Casal 200
No sábado fomos, minha mulher e eu, a um restaurante nas cercanias de Pittsburgh pelo qual sempre passamos mas no qual nunca tínhamos tido a oportunidade de entrar, para comemorar com certo atraso o aniversário dela. É um lugar interessante porque tem música ao vivo nos finais de semana e uma pequena pista para dançar, coisa pouco frequente por aqui, além de ter a fama, que se confirmou, de ter uma cozinha muito boa.
Descobrimos algumas coisas importantes para a próxima vez, como por exemplo que o bar daquele lugar é mais importante do que o restaurante - as áreas ocupadas por ambos são equivalentes, e havia muito mais gente no bar do que nas mesas jantando, - e que a música só começa às nove da noite, em contraste com a maioria dos restaurantes desta área, que pelas nove já estão próximos de fechar, faça chuva ou faça sol.
Considerando o horário da música ao vivo, chegamos meio cedo, - deviam ser no máximo sete e meia, - e havia música, mas era de disco: nem sinal dos músicos. Entretanto, deram-nos uma ótima mesa junto à janela que dava ampla visão do tablado onde se supunha que os músicos iriam ficar. Havia muito pouca gente jantando: uma mesa com algumas crianças, um pessoal que logo terminou a refeição e se retirou, umas duas mesas com pessoas idosas, e uns outros gatos pingados. Perguntamos à garçonete a que horas começava a música ao vivo, e ela explicou, como já dito, que só às nove, e que o restaurante atenderia atá as onze, mas o bar só fecharia às duas da manhã: realmente uma raridade nestas paragens!
Numa mesa ao lado da nossa havia um casal de idosos que logo apelidamos de "casal 200": 100 anos para cada um! Ocorreu a expressão devido ao dinamismo exibido, apesar da idade - conversavam de maneira muito animada, - porque nos lembramos do "casal 20" daquela série da televisão. Em realidade êles deviam estar pelos menos beirando os oitenta, ou quem sabe até um pouco mais.
Apesar de não haver intenção, não podíamos deixar de ouvir um pouco da conversa deles: o homem estava meio de costas para nós e falava baixo, de modo que quase nada do que êle dizia era audível, mas a mulher estava quase de frente e falava bastante alto devido provavelmente a algum problema auditivo, de modo que não dava para deixar de ouvir. Chamou-nos a atenção o fato de que ela de vez em quando deixava escapar alguma expressão de gíria beirando a obscenidade, o que atribuímos inicialmente ao fato de talvez se tratar de um casal idoso totalmente à vontade um com o outro.
Mas lá pelas tantas a mulher se exaltou um pouco mais devido a alguma coisa que o homem havia dito, e exclamou alto e bom som: "Bullshit!", que literalmente quer dizer "bosta de boi", mas que se usa em gíria para significar bobagem, besteira, asneira. E a frase que veio a seguir foi demasiado significativa: "Quer dizer que você rejeita a minha oferta?"
O homem respondeu lá qualquer coisa, e ela respondeu algo assim: "Deixa disso! Nós vamos lá para o meu apartamento e ninguém tem nada com isso!"
Ficou claro, cremos, que os dois estavam em pleno encontro amoroso, contrariamente ao que havíamos pensado originalmente, ou seja, de que se tratava de um velho casal que talvez tivesse havia muito completado bodas de ouro: êles estavam numa "date", como se diz aqui.
O velhinho disse alguma coisa mais, e a mulher replicou: "Se você acha que sou ousada demais para você, podemos deixar de lado a sexualidade e nos concentrar nos outros aspectos de um relacionamento íntimo e duradouro..."
O velhinho novamente fez algumas considerações e a velhinha soltou uma bela gargalhada da qual minha mulher disse ter ficado com inveja, porque fazia tempo que não dava gargalhada igual. Logo em seguida a velhinha voltou ao ataque: "Então eu lhe faço outra proposta: na nossa idade a gente precisa aproveitar ao máximo as oportunidades que se oferecem ...." Mas aí não deu mais para ouvir porque a garçonete postou-se ao nosso lado e começou a recitar os pratos especiais do dia e a dar outras informações, tendo nos trazido a bebida e o pão, e perguntando o quê gostaríamos de comer.
Pedimos alguns minutos para decidir, esperando ouvir mais um pouco da conversa do "casal 200", mas vimos desapontados a garçonete entregar na mesa deles um pequeno saco plástico contendo o que êles não tinham conseguido comer para levarem para casa, mais a conta. O velhinho pagou e se levantou, muito cavalheiresco, para puxar a cadeira da velhinha, que estava muito maquiada e penteada e se vestia com certo esmero para o estilo americano. Quando ela se levantou, sacou de uma bengala e saiu andando, seguida pelo seu namorado, que talvez tivesse aceito, finalmente, ir para o apartamento dela e continuar lá a festa, em lugar de esperar pela música ao vivo que ainda não tinha começado: naquele momento os músicos mal haviam chegado e estavam arrumando os instrumentos, altofalantes, microfones, etc.
No meio da conversa dos velhinhos, notamos uma outra dupla, - inicialmente não nos ocorreu considerar aquilo um casal, - que veio lá do bar e foi se dirigindo a uma das mesas mais ao fundo. Foi-lhes oferecida uma das mesas bem mais próxima ao tablado, mas êles a rejeitaram e foram lá para o fundo. Eram uma mulher talvez na casa dos quarenta e poucos com um homem que estava seguramente por volta dos setenta, ela bem mais alta do que êle e do tipo de ossos grandes, ou seja, uma mulher e tanto para o caminhãozinho daquele baixinho. Num instante minha mulher comentou (porque eu estava de costas para a mesa dos fundos que escolheram) que êles estavam lá aos beijos e abraços, ou seja: aquele velhinho se mostrou muito mais decidido do que o outro.
Em outra mesa próxima sentaram-se dois casais, um por volta dos quarenta e o outro por volta dos sessenta e muitos: poderiam ser pais dele ou dela. A música ao vivo começou, excelente por sinal, e num instante os dois casais da mesa ao lado, mais o velhinho com a sua altona e uns outros casais que vieram lá do lado do bar estavam na pequena pista dançando. Nós esperamos por uma música mais favorável e fomos dançar também.
Terminada a música, voltamos à nossa mesa para comermos uma sobremesa, e notamos que continuava a chegar gente, a maioria indo para o bar, mas alguns se dirigindo também ao restaurante. De repente entrou uma mulher loira alta envergando um enorme casaco de pele branco, - estava um tanto frio, mas talvez não fosse para tanto, - seguida por um bonitão também alto e grisalho, visivelmente um tanto mais velho do que ela. Aquele casaco de pele branco era bem chamativo.
Acomodaram-se no bar e, quando a música recomeçou, a tal mulher com o seu bonitão vieram dançar, ela já livre do tal casaco de pele. Deu então para ver melhor: era uma loura muito produzida do tipo "alta combustão", talvez por volta dos cinquenta, envergando um vestido tomára-que-caia justo e exibindo uma tremenda "forma física". O seu bonitão não conseguia resistir à tentação e constantemente deixava a mão da cintura escorregar bem mais para baixo, numa inequívoca demonstração de que era o dono e estava realmente "in love" com a sua loura de arrazar quarteirão, - apesar de não parecer haver ninguém ali que lhe quizesse fazer concorrência.
Foi uma noite bastante divertida, agradável e cheia de surpresas, que esperamos repetir qualquer dia desses, - mas acho que quando formos vamos pedir ao gerente do restaurante para convocar de novo o "casal 200", mais a loira com o bonitão, para assegurar que a coisa fique completa com todo o colorido do sábado passado.
A loira e o bonitão nem tanto, mas o "casal 200" foi realmente uma grande fonte de inspiração…
(Abril/2005)