. Góes

Certa vez, há muitos anos, levei minha família para passar uma semana numa das chamadas “estações de águas” do Estado de São Paulo. Fazia um friozinho e o hotel tinha uma boa cozinha, além de áreas de lazer, de modo que mesmo ficando só no hotel as crianças (nossos filhos), ainda pequenas, acabariam se divertindo.
Deixei-os lá num final de semana e no final de semana seguinte voltei para passar dois dias e levá-los de volta para casa.
Quando cheguei, minha mulher conversava com duas senhoras no sagão do hotel: tinham se conhecido naquela semana. Minha mulher nos apresentou e uma delas disse à outra: “Veja como esse moço se parece com o “Seu” Contin!”
Ouvindo aquilo, perguntei de onde elas eram, e me responderam que residiam em Limeira, onde havia uma família Contin que tinha uma fábrica de carrocerias para caminhões e coisas do gênero. Eu já tinha visto as carrocerias Contin em caminhões pelas estradas da região, mas só bem mais tarde a tal fábrica ficou visível, com uma enorme placa que lá colocaram.
Lembrei-me de meu avô Contin, que me contou certa vez a respeito de uma parte da família que veio da Itália com os Contin do sul, em fins do século XIX, parte essa que tinha se fixado no Estado de São Paulo e perdido contacto com os demais naquela época de comunicações e transportes precários.
Contei isso às duas mulheres, e imediatamente uma delas me perguntou: “O senhor também é estourado?”
Não me restou muita dúvida de que elas conheciam os Contin de que meu avô havia falado, e o “Seu” Contin de que elas falaram devia ser o patriarca daquele ramo da família naquela época.
Cheguei a planejar uma parada em Limeira algum dia, a fim de conhecer aqueles Contin, mas os acontecimentos acabaram me impedindo de realizar esse plano.
Na semana passada minha mulher e eu fomos levar nossos netos Lucas e Rafael ao teatro infantil, para assistir a peça “O Gato de Botas”. O Lucas está com 4 anos e meio, e o Rafael com pouco menos de 2 anos e meio.
Costumo dizer que o Lucas é nosso neto português, porque temos um lado português do meu falecido sogro e do pai de minha nora, mãe do Lucas. E o Rafinha digo que é nosso neto italiano, porque minha mulher e eu temos metade de nosso sangue de extração italiana. E os tipos físicos deles não me desmentem.
Foi uma apresentação leve, como costuma ser, e deu para as crianças compreenderem bastante bem a trama, a ponto de participarem um bocado com gritos, risadas, palpites.
Havia na estória um ladrão que de vez em quando entrava em cena e ficava escondido atrás de uma árvore, de um banco, ou até mesmo atrás de algum outro personagem. A criançada começava, então, a apontar e a gritar “Olha êle ali, olha êle ali”, querendo ajudar um tal “príncipe” a capturar o ladrão, mas êste sempre conseguia se esgueirar para fora do palco antes de ser descoberto.
Depois de muitos “Olha êle ali” sem qualquer resultado, porque o príncipe não parecia querer ver o ladrão e muito menos capturá-lo, o Rafinha perdeu a paciência e revelou sua melhor característica: “Seu bobão!”, gritou êle para o príncipe. Mostrou que além de italiano é um bom Contin!
Hereditariedade é coisa séria!